segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

JIVM - ADEUS



O poema Adeus é minha postagem de despedida de 2009 – um ano bom para mim, de muitos feitios e de muitas viagens pelo mundo da poesia. Foi, também, um ano em que pude acompanhar, com satisfação, o desenvolvimento dos meus filhos – Moisés e Gabriel – que estão a crescer vigorosamente, descobrindo, cada qual à sua maneira, os encantos da existência.
Pois bem, para todos vocês que acompanharam meu blog em 2009, os meus agradecimentos e o convite para que continuem a passar por aqui, deixando suas impressões.
Desejo que 2010 seja um ano de Saúde e de Sucesso, de Paz e de Poesia para todos nós. Feliz Ano Novo! Abraços.
JIVM

OBS: Este poema, com a maravilhosa ilustração que o acompanha, do artista plástico Juraci Dórea, foi escolhido pela Edições SM para fazer parte do livro didático Português – Produção de Texto – Volume 2 – Ensino Médio, de autoria de Cecília de Aguiar Bergamim.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

POEMETOS DE JIVM NO CONCURSO VILA D'ÁGUA



O Teatro Vila Velha promoveu o Concurso de Fotografia e Poesia Vila d’Água, que premiou seis fotografias e seis poemas que comporão uma coleção de seis cartões-postais. Os cartões serão distribuídos na cidade de Salvador em 2010. A ideia é que a coleção ajude na formação da consciência sobre os recursos naturais do nosso planeta, principalmente sobre o uso da água. Pois bem, escrevi três poemetos, na véspera do encerramento das inscrições, e os enviei. Para minha satisfação, dois foram premiados. Ainda não sei quais foram. Resolvi colocar os três aqui no blog:


TRÊS POEMETOS D’ÁGUA


I

A água que lava os pés
é a mesma que alimenta a alma
e irriga os veios do corpo:
do teu corpo, teu planeta, tua casa.


II

Lavar as mãos agora
é condenar o jardim.

Olhe pra dentro, e ao redor,
arregace as mangas
e vá cuidar da fonte!

Os arvoredos dos passos só brotam
se a água molhar as plantas dos pés.


III

Tempestade num copo de água?

Tempestade é o seu copo
Sem um pingo d’água!


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

SANGUE NOVO - LIDIANE NUNES



VONTADE DE FALAR ATRAVÉS DA ESCRITA – LIDIANE NUNES nasceu em Salvador, Bahia, em 1983. Com apenas três anos de idade, mudou-se para Feira de Santana, onde vive até hoje. É professora de literatura, graduada em Letras Vernáculas, pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e cursa, atualmente, a Especialização em Estudos Literários, pela mesma instituição. Mantém o blog: http://nuneslidi.blogspot.com/. Lidiane, singela e cristalina no falar e na escrita, é otimista e não tem pressa. Compreende que “um poema não conseguirá mudar o mundo, mas pode tocar um leitor, pode tornar alguém mais sensível, mais humano”. Vamos, então, conhecer um pouco mais dessa moça tímida que, quando sua voz quer calar, é dominada “por uma vontade de falar através da escrita”.

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Com tanta coisa legal pra se fazer por aí, por que escolher logo a literatura, e ainda mais a poesia, um ofício solitário, que não dá dinheiro nem visibilidade e, quando muito, desperta a inveja dos medíocres?

LIDIANE NUNES – Acredito que não foi uma escolha. Na verdade, quando me dei conta já estava apaixonada pela literatura, pela poesia. Decidi cursar Letras, porque gostava da área, mas foi na UEFS, durante as aulas de Mayrant Gallo, que descobri, de fato, a minha paixão pela arte literária. Comecei, então, a rabiscar algumas linhas - que nem ouso chamar de versos - sem pensar em ser escritora, em ter visibilidade, nada disso. Não nego que, hoje, penso em publicar. No início não. Escrevia apenas por um impulso, por uma vontade de falar através da escrita, quando a minha voz queria calar. Ainda continua sendo assim, com a única diferença de que agora não quero apenas falar (escrever), quero ser ouvida (lida). Nem que seja pelos meus poucos amigos e mesmo sem ganhar dinheiro. É como uma necessidade.

JIVM – A poesia serve para alguma coisa? O escritor – o poeta – desempenha algum papel na sociedade?

LN – No meu primeiro semestre de Letras, na disciplina Teoria I, discutiu-se sobre a função da arte, tendo como base textos de teóricos como Fischer, Faustino, Eliot, entre outros. Estes defendem que a arte possui quatro funções primordiais: a de prazer, deleite; a de aprimoramento da língua; a documental; e a de transformação social. Alguns colegas meus, até hoje, discordam dessa assertiva. Eu concordo, plenamente. Acredito que um genuíno poeta desempenha, sem dúvida, um papel na sociedade. Claro que um poema não conseguirá mudar o mundo, mas pode tocar um leitor, pode tornar alguém mais sensível, mais humano. E ainda que assim não fosse, pelo simples fato de nos despertar prazer, de nos permitir sentir de outra forma, a poesia valida a sua existência. Não consigo imaginar um mundo sem poesia, sem literatura, sem arte. Seria muito mais opaco. E vazio.

JIVM – Como é, de repente, se descobrir uma escritora? Olhar para trás e reparar o caminho difícil e doloroso que mulheres como Florbela Espanca, Marina Tsvetáieva e Emily Dickinson percorreram não lhe assusta?

LN – Ainda não me descobri uma escritora. Há algum tempo, estou começando a desconfiar. Sempre escrevia e deixava na “gaveta do computador”. Nunca mostrava a ninguém. Tinha um grande receio. Não sei bem do quê. Até que, certo dia, comecei a mostrar os meus escritos para alguns amigos. Eles elogiaram. Porém, para mim, eram suspeitos. Resolvi enviar meus poemas para Mayrant Gallo. Ele gostou de alguns, de outros não. Na semana seguinte, enviei mais um poema, que foi publicado em seu blog, na época, o Contramão. Fiquei muito contente. Segui escrevendo. Este ano, enviei um poema meu para uma amiga escritora e ela disse que eu tinha que perder o medo de publicar, que precisava me arriscar. Suas palavras me marcaram. Passei a postar alguns versos em meu blog e tenho recebido muitos comentários. Por isso, principio a me perguntar: será mesmo que levo jeito para a coisa? A resposta positiva me assusta, sim. O novo sempre me assusta. No entanto, não quero e nem consigo fugir. Então, vou me deixando ser levada, sem pressa...

JIVM – Você lê muito? Considera-se uma grande leitora? Quais são seus livros e autores referenciais?

LN – Leio muito. Amo o ato da leitura. Mas não sei se sou uma grande leitora. Cada dia que passa, percebo o quanto preciso ler ainda. Toda vez que converso com os meus amigos, que também gostam de literatura, saio com uma lista enorme de livros que não desbravei. Sei que ninguém pode ler tudo, entretanto, necessito organizar melhor o meu tempo. Sempre acho que tenho que ler mais. Meus autores referenciais são muitos. Sou apaixonada por Machado de Assis. Admiro bastante Clarice Lispector, Fernando Sabino, Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Fernando Pessoa, Albert Camus, Kafka, entre outros. Atualmente, estou adorando ler contos. Ando fascinada por este gênero. Gosto de ler as obras de escritores baianos – ou radicados na Bahia – também: Renata Belmonte, Eliana Mara Chiossi, Ângela Vilma, Mônica Menezes, Mayrant Gallo, Gustavo Rios, Nívia Maria Vasconcellos, JIVM e outros. E tenho um vício chamado blog. Acesso este espaço quase diariamente. Posso ficar muito tempo sem atualizar o meu, mas não passo mais de um dia sem visitar os blogs dos meus amigos. A leitura, para mim, é essencial. Se não leio, sinto que está faltando alguma coisa. Então, me lembro o que é. E abro um livro. Na ausência deste, ligo o computador. Sem Internet? Entro em desespero.

JIVM – Você tem uma grande paixão pelo cinema. A sétima arte influencia de que maneira na sua produção poética?

LN – É, tenho mesmo uma grande paixão pelo cinema. E esta, também, foi influência do Gallo. Acho que o citei em quase todas as respostas. Inevitável. Ele é um eterno mestre e um grande amigo, que sempre me incentiva a continuar escrevendo e me indica bons livros e bons filmes. Depois que participei de uma oficina de cinema que ele ministrou na UEFS, passei a assistir aos filmes com uma visão diferente. Comecei a perceber que cinema é poesia, é metáfora, é arte, é uma das mais belas formas de narrativa. Mas não sei mesmo precisar a influência do cinema na minha escrita. Parece que percebo mais em relação ao assunto. Às vezes, assisto a um filme e, então, tenho a idéia de escrever um poema, um miniconto. Sempre adorei esse dialogismo entre as artes. No entanto, acredito ainda que o cinema me influencia na forma. Só não sei como. Na concisão, na fragmentação, talvez.

JIVM – Já tem algum livro esboçado? Quais os projetos? E o que mais?

LIDIANE NUNES – Não. Nenhum livro esboçado. Escrevo pouco. Tenho poucos poemas. Alguns minicontos. Nem sei se daria para publicar ainda. Fui convidada para participar de uma antologia de minicontos, prevista para ser publicada em 2010. Aceitei. Agora, estou aguardando. O meu único projeto, no momento, é continuar lendo, escrevendo, postando em meu blog e caminhando, sem saber exatamente para onde. No mais, gostaria apenas de agradecer muito pelo convite, pela oportunidade de participar da coluna Sangue Novo. E aproveito para deixar um forte abraço para os que acabaram de ler estas minhas palavras.

TRÊS POEMAS DE LIDIANE NUNES















CASAMENTO


Queria escrever algo
sobre mim
e sobre o outro.

Mas um outro
já escreveu tanto
sobre mim,

que só me resta
dizer sim.



(IN)DECISÃO


Como um peregrino,
eu sigo.

No meio do caminho:
duas rotas

e meu olhar vago,
perdido.



DEUS
Para Mayrant Gallo


A única crença
que me resta.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

PROJETO COM A PALAVRA O ESCRITOR - JIVM

26 de novembro de 2008
Fotos: Ricardo Prado

Hoje completa um ano que participei do projeto Com a Palavra o Escritor, na Fundação Casa de Jorge Amado, no Pelourinho, em Salvador. Foi exatamente no dia 26 de novembro de 2008, das 17 às 20 horas. A convite da poeta Myriam Fraga, diretora executiva da instituição, tive a satisfação de viver momentos de alegria ao lado de vários amigos. Fui apresentado pela escritora Eliana Mara Chiossi, professora doutora do Instituto de Letras, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que fez a leitura do ensaio "Um cavaleiro andante pelo céu da poesia". Para abrilhantar ainda mais o evento, a cantora Carla Visi, o ator Jackson Costa e os escritores Carlos Barbosa e Edmar Vieira fizeram leituras de poemas meus. O fotógrafo Ricardo Prado, artista das lentes, foi quem fez o registro do evento, além de levar sua presença amiga. Foi uma noite inesquecível, na qual falei da minha vivência de poeta, dos meus livros e do papel que desempenho como produtor cultural. Abaixo, segue o texto de apresentação de Eliana Mara Chiossi, recheado de fotos do evento, feitas por Ricardo Prado.


UM CAVALEIRO ANDANTE PELO CÉU DA POESIA
Por Eliana Mara Chiossi

De vez em quando é bom voltar ao dicionário, para recordar, lembrar com o coração, o sentido das palavras que usamos muitas vezes de modo descuidado. Reverência é, segundo o dicionário Aurélio, “respeito às coisas sagradas, respeito, acatamento, veneração, saudação respeitosa com inclinação do busto para a frente (as mulheres também dobram os joelhos)”. Quero transpor para a palavra o desenho deste gesto, de um corpo que se curva ao que venera, demonstrando meu senso de reverência, por esta data e pelo que este acontecimento fala de mim e de Inácio e de nossa amizade. Fui convidada para esta celebração da palavra, para apresentar o poeta José Inácio Vieira de Melo. E é neste lugar de reverência que o faço. Para retirar, logo de início, qualquer ruído de entendimentos: não estou aqui travestida de encomiasta, de quem se pode esperar todo um discurso laudatório e elogioso e com freqüência, vazio. Não estou aqui porque preciso elogiar. Estou aqui porque quero elogiar. A ocasião pede reverência. O ambiente pede lisura. O afeto pede a delicadeza no trato. A poesia de José Inácio me deu todas as razões.

JIVM, Myriam Fraga e Mayrant Gallo

O que me importa na biografia de Inácio, e já há uma síntese dos seus 40 anos no convite para este evento é começar dizendo que acho lindo o nome do lugar onde ele nasceu: Olho d´água do Pai Mané. Gosto de saber que ele é nordestino. E que um de seus poeta preferidos é João Cabral de Melo Neto. Me interessa sua solidariedade. Me agrada seu jeito sincero demais de ser. De vez em quando, quase brusco. Gosto do jeito como ele sabe ajeitar as cenas da cultura e da poesia desde o lugar onde vive. Gosto de saber que ele transita bem pela internet, nessa rede que aproxima muito rapidamente pessoas tão afins. Saiu de Maceió e veio morar na Bahia, mas mora sempre, sempre, é na roça mesmo, onde estão seus pés, olhos e coração.

Ruy Espinheira Filho e Myriam Fraga

Os lugares que ocupamos dizem de nós, dizem das nossas escolhas e filiações e explicam os encontros, as redes que compomos. Estar aqui hoje, tendo a honra de apresentar o poeta, de anteceder a sua fala, é ocupar um lugar na história de José Inácio, fazer parte da sua trajetória. Nosso encontro pessoal é muito recente e aconteceu por acaso. Sou professora colaboradora no programa de Pós Graduação em Literatura e Diversidade Cultural da UEFS e, em outubro deste ano, há quase um mês, fui ministrar aulas, no curso de Mestrado, de um dos três módulos da disciplina Sertão: ficção e cultura. Ao ver a lista com o nome dos alunos, encontrei o nome de José Inácio e fiquei surpresa porque iria conhecer pessoalmente uma figura que já circulava na minha rotina, enquanto professora, escritora e leitora. Participei de um sarau organizado por ele, recebia sempre poesias de sua autoria e de outros autores através da internet, lia sua coluna na revista digital Cronópios e já havia trabalhado com a antologia por ele organizada, de novos e jovens autores baianos, além de conhecer seu trabalho na revista Iararana. Após alguns encontros, uma afinidade foi sendo estabelecida, até que numa viagem de retorno a Salvador, Inácio me convidou para apresentá-lo nesta noite. O pedido era, na verdade, uma abertura afetiva, uma proposta de parceria. Dias depois, eu tinha em minhas mãos todos os poemas de José Inácio, com alguns dos principais textos críticos sobre sua obra e passei a manter contato com as suas poesias diariamente. E havíamos combinado que se eu não me sentisse confortável de fazer a apresentação, ele escolheria outra pessoa. Estava implícito que, se eu não gostasse das poesias, poderia declinar do convite.

André Guerra, Gabriel Gomes, André Telles e JIVM

Estar aqui tem a ver com o fato de ter gostado, e mais que isso, de ter me identificado com a poesia dele. Não teria sentido estar aqui para algo diferente disso. Não é proibido dizer que não gosto de tudo que José Inácio escreveu nos quatro primeiro livros, não é proibido dizer que prefiro os dois últimos e aproveito poucos poemas de Códigos do Silêncio e Decifração de Abismos. Mas reafirmo que estou aqui para o trabalho da reverência. E o sentido exato de reverência tem a ver com o sentimento genuíno de admiração e respeito. Quero saudar o poeta, ao apresentá-lo aqui, ao preparar o ambiente para que chegue com sua palavra, dizendo antes da minha admiração pela sua escrita.

Myriam Fraga

A cada lançamento de seus livros, José Inácio recebeu tratamento especial por parte da crítica. Autores como Ruy Espinheira Filho, Gerardo Mello Mourão, Nelly Novaes Coelho, entre outros, abordam aspectos de sua poesia, numa visível coerência entre si. Em linhas gerais, todos destacam a temática da representação do sertão, do misticismo, do ambiente rural, falam da dicção poética singular que funde linguagem popular e uso de formas clássicas da tradição ocidental. Conforme Ruy “Que se compreenda bem: o mesmo que José Inácio permanece sendo, em sua atmosfera, não significa mesmice de sua obra. O segundo livro não é igual ao primeiro. O poeta, nos meses que se passaram, foi naturalmente amadurecendo. O mesmo, no caso, é referente, digamos assim, ao caráter lírico, que se mostra sólido em seus valores, suas raízes, suas fontes. O que é uma importante indicação, pois só poetas menores, de obras mais artificiosas do que artísticas, vivem mudando a cada livro, a cada instante, muitas vezes para pior, acabando por nada deixar de vigoroso, de denso, de significativo. Só conseguem, estes, enganar os tolos, pois apenas os tolos confundem artimanhas com arte. Em suma, José Inácio possui essas raízes, essas fontes, e delas retira uma poesia muito pessoal.”

Eliana Mara Chiossi e JIVM

Numa fala de Antonio Naud Junior, ele diz: “(...) E o que leva um homem como José Inácio Vieira de Melo a escrever empenhadamente versos? Talvez creia que só a palavra é o caminho. No mundo terrível à sua volta, nele, não detém – o poeta procura colocar a palavra que sussurre ao vento o próprio tempo. A poesia deste autor sensível, tecida com os fios da memória, forma uma esteira aveludada de sensações exatas. Desse lirismo arrojado surgem vozes sentidas, ardentes, feridas, inflamadas, anunciadas numa paisagem rural formosa e dilacerante em suas intenções espontâneas.”

Eliana Mara Chiossi

Nas entrevistas concedidas, José Inácio reforça as palavras dos críticos. Uma das suas frases sempre citada é: “Sou completamente poeta, mas não um poeta completo.” Ele mesmo se declara como uma pessoa da roça, origem que não abandona nunca. Sobre ser poeta diz: “comecei a me aceitar como poeta, pois não tinha outra opção – nasci com esta praga sagrada”. Declara as influências recebidas de João Cabral, Gerardo Mourão, Drummond e Bandeira e assume a presença da vivência de suas raízes sertanejas.

Eliana Mara, JIVM e a seleta platéia do projeto Com a Palavra o Escritor

Apresentar um poeta conhecido e respeitado, mas ainda jovem na idade e na trajetória enquanto poeta, é um desafio, mas também é sempre uma oportunidade de retomar nossa própria história com a poesia. Minha preferência, inicial, enquanto leitora, sempre foi pela prosa. Aos poucos fui descobrindo que a poesia instalava em mim uma outra inquietação, quase uma perturbação. Até chegar o momento de meu encontro com a constelação da escrita de Clarice Lispector, ponto de partida para a compreensão de que a divisão entre prosa e poesia não me interessava. O que me mobilizava era a escrita na sua rotação e vertigem, para além das fronteiras dos gêneros. Nesse contato quase intensivo com a poesia de José Inácio, nas vésperas de cumprir o ritual de sua apresentação, fui em busca do que me mobilizava na sua escrita. Deixando registrado até aquilo que não me interessava, poemas que eu não guardaria. E decidi destacar os pontos de interesse, nesse universo peculiar da sua escrita, a fim de quem sabe identificar as regularidades, traços de uma dicção pessoal, fulgurações únicas.

José Inácio Vieira de Melo

Os primeiros livros de José Inácio não me agradam muito. Gosto de alguns poemas, apenas. Coincidentemente, os mesmos que depois o poeta vai reapresentando nos livros A terceira romaria e A infância do centauro. Mas os primeiros livros de José Inácio me agradam, quando me entregam uma cifra do seu percurso. Um poeta que vai me agradando cada vez mais a cada livro. Na letra de “Romaria”, música composta por Renato Teixeira, os versos de abertura dizem:

É de sonho e de pó
O destino de um só
Feito eu perdido
Em pensamentos
Sobre o meu cavalo

É de laço e de nó
De jibeira o jiló
Dessa vida
Cumprida a só

Eliana Mara Chiossi e JIVM

Este quadro, a meu ver, decifra metaforicamente, a escrita de José Inácio até A infância do Centauro, que opera uma síntese do que vem sendo trabalhado desde o primeiro livro. A sua escrita grifa também sua andança entre a roça e a cidade. E sua vivência rural não é contigente, mas instituinte, o rural é aquilo que lhe constitui enquanto sujeito.

Edmar Vieira recitando o poema Jardim dos mandacarus

Na poesia dele, há um mapeamento de perguntas sobre a existência. Uma existência cravada no trânsito entre a cidade e o interior nordestino, mas cujo arco pode ser estendido aos questionamentos da existência em outras paragens. E esse homem telúrico, cuja biografia o localiza no mapa nordestino, com seu trabalho identifica as paragens, alça vôo, no seu cavalo, para falar a todos os que acreditam na remissão possível pela ligação com a terra e com suas lições. Dar voz e nome aos vaqueiros, "Ciço Cerqueiro", pais e mães compondo esta lembrança.

JIVM e Carla Visi, que recitou o poema Jardim das algarobeiras

Qual pátria comum, onde todos esses personagens se encontram, que é o destino dos peregrinos e romeiros? seria a pátria da felicidade? a pátria da fraternidade? Ainda que tudo seja uma busca incessante, uma utopia movente e seus resíduos de uma quimera a nunca ser alcançada.

Jackson Costa recitando o poema Romaria para um público atento

Até o ponto de encontro com a cidade utópica de Bandeira, a Pasárgada desejada, que ele retoma no poema "Rural", que eu leio:

Eu vou pra roça, ajudar o dia a amanhecer,
chamar os bezerros pelos nomes de suas mães
e ver a vacaria apojar
e sentir a chuva de leite em meus olhos.

Eu vou pra roça, lá Manoel é Mané
e a única máscara são os calos de suas mãos:
- mãos encardidas de leite.

Eu vou pra roça, começar o dia com um sorriso.
Meu cavalo e eu - Centauro do Sertão -
sairemos campo afora
apascentando a boiada, o milharal, o açude.

E os cajus haverão de destravar as fronteiras
e ouvirei o canto das patativas se estender até Assaré
e me entenderei com as beldroegas
e compreenderei a labuta das formigas.

Das quedas, trarei a lição do levantar
e seguirei pela vida ao lado de meu irmão.
Eu vou pra roça, lá o documento é a palavra.

Carlos Barbosa recitando o poema Gênese. Ao lado: Eliana Mara e JIVM

O mundo, em tese, está disponível para todos que o habitam, na sua conformação idêntica. Existe um mundo apenas. Mas há, em cada poeta que se firma, uma leitura do mundo, que nos obriga a alguns ajustes na nossa própria conformação. Se o convite é aceito, um poeta pode ser o guia para nos perdermos ou nos encontrarmos. O mundo, como descrito pelo poeta, pode ser muito similar ao que já existe para nós, mas o modo de ver e estar sempre se altera, a cada imagem ou metáfora que nos é entregue. Na oscilação constante de reiteração ou ruptura, o mundo de José Inácio me faz ver o que o mundo é para mim, e me desafia.

Zé Inácio cantando uma toada e soltando um aboio

Há uma forte marca de pensamento sobre a própria escrita poética, que talvez esteja sintetizada nos últimos versos de seu poema "Ausência": Tudo é uma enorme ausência/e resta apenas este poema. A abordagem da metalinguagem está associada, quase que todo o tempo, com a reflexão sobre a identidade. O poeta pensa a sua condição a partir da sua condição de poeta. Para flagrar a existência, através das palavras, dos versos:

De óculos escuros
O homem se aproxima
E me pede um poema

Olho em suas lentes e indago:
- o mundo é uma cena?

Os aplausos da platéia

Este homem de óculos escuro, transeunte ou um velho cego, presente na encenação deste eu-lírico que quer se refugiar do avanço das cidades, habitadas pelos pardais nos seus caos alucinados:

Só os pardais dizem bom dia para o caos,
só os pardais cantam serenatas para os surdos
e embalam a dança aérea dos urubus,
enquanto brinco de deus e cheiro a carniça.

Eliana Mara, JIVM e Myriam Fraga

Esta pergunta se transfigura em afirmação. E na sua poesia, José Inácio demonstra que o mundo é uma coleção de cenas em formato caleidoscópico, que a cada poema, o poeta baralha nessas formas do mundo e nos pede para olhar o mundo outra vez. E nesse baralho, composto por cintilações e aforismos, José Inácio me lembra traços da escrita de Nietzche, pela crescente perquirição, pela exposição continuada de uma incompreensão generalizada contra os sentidos da vida. No prólogo ao livro Humano, demasiadamente humano II, Nietzsche diz: “devemos falar apenas do que não podemos calar; e falar somente daquilo que superamos – todo o resto é tagarelice, “literatura”, falta de disciplina. Meus escritos falam apenas de minhas superações: “eu” estou ali, com tudo que me era hostil, meu próprio eu, até mesmo, se me permitem uma expressão mais orgulhosa, meu mais íntimo eu. Já se adivinha (...) sempre foi necessário antes o tempo, a convalescença, a distância, até que em mim nascesse o desejo de explorar, esfolar, desnudar, apresentar posteriormente, para o conhecimento, algo vivido e sobrevivido, algum fato ou fato próprio. Neste sentido, todos os meus escritos (...) sempre falam do que deixei para trás. Aquela irada irrupção contra a patriotice, o comodismo e o abastardamento da linguagem”.

Jackson Costa, JIVM e Carlos Ribeiro

Vejo nestas palavras a compreensão do que Roseiral propõe. Divisor radical de águas, nas quais encontro o amigo José Inácio mais distante, porque agora o eu-lírico reina, quase indomável, na constelação de suas palavras-facas, na zoada ininterrupta do lançamento de pedras, na coragem de ir ao avesso, um centauro assinalado São Jorge, um peregrino interessado em toda espécie de grito, guerra e amores. Guerreiro armado com a palavra destemida, eu-lírico libertado no mundo que descreve como um caleidoscópio de cenas, ajustando contas com o passado e sonhando futuros impossíveis.

Ricardo Prado e JIVM

Mas outra presença muito forte, que fortalece a afinidade entre nós, é a do poeta Herber Helder, que a meu ver, cedeu a José Inácio a senha para o segundo momento de sua escrita. Ao ser convidada para estar aqui, tive o luxuoso privilégio de receber este Roseiral, que é o livro inédito de Inácio. E este foi o momento em que compreendi com toda a clareza os mistérios desse encontro. Neste livro, José Inácio é um poeta mais meu do que antes. Deste poeta, quero todas as palavras e não recuso nem as suas pausas. Anotarei no meu caderno todos os versos e minha caixa com suas palavras estará abarrotada. Este roseiral selvagem me apresenta o poeta José Inácio num momento distinto dos outros. Está muito claro que um ciclo se fechou na Infância do Centauro, que agora galopa destemido, pelo céu da poesia. Um centauro escarlate, arisco e humano, demasiadamente humano.

JIVM - JARDIM DOS MANDACARUS

foto Ricardo Prado Edmar Vieira recitando o poema Jardim dos mandacarus


JARDIM DOS MANDACARUS


Em verdade conheço o cheiro de Sol desse lugar,
uma agreste paragem de chão rachado – solo sagrado.
De noite, o vento corre pelo jardim trazendo algum frescor,
somente um olor-semente exala dessa flor,
vida da pouca vida, mas forte mais.

Além da sombra da cumeeira donde estou e sou,
assunto o que sobrou: uma ode à própria vida.
E nos tortos caminhos desse jardim de mandacarus
espicharei os secos sentimentos para apurar as emoções...

Arreneguei a flor e o fruto por aquela calunga faceira
que tirou o assossego do balanço de rede,
que causou esta sede de vários açudes.

Amarga malunga! Arrepare não...
Somos tantos travaliando pelos obeliscos cactáceos;
aproveitei a aragem para dispor a miragem:
– Jardim dos Mandacarus –
aceso facheiro de espinhos, de sentimentos despenados.

E o que mais dizer, o que mais desse árido ser,
dessa fúria inclemente; são tantas vidas secas
e mesmo assim clorofiladas, mesmo assim aladas...
conheço bem esse lugar, esses mandacarus ardentes,
– esses totens do Sertão.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

JIVM - JARDIM DAS ALGAROBEIRAS

foto Ricardo Prado Carla Visi lendo o poema Jardim das algarobeiras


JARDIM DAS ALGAROBEIRAS


Tenho estado em contato com a Natureza.
Neste lugar – Jardim das Algarobeiras –
tudo apela aos sentidos e tudo é Natureza.
Os pássaros cantam, e o seu vôo é mais que o canto;
a vaca muge, o cavalo relincha, a rã coaxa,
a cartilha estava certa; a cartilha só não
ensinou que o galo inaugura o dia,
e que as árvores (aqui, as algarobeiras,
mais que quaisquer outras – a não ser
aquele solitário pau-ferro) dançam,
dançam envolvidas por um louco dançarino.

Os pássaros cantam, mas é o vento
– o dançarino – que sussurra em seus ouvidos
juras de amor que somente quem corre mundo
pode dizer, e, naquele momento,
na eternidade da canção, tudo é verdade.

Mas além disso há algo mais forte:
os caminhos... O vento é andarilho errante
que se apaixona pela flor de agora
e daqui a pouco pela flor seguinte
e a outra e a outra e,
é aquele capaz de uma noite de volúpia
com quem lhe abrir o coração,
porém seu coração jamais pertencerá a alguém,
porque já nasceu possuído pela estrada.

Como bailam as algarobeiras,
como exibem suas cabeleiras frondosas
de um verde que não há como dizer.
A beleza é simples e é verde.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

JIVM - ROMARIA

foto Ricardo Prado Jackson Costa lendo o poema Romaria


ROMARIA


Oh que caminho tão longe
Cheio de pedra e areia
Domínio popular

Oh que estrada mais comprida
Oh que légua tão tirana
H. Teixeira e Luiz Gonzaga


Dentro de mim, nas lonjuras,
bem dentro do meu juízo,
um romeiro caminhando
em busca do que preciso.

Oh que caminho tão longo
cheio de pedra e de areia,
tenho que firmar o passo
e romper essas cadeias.

Pergunto, em meu desatino,
aonde ir? Que lugar?
Por que a sina de cigarra
esparramando o cantar?

Certo, sou aquele que parte
numa eterna romaria,
faça sol ou faça chuva,
seja de noite ou de dia.

O caminho que percorro
não é o da Rosa dos Ventos,
pois ele surge do nada,
de acordo com o momento.

Oh que estrada mais comprida,
tanto azul, tanta poeira,
em que plaga do Universo
estará o meu Juazeiro?

Cada qual tem seu destino:
Pedro Vaqueiro tangia
gado pelo mundo afora;
seu Fortunato fazia

forno pra queimar tijolo;
Manezim Tetê, meu tio,
caçava tatu e onça
com o luzeiro dos pavios.

Lá me vou com minha cruz,
são poucos beiços de açude
e tantas léguas tiranas.
Maior e vária é esta sede

que vale cada passada
desta minha romaria.
Peregrino de mim mesmo
no meio da travessia.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

JIVM - GÊNESE

foto Ricardo PradoTamanho da fonte Carlos Barbosa lendo o poema Gênese


GÊNESE


Sabe, moça da encruzilhada,
quando te encontrei foi um assombro.
Tu trazias estampada no semblante
a indagação que me acompanha.
O mais espantoso é que também
eras a resposta que sempre busquei.

Não aquela resposta exata, matemática.
A verdade que tua chegada me trouxe
foi a das abelhas zunindo no romper da aurora
em busca do mel das flores das algarobeiras,
foi a dos cavalos galopando na boca da noite
sonhando com touceiras de capim e éguas luzidias.

Ah, moça, tu estás no centro da Rosa dos Ventos,
pra onde deres o passo é caminho o que há.
A gente olha pra cima e não vê limite:
é tudo um azulão que não acaba mais.
Mas basta dar meio-dia, o limite aparece,
e não é longe não: bem na boca do estômago.

Sabe, vou te dar um chapéu do tamanho do céu,
que é pra te proteger dos devaneios solares
e pra que todos te percebam e apontem para ti:
“olha lá a moça que sombreia o mundo”.
E todos vão te olhar e todos vão te aplaudir
e o arco-íris vai ficar preto-e-branco de inveja.

Aí, um passarinho, desses bem miudinhos
que trazem uma sanfona de cento e vinte no peito,
vai aparecer e assobiar uma cantiga doce:
e a gente, espiando bem dentro dos olhos,
começa a sentir um monte de estrelas pipocar.
É isso, quando te encontrei, nasci.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

terça-feira, 24 de novembro de 2009

VERÔNICA DE VATE - ALEILTON FONSECA



ALEILTON Santana da FONSECA nasceu em Itamirim, hoje Firmino Alves - Bahia, em 21/07/1959. É poeta, ficcionista, ensaísta e professor universitário. Em 1977, começa a publicar contos e poemas no Jornal da Bahia, de Salvador, tendo vencido 3 vezes o seu Concurso Permanente de Contos. Publica também no suplemento A Tarde/Novela, do jornal A Tarde. Em Ilhéus passa a assinar a coluna "Entre Aspas", no Jornal da Manhã. Em 1979, ingressa no curso de Letras da UFBA. Organiza seu primeiro livro de poemas, que recebe Menção Honrosa no concurso Prêmios Literários Universidade Federal da Bahia.Em 1984 ingressa, como professor, no curso de Letras da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, transferindo-se para a cidade de Vitória da Conquista. Publica o livro de poemas, O espelho da consciência. Em 1988, especializa-se em Literatura brasileira, ao ingressar no Mestrado em Letras, na Universidade Federal da Paraíba. Em 1992 defende tese de mestrado, sobre música e literatura romântica. Em 1997, defende a tese de doutorado intitulada: “A poesia da cidade: Imagens urbanas em Mário de Andrade”, que sairá em livro proximamente. Ainda em 1996 retorna a Salvador, onde fixa residência. Concorre ao "Prêmios Culturais de Literatura" da Fundação Cultural do Estado da Bahia, com o livro Jaú dos Bois, que fica entre os vencedores (3o Lugar) e é publicado pela Relume Dumará, em 1997. Em 1998, funda, em parceria com Carlos Ribeiro e outros escritores, Iararana – Revista de arte, crítica e literatura, periódico de divulgação da geração 80. Em 1999, transfere-se para a Universidade Estadual de Feira de Santana, integrando-se ao grupo fundador do curso de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural (PPgLDC), tendo já orientado várias dissertações concluídas. Em 2003 leciona, como professor convidado, na Universidade de Artois (França). Neste ano e nos seguintes faz palestras nas Universidades: Sorbonne Nouvelle, Nanterre, Artois, Rennes, Toulouse Le Mirail (França) e ELTE (Budapeste). Tem participado de diversos eventos universitários e culturais em vários estados do país. Em 2001 publica o livro de contos O desterro dos mortos. Nesse ano recebeu o Prêmio Nacional Herberto Sales – Contos, da academia de Letras da Bahia, com o livro O canto de Alvorada, publicado em 2003,com 2ª edição em 2004, pela Editora José Olympio. Em 2005 co-organiza (com o escritor Cyro de Mattos), o livro O triunfo de Sosígenes Costa: estudos, depoimentos, antologia (Ilhéus: Editus; Feira de Santana, UEFS Editora, 2005.), que recebeu o Prêmio Marcos Almir Madeira 2005, da União Brasileira de Escritores-RJ.Em 2009 completou 50 anos e foi homenageado pelo Lycée des Arènes, em Toulouse-França, com uma exposição de trabalhos de alunos sobre seu livro Les marques du feu. Na Bahia foi homenageado pelo IL-UFBA. Neste mesmo ano, seu romance Nhô Guimarães foi adaptado para o teatro e encenado em Salvador e outras cidades. É correspondente da revista francesa Latitudes: cahiers lusophones. Desde 2005, pertence à Academia de Letras da Bahia, ocupando a cadeira nº 20. É membro da UBE-São Paulo e do PEN Clube do Brasil.

LIVROS DE POESIA, ENSAIO, CONTOS E ROMANCE:
1.Movimento de Sondagem. Salvador; Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1981. “Coleção dos Novos, vol. 2 – série Poesia”.
2. O espelho da consciência. Salvador: Gráfica da UFBA, 1984.
3. Teoria particular (mas nem tanto) do poema — ou poética feita em casa. São Paulo: Edições D’Kaza, 1994.
4. Enredo romântico, música ao fundo. (ensaio) Rio de Janeiro: 7 Letras, 1996.
5. Oitenta: poesia e prosa. Coletânea comemorativa dos 15 anos da “Coleção dos Novos”. Salvador: BDA-Bahia, 1996. (org. Aleilton Fonseca e Carlos Ribeiro)
6. Jaú dos bois e outros contos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.
7. Rotas e imagens: literatura e outras viagens. Feira de Santana: UEFS/PPGLDC, 2000. (Org. Aleilton Fonseca e Rubens Alves Pereira)
8. O desterro dos mortos (contos) Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001
9. O canto de Alvorada (contos). Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
10. O triunfo de Sosígenes Costa. Ilhéus: Editus, 2004. (Org. Cyro de Mattos e Aleilton Fonseca).
11. As formas do barro & outros poemas. Salvador: EPP. 2006.
12. Nhô Guimarães (romance). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
13. Todas as casas (contos, livro coletivo). Salvador: EPP, 2007.
14. Les marques du feu et autres nouvelles de Bahia. Paris: Lanore, 2008. (Tradução de Dominique Stoenesco).
15. Guimarães Rosa, écrivain brésilien centenaire. Bruxelas, Librairie Orfeu, 2008.
16. O olhar de Castro Alves. (org.). Salvador: ALB/ALBA, 2008.
17. O pêndulo de Euclides (romance). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
*
Aleilton Fonseca vai participar, no próximo sábado, dia 28 de novembro, do projeto Travessia das Palavras, na cidade de Jequié, Bahia, que conta com a coordenação de Leonam Oliveira e de José Inácio Vieira de Melo. O Projeto vai contar também com a participação especial do Grupo Concriz - uma turma da boa da cidade de Maracás, composta por 25 jovens recitadores, dirigida pelo trio de poetas Edmar Vieira, Marcelo Nascimento e Vitor Nascimento Sá. Com esse evento, o projeto Travessia das Palavras chega ao final da sua programação para 2009.


ANTI(TESTAMENTO)


Os pais, os avós
cumpriram os caminhos;
já não têm a bênção do futuro:
caminhemos sozinhos.

Os pais, os avós
inventaram ofícios;
mas agora é difícil:
aprendamos sozinhos.

Os pais, os avós,
remoemos seus versos;
os nossos poemas
são pós diversos.

Os pais, os avós,
os sinais da estrada,
seus contras, seus prós,
somos nós,
entre o Sol
e o nada.


ALEILTON FONSECA

ALEILTON FONSECA - AS FORMAS DO BARRO


Escultura: Filipe Dâmaso Saraiva


AS FORMAS DO BARRO


Eu trago as formas do barro
esculpidas em minhas mãos:
o cheiro molhado de argila
umedece as minhas palavras
e o sol que vem do passado
revela um segredo guardado.

A mão cumpre o risco no ar
e os dedos beneficiam a argila,
mergulhando no gesto vertical.
A esquerda recebe a dádiva
e juntas compartilham o corpo
medido em areia, argila e água.

O verbo nas mãos se enconcha,
se eleva, beija o ar em curva,
e sobre o vazio da forma passa
contra a madeira sem reclame.
A direita alça o arco de arame
e as aparas se despem da massa.

Assim se repete a procura
em novo bolo que se enforma:
vira-se a forma sobre a mesa
de trabalho do artesão,
e feito o asseio de areia,
dois poemas brotam no chão.

De dois em dois, em soma de pares
os montes de argila se multiplicam.
E o oleiro, sem que se repare,
contempla as paredes do futuro,
que hoje, por certo, ainda abrigam
os seus sonhos riscados num muro.


ALEILTON FONSECA

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

ENTREVISTA – ALEXANDRE BONAFIM: BRASIL É ARQUIPÉLAGO DE POETAS

Por Kátia Borges


Em passagem rápida por Salvador, o poeta Alexandre Bonafim, considerado um dos melhores autores contemporâneos no gênero, foi entrevistado na seção Orelha. Leia trechos inéditos da entrevista. (Entrevista concedida à jornalista e escritora Kátia Borges. Publicada parcialmente na revista semanal Muito #78, do jornal A Tarde, em 27 de setembro de 2009, em Salvador, Bahia. - Foto: João Alvarez).

KÁTIA BORGES – Qual a avaliação que você faz do panorama literário atual, especialmente na área de poesia?

ALEXANDRE BONAFIM – O Brasil é um arquipélago de poetas. Temos um panorama rico e múltiplo. Ainda sinto que a divulgação espoca, infelizmente, com maior força no eixo Rio-São Paulo. Mas a boa poesia, a despeito de qualquer empecilho, prospera mesmo contra as maiores adversidades. Do Amazonas ao Rio Grande do sul, há uma constelação de grandes escritores. Nesse sentido, sites como Estante Virtual nos ajudam a conseguir as obras raras, divulgadas apenas regionalmente. Faltam ainda iniciativas editorias capazes de difundir a poesia do nosso país. Como leitor, sou um combatente, um pesquisador incansável. Tento ler a poesia de todos os rincões de nossa pátria.

KB – Li um conto seu numa revista eletrônica, a prosa é algo que o atrai?

AB – A minha prosa nasce da poesia. Talvez eu tenha buscado a narrativa como um instrumento capaz de transbordar em mim a palavra. Sou amante da prosa de Proust. Daí a nostalgia de muitos dos meus contos, nos quais tento buscar as epifanias perdidas na infância. Tenho um livro pronto, ainda não publicado, de contos, chamado O Cavalo Azul. Essa imagem do Cavalo Azul extraí da famosa revista publicada pela poeta Dora Ferreira da Silva. Esse animal solar, da cor do céu, é um símbolo etrusco. Tais animais levavam os mortos ao reino das alturas. Enfim, a poesia é para mim um cavalo azul, ser encantado capaz de nos guiar para uma dimensão maior da vida.

KB – Como vê a movimentação de autores na internet?

AB – A internet é um importante meio de divulgação da poesia atual. Como se tornou quase impossível publicar livros, devido ao alto custo, a internet surgiu como excelente oportunidade. Eu mesmo sou um blogueiro apaixonado pelo mundo virtual. Quando criei meu blog, Arquipélago do silêncio, minha escrita, inclusive, amadureceu. O fato de você ver seu livro on-line, em um blog, torna-o concreto e isso ajuda o escritor a burilar seu texto, a perceber-se melhor enquanto escritor. Enfim, a internet permitiu democratizar a poesia.

KB – Como constrói seus poemas, que sentimentos o fazem escrever?

AB – O querido amigo, o poeta José Inácio Vieira de Melo, disse certa feita que eu era um poeta de epifanias. Creio que ele tinha razão. A poesia, para mim, nasce de um mistério íntimo, lugar em que nos irmanamos com o transcendente. Eu precisei ler um importante livro do Rudolf Otto, intitulado O sagrado, para descobrir que a poesia nasce do “Tremendum”, ou seja, nasce de um sentimento visceral, feito corte de relâmpago a vergastar nossos sentidos, presença enfim do sagrado terrível. Eu sinto que a poesia insurge desse fascínio, dessa força motriz da vida, incompreensível, mas belíssima. O lirismo é um mergulho na noite do silêncio, essa noite de onde irrompemos e para onde seremos levados pela morte. Rilke, poeta imprescindível para mim, escreveu suas famosas Elegias de Duíno a partir de um chamado transcendente. Eu procuro essa voz escondia nos resquícios do cotidiano, nos pormenores da vida. Essa é a grande aventura da escrita: estar sempre a mercê de um arroubo, de um estertor pulsante.


Eu sempre fui o pastor do teu riso,
a infância de tua morte,
a eternidade de tua voz.
Eu sempre fui o grito de tua nudez,
as vestes de teu pensamento,
a música de tua carne.
Em ti dissolvi o mar,
as constelações,
as mais ásperas paisagens.
Em ti respirei os abismos,
as interditas palavras,
as horas mais efêmeras.

Fomos dois punhais surdos
a cortarem o silêncio das pedras.


ALEXANDRE BONAFIM

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

ALEXANDRE BONAFIM - SAGRAÇÃO DAS DESPEDIDAS

SAGRAÇÃO DAS DESPEDIDAS XVII


Para enfrentar a tua beleza,
era necessário amparar-me
na luz dos relâmpagos,
no frêmito dos rios profundos,
na queda dos pássaros;
era preciso agarrar-me
a tudo o que era frágil,
a tudo o que se findava
num leve palpitar de asas.
Não poderia estar só
ante a tua beleza...
Para fitá-la necessitaria
estar de mãos dadas
com todos os desastres,
com todas as febres.
Se livremente olhasse
o teu semblante,
sem me iniciar no rito
de tua delicadeza,
a carne dos meus olhos secaria,
meus ossos como vidro quebrariam,
toda sede e toda fome
devastariam meus dias.
Porque tua beleza
é toda simplicidade,
toda leveza, toda dádiva;
é a sombra de um vôo
que passou pela minha vida
e fez ninho onde nunca existirei.


ALEXANDRE BONAFIM

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

CELEBRAÇÃO DO ENCONTRO

José Inácio Vieira de Melo

Sagração das despedidas, quarto livro de poemas de Alexandre Bonafim, é, em verdade, a celebração do mais humano dos sentimentos, aquele que é causado pela ausência e que por muitas vezes adquire feições de lugar – uma espécie de salão memorial – em cada pessoa que o sente. E todos o sentem: a saudade.
Bonafim consegue insculpir as lembranças mais ternas e longínquas, trazendo-as para o templo da memória. Sua poesia é uma exibição das existências imagináveis. Não o que ele próprio tenha vivido, mas o que qualquer um pode vir a experimentar. O mais fantástico é que essas experiências, mesmo que sejam as mais difíceis, mesmo que sejam as mais angustiantes, são apresentadas com tal leveza, que deixam sempre uma chance de sorriso, um sentimento de que foi preciso andar por aqueles vales, atravessar vazios. Só assim será possível olhar para traz e contemplar o que se viveu, só assim será possível, ao menos, escrever a Biografia do deserto.
Jovem das montanhas das Minas Gerais, o mar exerce um encanto sobre sua pessoa e é um traço marcante em sua poética, fazendo-se sempre presente com suas ondas, seus veleiros e maresias. Bonafim é um poeta de epifanias. Todo percurso de seus versos conduzem-nos para o espaço do sublime. Do alto do meu delírio, vejo-o sentado em um pequeno barco emborcado a contemplar a vastidão das plagas marítimas, a ouvir o concerto das ondas e dos ventos. Do seu lado esquerdo, o menino que foi um dia estampa um sorriso na sua lembrança e corre para o mar, a banhar-se nas águas da imensidão. É o instante em que Bonafim alcança A outra margem do tempo.
Sagração das despedidas traz relampejos da beleza. Uma beleza que está presente em devaneios, mas que só se realiza quando cada verso vibra dentro da sua individualidade, conferindo a cada poema cintilação singular. Essa inscrição instaura momentos que provocam arrepios. É a conformação estética da beleza, é a realização de uma experiência íntegra. Bonafim sabe o quanto custa essa alquimia, sabe que para fitar a beleza é necessário “estar de mãos dadas/ com todos os desastres/ com todas as febres”. A sua lira está afinada com a de Rilke que, nas Elegias de Duíno, apregoa: “Pois que é o Belo/ senão o grau do Terrível que ainda suportamos”.
Alexandre é da estirpe dos poetas que elevam a condição humana, tal qual o Jorge de Lima de A túnica inconsútil, tal qual o Gerardo Mello Mourão de Algumas partituras. De seu manancial jorram versos luzidios nos quais podemos contemplar os deuses que habitam nossos eus, pois “nessa caminhada, sem paradeiro, sem itinerário/ as surpresas tatuam em nossos ombros/ a fulguração das galáxias mais altas”.
Quando Alexandre Bonafim tange sua lira, “as constelações batizam o silêncio”. E, do cântico de suas veias, “os que morreram renascem, todos os dias”, e renascem para inaugurar a aurora da vida, para celebrar esse encontro que, em seu íntimo, traz a Sagração das despedidas.

Posfácio do livro de poemas Sagração das despedidas (Biblioteca 24x7, 2009).

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

FÓRUM DAS LETRAS DE OURO PRETO

Estive em Ouro Preto. Mas parece que ainda estou em Ouro Preto. Ouro Preto é um lugar do qual a gente não sai mais nunca. A energia barroca de suas igrejas, edificações e monumentos têm uma força que conduz cada pessoa para dentro da beleza. Sua geografia cheia de ladeiras e montanhas faz com que o caminhante valorize cada passo que dá. Mas como vale a pena andar pelas ruas íngremes de Ouro Preto, e reparar para sua gente hospitaleira e sentir pulsarem uníssono os mais de 27 mil corações de estudantes. Agora, mais do que nunca, entendo as palavras do menestrel do cancioneiro popular Milton Nascimento – entidade que canta com a boca de Deus.
Mas fui para Ouro Preto para participar do Fórum das Letras. Para mediar uma mesa composta por célebres jornalistas brasileiros, que também são escritores renomados: Edney Silvestre, apresentador do programa Espaço Aberto Literatura, na Globo News; Leda Nagle, apresentadora do programa Sem Censura, na TV Brasil; e Carlos Herculano, repórter do EM Cultura, do jornal Estado de Minas. O tema do colóquio foi A arte de entrevistar um escritor. O evento, que aconteceu no primeiro teatro brasileiro, a Casa da Ópera, no dia 31 de outubro, às 11 horas, foi um sucesso. O teatro estava lotado por um público formado predominantemente por estudantes universitários. Comecei recitando o poema “Epígrafe” do poeta Ruy Espinheira Filho. Mal terminei de ler o poema, o Edney foi logo pedindo a folha com o poema para ele. A Leda Nagle foi ovacionada pela platéia. Infelizmente, o transporte do Carlos Herculano Lopes atrasou bastante, quando ele chegou o evento estava próximo de terminar, então ele não quis subir ao palco. Mas depois saímos para almoçar e parecia que já nos conhecíamos há muito tempo, parecia, mesmo, que éramos irmãos. E de fato a fraternidade ficou selada, jurada e sacramentada.
Não posso deixar de lembrar do carinho de João Luiz, reitor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), e de sua esposa Sílvia, que me recepcionaram tão gentilmente, com um jantar na noite de minha chegada, na sexta feira, dia 30. Assim como o prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo, uma figura sempre presente. De Guiomar de Grammont, organizadora do Fórum, uma pessoa que se dividiu em mil para asseverar o sucesso da sua empreitada literária. Tive a alegria também de conhecer escritores maravilhosos, pessoas do meu tempo que dedicam suas vidas à arte das letras, gente como Wilmar Silva, Ronaldo Werneck, Rodrigo Garcia Lopes e Guilherme Fiúza. Na noite do dia 1º de novembro, véspera de minha partida, chegou o casal Aleilton Fonseca e Rosana Patrício Ribeiro, queridos amigos. Estivemos juntos no jantar de confraternização que contou com a presença da maioria dos convidados do Fórum das Letras, onde conheci o poeta Guilherme Mansur, José Miguel Wisnik, Mary Del Priore e tantas outras pessoas. Confesso que foi um regozijo ter ido a Ouro Preto e ter participado do Fórum das Letras.
JIVM

Fórum das Letras – ano 5 – de 29 de outubro a 2 de novembro de 2009

JIVM, Edney Silvestre e Leda Nagle. Foto: Carol Reis

JIVM e Edney Silvestre. Foto: Dany Starling

Leda Nagle e JIVM

Carlos Herculano Lopes, JIVM e Ronaldo Werneck

JIVM e Edney Silvestre – Pré-lançamento do primeiro romance
de Edney Silvestre,
Se eu fechar os olhos agora

José Inácio Vieira de Melo fotografado por Carol Reis,
do jornal Estado de Minas


Paulo Brant (secretário de cultura do estado de Minas Gerais), JIVM
e Guiomar de Grammont (Organizadora do Fórum das Letras)

Angelo Oswaldo (prefeito de Ouro Preto) e JIVM

Carlos Herculano Lopes, Wilmar Silva, Rodrigo Garcia Lopes e JIVM

domingo, 1 de novembro de 2009

ENTREVISTA - EMMANUEL MIRDAD



SANGUE NO OLHO – Filho de pai poeta e mãe musicista, EMMANUEL MIRDAD é um soteropolitano libriano espinhento de 1980. Formado em Jornalismo pela Facom - UFBA, trabalha no Núcleo de Produção Musical da Educadora FM, produzindo os programas Especial das Seis e Especial de Sábado, além de outras atividades. É produtor cultural desde 2004, e trabalha na elaboração e execução de projetos. É o criador do Prêmio Bahia de Todos os Rocks. Compõe desde 1997 e já produziu seis álbuns, com suas canções e experimentações, mas atualmente está afastado da música. Mantém o blog El Mirdad - Farpas e Psicodelia (www.elmirdad.blogspot.com), onde divulga sua produção e trabalhos de outros artistas. Possui dois livros ainda não publicados, Deserto Poema, disponível em posts no blog, e Abrupta Sede. Mirdad é um poeta sangue no olho. Atua em vários ramos das artes, como já podemos ver, e acredita que para essa atuação a internet é indispensável, visto ser um espaço que democratiza a informação, assim como proporciona uma rápida e eficiente divulgação de qualquer produto. Mirdad afirma que “Pra um autor iniciante, a ausência de um blog ativo é quase uma implacável rota às gavetas.” Vamos, então, à entrevista com Emmanuel Mirdad, o poeta que quer “tacar fogo nos elogios vazios que abestalham os blogs literários”

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Você é envolvido com a cena rock de Salvador e escreve prosa e poesia, além de ser filho de um poeta inédito. Dentro dessa sua movimentação, qual o espaço que a poesia ocupa? Ela é algo indispensável para você?

EMMANUEL MIRDAD – Como produtor cultural e articulador, cada vez mais estou envolvido em diversos projetos e trabalhos, e isso tem um reflexo improdutivo na rotina do meu fazer artístico. Hoje confesso que a poesia ocupa o espaço de uma caixa de sapato chique, mas já gasto, entulhada no quarto dos fundos; não há o uso rotineiro, só nos grandes eventos, esporádicos. Mas a caixa continua lá, guardando o bem a postos pra ser usado, e você sabe e conta com isso. Então, a poesia continua aqui, como sempre estará, prestes a ser concretada no computador, nas brechas dessa correria violenta de hoje; eu sei e conto com isso. E essa preciosa e rara pausa para poetar é o grande evento! Indispensável! Antes de toda e qualquer configuração, eu sou poeta.

JIVM – E seu pai, qual a influência que exerce nessas suas práticas, sobretudo na de poeta. E quais as suas leituras referenciais? E o que está lendo no momento?

EM – Meu pai tem 78 anos e é uma figuraça ímpar, filósofo, poeta de gaveta e desmistificador das ‘bilhares’ ilusões humanas. Cataloguei sua obra e compus um CD Poema com um fragmento micro desta, chamado Ilusionador, que apresentei como TCC no curso de Jornalismo da UFBA em 2006. Esse contato próximo com seus ‘filopoemas’ atiçou minha acidez consideravelmente. O deboche presente em suas risadas fartas do dia a dia, aliado a um laço de quase 30 anos de amizade fraternal e intenso aprendizado, enraizaram-me conceitos e valores que são hoje o pilar base de meu olhar facão.
Tenho uma dívida enorme com a literatura; há muito que ler ainda. Faltam-me obras referenciais, e você, caro Inácio, sabe muito bem que comecei há pouco a desanuviar minha ignorância imbecil, graças ao Pés Quentes nas Noites Frias, de Mayrant Gallo, que você me deu de presente quando éramos colegas na Facom. Portanto, diante minha humilde coleção, cito Clarice Lispector, Nelson Rodrigues e Mayrant Gallo. No momento, acabei de ler o interessante A Dama do Velho Chico, de Carlos Barbosa (recomendo!), e estou a decifrar Dostoievski e o tomo Memórias da Casa dos Mortos.

JIVM – Você tem um blog, onde disponibiliza seus CDs e seus livros. A publicação desse material não é algo que lhe interessa? Se há interesse, quais são os empecilhos?

EM – Criei o blog El Mirdad - Farpas e Psicodelia essencialmente pra disponibilizar minha obra artística. Algum tempo depois, passei a criar e publicar várias seções, sempre divulgando a obra de outros artistas, focado na música e literatura, além de expor minhas opiniões e memórias. Ainda bem que mudei o intento! Reconheci meu limite de talento e abandonei a música como artista e compositor, mas uma parte da obra está disponível pra download no blog, meramente como um ilustrativo de peças que compõem o mosaico de mim.
Agora em relação à literatura, publiquei na íntegra, em 88 posts, o livro Deserto Poema, ainda inédito em papel e arquivo digital, e alguns fragmentos dos 25 contos que compõem o livro Abrupta Sede, também inédito. Tenho total interesse em publicá-los, e tento fazer isso desde o início deste ano de 2009. E hoje, em que pé está o processo? Continuo aguardando a colaboração de um amigo, que ficou de revisar os livros e até hoje não terminou. A verba que tenho, do meu bolso, só vai dar pra pagar, apertado, a impressão de 500 exemplares cada.

JIVM – Falemos dos diálogos. Qual o diálogo da sua poesia com a tecnologia? Em que medida se dá o diálogo da sua poesia com a música que você faz? E com a sua prosa? Como distingue a poesia dessas outras formas, dentro da sua criação?

EM – Para minha poesia, a tecnologia é questão de suporte. Hoje já consigo escrever, e acho até melhor, do onírico diretamente ao digital. Antes, só no papel e caneta, pra depois transcrever e arquivar; trabalho extra e entulho. Agora é muito mais prático e limpo, sem as canetadas e borrões inevitáveis da edição. Além disso, há o blog, espaço democrático em que experimento minhas criaturas ao crivo gratuito de qualquer um; interajo, divulgo e expando as possibilidades de fruição da obra. Pra um autor iniciante, a ausência de um blog ativo é quase uma implacável rota às gavetas.
Em dez anos, compus várias canções (a maioria descartável), com o cuidado (ou a pretensão) constante de não criar uma letra 'xibunga' só pra ressaltar o ritmo. Por muitas vezes, poemas se tornaram letras de canções e vice-versa (no livro Deserto Poema há exemplos). De fato foi um diálogo íntimo e constante, exemplificado no nome da banda que toquei por seis anos: The Orange Poem. Era som e poema. Uma interação que, de certo modo, se assemelha à prosa; há contos no Abrupta que foram desenvolvidos a partir de poemas ferrões do Deserto. E esse murro no estômago é o que une as duas formas que, em mim, brotam do universo árido de um areal de navalhas. A música é anseio. A prosa é laboratório. A poesia sou eu.

JIVM – Você é um poeta incendiário ou um poeta das águas?

EM – Incendiário. Sangue no olho.

JIVM – O que é que renasce das cinzas de seus versos queimados?

EM – Espero que não renasça nada quando botarem ou eu botar fogo em tudo; temos que escapar, mesmo que o relógio advirta que não.

JIVM – E depois o que pretende aquecer com seus versos de fogo? E o que mais?

EM – Eu não quero aquecer nada. Quero é machucar, tacar fogo, fustigar, maltratar os elogios vazios que tanto abestalham os blogs ‘literários’ por aí.
E mais: você, que por acaso leu esta baboseira aqui, pare, por algo que ainda seja sagrado, de sair comentando nos blogs badalados por aí a praga do ‘lindo!’ à toa. É medíocre, imbecil, carente e vaidoso. E o autor vai ‘cagar e andar’ pra você.

sábado, 31 de outubro de 2009

TRÊS POEMAS DE EMMANUEL MIRDAD


Ilustrações: Txhelo Castilho
















EVOLUÇÃO



primeiro foi a rebeldia
depois o cansaço
por último a fuga
e agora os cacos



GADO BOM É NO MEU PRATO


para essa poesia
dos homens de barro
ordeno que chova
derreta e desfigure
todos os encatamentos baratos
de uma atmosfera farsante

o urbano impera
e há tempos digeriu a inércia
de quem saúda o passado transposto

já era, já foi, acabou
e que as mãos cerrem as páginas inúteis
que emporcalham as prateleiras quase ausentes

eu escrevo pra mim
e enterro você, que nunca me lerá



MARIA CEGUETA


É difícil explicar a alguém
Como chegar a um determinado lugar
Se a pessoa estiver pilotando
Um animal assombroso
Aspirador de pó
Cão que rói tudo

Mesmo assim
Não faça confidências aos filhos
Nem lhes peça um apoio
Que nunca serão capazes de dar

Estão na mesma barca aportada
Entupidos do ópio comum
Às frustrações acumuladas
De todas as fracassadas gerações

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

RUY ESPINHEIRA FILHO FAZ A TRAVESSIA DAS PALAVRAS SOB O CÉU DE JEQUIÉ

No próximo sábado, 31 de outubro, derradeiro dia do mês, o poeta Ruy Espinheira Filho retorna a Jequié para participar do projeto Travessia das Palavras. Ruy vai trazer os ares de sua boa poesia e notícias do novo livro Sob o céu de Samarcanda, a ser publicado ainda este ano pela Bertrand Brasil em parceria com a Fundação Biblioteca Nacional, do qual enviou-nos um poema: Canção do efêmero com passarinho e brisa.


Além da presença e poesia de Ruy, a noite vai contar contar com a participação especial do grupo musical de Salvador, Caboco Capiroba, formado pelos músicos Clara, Moisés, Mário, filho de Ruy, e João, filho do saudoso sociólogo Gey Espinheira, irmão do poeta. O grupo Caboco Capiroba, se vale dos ritmos da música nordestina, com destaque para o Baião, o Xote e o Coco. Naturalmente influenciado por Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Xangai e Elomar, derrama em suas letras a temática tradicional do sertão e da condição humana. Os temas são enriquecidos com a força da cultura do recôncavo.
O evento vai acontecer no Palácio das Artes, às 19 h 30 min, entrada franca. Como estarei participando de outro evento (Fórum das Letras de Ouro Preto), em outro estado (Minas Gerais), no mesmo dia, não poderei estar presente para acompanhar e apreciar essa noite, que sei será de alta poesia e de encanto. Mas Leonam Oliveira, presidente da Academia de Letras de Jequié, estará ciceroneando o poeta e os convidados, com a sua costumeira elegância.
Fiquemos, por enquanto, com um pouquinho da paisagem de Sob o céu de Samarcanda:


CANÇÃO DO EFÊMERO
COM PASSARINHO E BRISA



É tudo mesmo bem pouco,
pois só há pouco me vi
chegando aqui e encontrando
o que nunca compreendi
— tanto que, perplexo, tanto
duvidei de estar aqui.
E nunca acreditaria
se não fosse um passarinho
afirmando: bem-te-vi!

Ainda escuto o seu trinado
garantindo-me o existir.
Mas precária garantia,
como aprendi com a brisa
de que se compõe o dia:
se o tempo passar um pouco,
nada mais que um pouco, logo
não estarei mais aqui.


RUY ESPINHEIRA FILHO