sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

OUVIR IMAGENS

Por Sérgio de Castro Pinto


Sérgio de Castro Pinto: "Que o leitor atente no jogo imagético,
na originalidade dos versos, no dizer enviesado de José Inácio Vieira de Melo". 

José Inácio Vieira de Melo já tem uma fortuna crítica considerável, fruto de sua pertinácia, de sua perseverança, no trato da linguagem poética. Garatujas Selvagens, livro recém-publicado sob a chancela da Editora Arribaçã (Cajazeiras, Paraíba, 2021), confirma os depoimentos elogiosos sobre a sua poesia, dentre eles os de Denise Emmer, Ana Miranda, María Vázquez Váldez, Fernando Py, Thiago de Mello e outros. 

 Poeta receptivo a muitos temas, José Inácio Vieira de Melo evita a cristalização da linguagem para cumprir uma trajetória que não quer chegar a lugar algum, mas, tão somente, ocupar todos os lugares e empregar a linguagem reivindicada no momento mesmo em que as musas o provocam. Fora disso, creio que a linguagem soa para ele como excrescência, como carta fora do baralho, como mero ornamento, na medida em que carece de emoção. Ou seja, a linguagem puramente experimental passa ao largo de sua poesia, que prefere se impregnar da vida que lateja fora do estéril virtuosismo verbal, do gratuito jogo de palavra-puxa-palavra. 

 Os poemas de Garatujas Selvagens mantêm praticamente o mesmo nível qualitativo, embora eu destaque entre eles os que compõem a seção Cartografia do medo, que utiliza como epígrafe dois versos de uma canção de Antonio Carlos Belchior: “Eu tenho medo de abrir a porta / que dá pro sertão da minha solidão”. Que o leitor atente no jogo imagético, na originalidade dos versos, no dizer enviesado de José Inácio Vieira de Melo.


Sérgio de Castro Pinto nasceu em João Pessoa, Paraíba, no ano de 1947. É poeta, jornalista profissional e professor titular aposentado do Curso de Letras da Universidade Federal da Paraíba, onde defendeu dissertação de mestrado e tese de doutoramente sobre Manuel Bandeira e Mario Quintana, respectivamente. Ao longo de cinqüenta anos de vida literária, conquistou vários prêmios, o primeiro deles no Concurso de Contos Seráphico da Nóbrega, promovido pelo Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito, em 1968, no qual obteve a primeira colocação. Em 2005, Zoo imaginário (poesia), além de conquistar o prêmio Guilherme de Almeida, promovido pela União Brasileira de Escritores, Seção do Rio de Janeiro, foi adotado nas escolas públicas de São Paulo, através do programa “Lendo e Aprendendo”, da Secretaria de Educação daquele estado. Em 2009, por iniciativa do Ministério da Educação, teve uma tiragem de 25 mil exemplares, passando a integrar o acervo do Programa Nacional Biblioteca na Escola. No mesmo ano, a Prefeitura Municipal de João Pessoa instituiu o Ano Cultural Sérgio de Castro Pinto, adotando Zoo imaginário em todos os colégios públicos da capital paraibana. Mais recentemente, A Flor do gol (poesia) foi semifinalista do Concurso Oceanos, antigo Itaú, e Folha corrida (poesia), um dos dez finalistas do Prêmio Rio de Literatura, promovido pelo Centro Cultural Cesngranrio. Em 2020, publicou pela Arribaçã Editora O leitor que escreve, obra que reúne textos seus sobre literatura, livros e autores e autoras.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

UMA ROTA PERSONALÍSSIMA

Por Lima Trindade 


Lima Trindade: "Garatujas Selvagens é a confirmação de um
talento que não se dobra a modas, ao velho "novo" das fórmulas
e olhares comandados por apelos comerciais e "tendências"".

Uma rota personalíssima empreende José Inácio Vieira de Melo em toda sua poesia, sendo seu mais novo livro, Garatujas Selvagens, a confirmação de um talento que não se dobra a modas, ao velho "novo" das fórmulas e olhares comandados por apelos comerciais e "tendências", mas exprime um lirismo que abarca registros urbanos e sertanejos, memória da cultura popular e erudição, influências pop e surrealismo. Ou seja, trata a vida em sua máxima complexidade e não se recusa a extrair o valor múltiplo que há no caos do nosso cotidiano. 

 Em Garatujas Selvagens, sua fonte busca a palavra cristalina submersa nas águas do mito, nas origens: "Cunhar abalos sísmicos / eis meu ofício. / Mergulho no sonho / e vou ao mais profundo / em busca do incriado." E brinca (provoca) com o conceito de garatuja e o senso comum de que é indecifrável, retomando a essência lúdica do sentir, estabelecendo uma proposta de aprendizagem na experiência direta, no contato com o belo: "Em algum tempo / em algum setembro, / em algum domingo, / conformar-se em algo íntegro/ que possa se expressar tão lindamente / e que esse movimento não seja indiferente". 

A edição da Arribaçã Editora é primorosa e conta ainda com a luxuosa colaboração de Ramiro Bernabó nas ilustrações e fotos de Ricardo Prado. 


Lima Trindade
nasceu em Brasília e vive em Salvador. Publicou
As margens do paraíso (romance, 2019), O retrato: ou um pouco de Henry James não faz mal a ninguém (novela, 2014), Corações blues e serpentinas (contos, 2007), Supermercado da solidão (novela, 2005) e no mesmo ano Todo sol mais o Espírito Santo. Seus contos estão traduzidos para o espanhol, inglês e alemão. É editor e mestre em Teoria da Literatura pela UFBA.

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

POESIA DE PRIMEIRA LINHA

Por Salgado Maranhão


Salgado Maranhão: "Garatujas Selvagens trata-se de uma poética decantada pelo esmero paciente de um poeta que a cada obra refina ainda mais o seu estilo"

Na semana passada, tive a alegria de receber o novo livro (GARATUJAS SELVAGENS), do poeta José Inácio Vieira de Melo, que eu já conhecera nos originais, mas, vê-lo vestido com uma capa tão bela e ilustrações tão instigantes, foi uma verdadeira epifania. Trata-se de uma poética decantada pelo esmero paciente de um poeta que a cada obra refina ainda mais o seu estilo. Um estilo fruto da escolha telúrica por cantar a sua terra em sua essência de sol e pedra. Meus parabéns para esse bardo que entrega-se ao destino irrecusável da palavra iluminada.


Salgado Maranhão (Caxias, Maranhão). Poeta, jornalista, consultor cultural e compositor (letrista) brasileiro. Autor de mais de uma dezena de livros de poesia, parceiro de grandes nomes da MPB, traduzido para várias idiomas, vencedor de importantes prêmios literários, dentre eles o Jabuti, por duas vezes. Seus livros mais recentes são Avessos avulsos (7Letras, 2016), A sagração dos lobos (7Letras, 2017) e A casca mítica (7Letras, 2019). Reside na cidade do Rio de Janeiro.



sábado, 16 de outubro de 2021

ESTE LIBRO ES UNA CASA, Y TIENE ALAS

 Por María Vázquez Valdez


María Vázquez Valdez: La poética de José Inácio Vieira de Melo
tiene la potencia de los elementos naturales. En su voz, la poesía
es una crisálida que en el viento se va volviendo mariposa"

La palabra de este libro crece como espuma, orbe de colores y formas inauditas e indómitas. En estas líneas – aveni- das hacia el sueño y la memoria – la palabra se extiende, se multiplica en sí misma y resuena como un latido ancestral, ubicuo.

La palabra poética de José Inácio Vieira de Melo tiene la potencia de los elementos naturales. En su voz, la poesía es una crisálida que en el viento se va volviendo mariposa: quienes hemos tenido la fortuna de escucharle, lo sabemos bien. Y esta cualidad se conserva en la palabra escrita, en la poesía contenida en sus libros, que es tallada con la vida misma del poeta.

Este libro – afortunadamente llevado al español con precisión – recibe su título del tercer poema: Garabatos salvajes. Ya desde aquí, en principio, atisbamos ese pulso antiguo que da forma a las cosas más allá de la conciencia, que erige los instan- tes que construyen la vida, como una mano bajo el guante: argamasa de la poesía.

En diez capítulos tenemos un recorrido, por medio de poemas breves, algunos aforísticos, por las estaciones de “Garabatos rupestres”, “Lejanías”, “Cartografía del miedo”, “Ruta infinita”, “Retratos”, “Instantáneas”, “Panorámica de las madres”, “Fresco para Inácia”, “Autorretratos” y “La ruta del ser”, surcadas por caballos, tigres, cebús, música, laberintos, belleza, y la presencia de dos seres excepcionales: Inácia – piedra y flor – y el inolvidable Humberto Ak’abal – nuestro poeta maya, sacerdote de los pájaros.

Hay en estas páginas una ruta que delinea la médula de lo onírico, y hay también una noción acerca del hilo que nos sostiene, que nos conserva unidos a un origen y a un sentido. Y también resalta la certidumbre de que todos los elementos inconmensurables, infinitos, se encuentran en el sitio minúsculo del instante, en el ser finito – pero también incalculable – que es el poeta; y lo confirmamos cuando nos dice: “Soy mi casa / y tengo alas”.

Este libro, estos poemas, enarbolan con plenitud la importancia de la poesía misma para el poeta, ADN del lenguaje y columna vertebral de quien la esculpe en un tiempo sin tiempo – como José Inácio Vieira de Melo. La poesía: camino recorrido, reflejo de la vida misma:“Biografía / de poeta / es poesía”.


(Posfácio do livro Garatujas Selvagens (Arribaçã Editora, 2021) de José Inácio Vieira de Melo) 

María Vázquez Valdez es Poeta, editora, periodista y traductora mexicana nacida en Zacatecas. Es autora de diez libros publicados, entre ellos los poemarios Caldero (1999), Estancias (2004) y Kawsay. La llama de la selva (publicado en la Ciudad de México en 2016 y en Nueva York en 2018). También es autora de Voces desdobladas / Unfolded voices (libro bilingüe de entrevistas, 2004), Estaciones del albatros (ensayos, 2008), y de cinco libros para niños y jóvenes. Es traductora del inglés al español de cinco libros de la escritora estadounidense Margaret Randall, y ha publicado la traducción de poemas de dicha autora en Estados Unidos, Cuba y Brasil. Ha sido editora en diversos medios, entre ellos la revista GMPX de Greenpeace y la Editorial Santillana; fue jefa de publicaciones de la Unión de Universidades de América Latina (UDUAL), cofundadora y directora editorial de la revista Arcilla Roja, y miembro del consejo editorial de la revista de poesía Alforja desde su fundación. Se ha desempeñado en diversos medios como fotógrafa, periodista y editora, y textos y poemas suyos se han incluido en libros y antologías de México y otros países. Estudió el doctorado en teoría crítica, la maestría en diseño y producción editorial y la licenciatura en periodismo y comunicación. Ha colaborado en numerosos proyectos editoriales, y ha sido parte del equipo editorial de la Academia Mexicana de la Lengua. Actualmente desarrolla el proyecto independiente MarEs DeCierto Ediciones, y es directora de la Biblioteca Legislativa y de la Biblioteca General del H. Congreso de la Unión, en México.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

O CANTADOR QUE É POETA

Por Denise Emmer 


Denise Emmer: "Com mais essa admirável obra,
Garatujas Selvagens, José Inácio Vieira de Melo se consolida
no time das grandes vozes da poesia brasileira contemporânea." 


José Inácio Vieira de Melo é poeta cantador das terras de Elomar. Em seu novo livro Garatujas Selvagens, ele inventa claridades de rara poesia escrita, mas que pode ser cantada. O seu sertão é risonho, banhado de sol e pedra com “cheiro de vida / alegria de pássaro / que voa na caatinga”. Está inserido na natureza para criar um mundo agreste que resplandece e faz-se vida presente, como um rio que corre caudaloso. 

No belo poema de abertura, Ofício, reinventa as forças naturais pois, ao “cunhar abalos sísmicos” ele “mergulha no sonho” e revela novas matizes que se desdobram em pura música de palavras, como também nos remete a versos de grande beleza e inventiva linguagem. Mergulha, em busca do incriado, e, em outra estrofe, “E como é estranho / o luminoso minério / que surge assim precipitado”. 

O espanto causado pelas grandezas do mundo é o mesmo da poesia, quando o poeta assume ser o mensageiro do que ainda não foi visto, tampouco percebido. Nessa imersão, nas coisas do natural, mora o seu universo onde ele enxerga até o fantástico em inusitadas imagens, como essas dos versos do poema que dá título ao livro “Há um tigre dentro do relógio / correndo por entre os sonhos / e atravessando a savana do tempo”. 

Revela o sertão das ideias, também das garatujas, e por mais selvagens que sejam ele as transcende e recria. E conhece tanto o mistério da poesia quanto o labirinto dos caminhos sem nunca se perder, tendo como norte seu próprio âmago, quando no poema Trilhas, ele nos guia: “somente / perdido / nos caminhos / o andarilho / está / em casa”. 

José Inácio é poeta das paragens, lá onde as estrelas caem para acender os seus versos. Tem o dom do cantador: quando, de forma pungente e plena de verdade, declama seus poemas, encanta qualquer plateia, mesmo a mais sonolenta. 

É alta, a sua poesia. Das melhores de hoje em dia. E ele afirma a sua inventividade no poema Via das palavras ao escrever: “cada palavra tem sua via. / É tudo imprevisto a cada linha”... E mostra que sua poética é aquela dos autênticos, e não dos versejadores que afiançam ser poema qualquer agrupamento de linhas. 

E assim, o poeta canta alto: “a palavra é o de repente, / é o desprevenido instante, / e tudo se alinha no seu rompante”. E o canto do agreste faz-se universal, pois que é o de todos e a todos comunica com dicção imprevista, por isso, de fala intrínseca. Com mais essa admirável obra, José Inácio Vieira de Melo se consolida no time das grandes vozes da poesia brasileira contemporânea. 


(Texto das orelhas do livro Garatujas Selvagens (Arribaçã Editora, 2021) de José Inácio Vieira de Melo) 


Denise Emmer
é poeta, compositora, cantora, violoncelista e escritora. É carioca, formada em Física e é também montanhista. Publicou vários livros, entre poesia e romance. Foi laureada com importantes prêmios literários do país, tais como APCA (poesia), Olavo Bilac-ABL (poesia), Prêmio PEN do Brasil (poesia e romance), JOSÉ MARTI-CASA CUBA BRASIL (poesia), entre outros.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

A ÂNFORA DA MUSA

Por Ana Miranda


Ana Miranda: "Impetuoso, selvagem, com a alegria de um

 pássaro que voa, o poeta José Inácio Vieira de Melo cria 
a sua própria cartilha, em busca da fonte secreta."


Acorda cedíssimo, ouve os passarinhos, beija a Linda. Muito bonito, com seu chapéu, ele arreia o cavalo e vai pela caatinga espinhosa, tangido pelos ventos, sob os olhos dos abutres. O poeta José Inácio Vieira de Melo vai encher a cisterna de seus sonhos pelo sertão da Pedra Só, onde lavadeiras lavam almas no açude.

Descendente dos Fulni-Ô, José Inácio ama a sua terra, é arraigado, ali ele se entrega à inspiração e recolhe suas palavras - num mundo áspero, abafado, a cavar pedras, no reluzir dos minérios, no sol. Nas pedras do sertão ele esculpe seus versos, e os escreve ouvindo ecos distantes de cantadores e violas, mugidos zebuínos, nos gritos das pedras que enlouquecem. Suas palavras pulsam, passeiam, comovem, são unguentos, relâmpagos, escadas para pular muros. Suas palavras são a sua vida.

Impetuoso, selvagem, com a alegria de um pássaro que voa, o poeta José Inácio cria a sua própria cartilha, em busca da fonte secreta. Assim como os seus antepassados Fulni-Ô, que conseguiram manter viva a própria língua, José Inácio preserva uma linguagem que é sua e é do sertão nordestino. O seu vocabulário já vem de nascença, sua sina está escrita na geografia da vida: Olhos d’Água do Pai Mané, onde nasceu, no município de Dois Riachos; depois Palmeira dos Índios, Arapiraca, fazenda Cerca de Pedra... E agora, Pedra Só, onde ele passa boa parte do tempo.

E os poemas que ele escreve são de tom sertanejo, mas é um sertão que tem ecos de mitologia, de rock’n’roll, onde vaqueiros vaquejam de moto. Ele sente as transformações do sertão e as entrelaça com os sertões mais antigos, numa rota infinita que lhe veio da estirpe. Bela a sua coleção de versos amorosos, as asas de amor abertas sobre Linda; emocionantes as cantilenas para Inácia, sua agreste mãe; minuciosos os seus poemas inspirados no haikai; generosos os versos ao outro.

Afinal, ele nos oferece uma série de poemas de si mesmo, que termina com uma biografia perfeita e belíssima, a nos conduzir para a rota do ser. Esse extraordinário poeta José Inácio Vieira de Melo honra a nossa tradição sertaneja, uma das expressões mais valiosas do Brasil. 


(Posfácio do livro Garatujas Selvagens (Arribaçã Editora, 2021) do poeta José Inácio Vieira de Melo).


Ana Miranda é escritora. Morou em Brasília, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Hoje vive no Ceará, onde nasceu. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). Escreveu diversos romances, entre eles Desmundo (1996) Amrik (1997) e Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras). Foi escritora visitante em universidades como Stanford e Yale, nos Estados Unidos, e representou o Brasil perante a União Latina, em Roma.