Durante a 4ª Festa
Literária de Marechal Deodoro (4ª FLIMAR), ocorrida em setembro de 2013, na
cidade de Marechal Deodoro (AL), tive a oportunidade de dialogar, pela primeira
vez, com o poeta José Inácio Vieira de Melo e de conhecer seu recente livro intitulado
Pedra Só. Conforme a diversidade
temática dos poemas, a obra é estruturada em cinco seções, quais sejam: Pedra
Só, Aboio livre, Toada do tempo, Partituras e Parábolas. O livro é acompanhado por
um CD, composto por seleção de 16 poemas, declamados pela própria voz do poeta,
que também carrega título e cores do universo de Pedra Só.
Esta composição de
escritos e sons corresponde à expectativa do público de José Inácio. Afinal,
para quem o conhece, sabe que desperta a atenção e os aplausos de um público
heterogêneo em todos os lugares por onde passa, especialmente pelo estilo de
recitação que lhe é característico, com versos transfigurados sob a forma de emoções,
gestos e melodias dos aboios, tradicionais músicas populares dos cantadores do
Nordeste brasileiro. Tal ritmo remete às raízes da formação da chamada
“civilização do couro”, conforme assim denominaria um dos nossos primeiros
historiadores, ao referenciar os vaqueiros que desbravaram os sertões
brasileiros, seguindo os resolutos passos do gado e construindo uma forte cultura
pastoril.
A tônica da poesia de
José Inácio perpassa a profundidade de sentimentos relacionados com experiências
que protagonizou em diferentes lugares do Nordeste brasileiro. Tal é o caráter
do livro Pedra Só, cuja polifonia e
multiplicidade dos temas são alinhavadas por uma coerência que estrutura a
linguagem de um poeta que vivencia, absorve e traduz o rico universo do
Semiárido brasileiro. Fragmentos da realidade do homem sertanejo são
reconfigurados, de forma verossímel, no universo simbólico da obra.
No livro, o poeta exprime
versos permeados de vida intensa, arraigada à terra a qual pertence, ao cosmos
da Caatinga, à fazenda Pedra Só, localizada
no meio do Sertão da Bahia, lugar escolhido como refúgio, “abrigo e santuário”
para compor belezas, esperanças e, por vezes, dores da sua vida-poesia. Na
obra, aquele pedaço de chão sertanejo é animado pela intensidade do sol,
metaforizado como fogo, serras, animais, árvores, pássaros, rios e pastagens.
Neste cenário, o poeta compõe uma paisagem singular, entrelaçada à memória e à
história de um povo, a um conjunto híbrido de lembranças e saberes compartilhados
e ressignificados por gerações de cavaleiros que habitaram lugares impressos em
seu imaginário.
Em Pedra Só, José Inácio enaltece uma poesia do humano, por meio da marcante
figura do cavaleiro, que aparece nas variadas e transitórias dimensões do
tempo, moldado e instigado pelo calor e pela liberdade do sertão das suas
escolhas. Os versos do poeta são povoados por personagens de uma terra seca,
segundo ele, “antiga cilada” que levou multidões de pessoas a seguirem com saudades
em busca de outras plagas.
A fazenda Pedra Só, do município de Iramaia (BA),
é a fonte dos poemas de José Inácio, e onde se materializa a tessitura dos
versos que se universalizam ao narrarem e traduzirem um cotidiano de múltiplas cores,
personagens, costumes, danças e rituais. A polissemia dos poemas que compõem o
livro Pedra Só é ambientada no
sagrado de uma natureza humanizada, sacralizada e transfigurada, que certamente
supera imagens de um Sertão apenas seco e semiárido.
Tais imagens constituem,
nas palavras do poeta, o florescer de um “Sertão encourando os primeiros
saberes” (p. 26). Neste espaço simbólico, José Inácio apresenta sua poesia
singular, leve, ao mesmo tempo, densa e complexa, que requer do leitor
deleitar-se para interpretar o resultado de intensa e apaixonada genialidade artística.
A dinâmica da poesia de
José Inácio, embora pareça transitar entre distintas fronteiras e territórios temporais,
encontra analogia entre o agir heroico dos cavaleiros do Reino Pedra Só e dos intrépidos guerreiros que
povoam a mitologia grega. Do complexo movimento de escritos e ritmos que
aproximam e distanciam as dimensões do tempo, emergem versos que relacionam
espacialidades distintas: a Ribeira do Traipu, do Sertão das Alagoas, com a
qual o poeta mantém vínculos identitários, por meio da memória da sua infância;
a Pedra Só, recôndito dos costumes e
tradições baianos, escolhido pelo poeta como cenário para ambientar, inspirar e
protagonizar seus versos. Neste sentido, o poeta parece adaptar o universo da mitologia
grega à diversidade das tradições caatingueiras.
José Inácio refigura, sob
a forma de versos, sentimentos de solidão, alegria, amor, sonhos, esperança, medo...
Parece acreditar que possíveis angústias diante das limitações enfrentadas
pelos homens e mulheres no cotidiano sertanejo, podem ser superadas por meio da
poesia; segundo ele, é com ela que se combate à morte, ela é capaz de inundar o
mundo. Não se pode vacilar, caso contrário, a vida-poesia some.
A leitura
do livro Pedra Só e a escuta dos
aboios do poeta podem permitir uma melhor compreensão da complexidade da vida em
um Sertão colorido, polissêmico, passível de interpretações, simbologias e
sentidos diferentes em relação à monotomia de tantos discursos que insistem em
cristalizar imagens distorcidas deste lugar.
Catarina de Oliveira Buriti nasceu em Picuí (PB), em 04 de outubro de 1985. Viveu sua infância e
adolescência em Cisplatina, pequeno povoado do município de Pedra Lavrada (PB).
Em 2004, migrou para Campina Grande (PB), onde graduou-se em Jornalismo pela
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), licenciou-se e fez Mestrado em
História pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Desde 2010, atua
como Assessoria de Imprensa do Instituto Nacional do Semiárido (Insa/MCTI) e
como escritora de livros didáticos na área de história.
Texto publicado na revista Verbo21, na edição de janeiro de 2014 (http://www.verbo21.com.br/v7/2014/01/pedra-so-e-o-poeta-de-um-sertao-polissemico/)