sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

ENTREVISTA - JIVM: POETA PASTORAL, MUEZIM DA CAATINGA

Por Goulart Gomes

Entrevista concedida ao escritor Goulart Gomes, publicada no dia 3 de março de 2009, em seu blog Território Inimigo (http://www.goulartgomes.com/index.php), Confira:


Prezados leitores:

Estou iniciando, hoje, a publicação de uma série de entrevistas com escritores, as quais serão quinzenalmente disponibilizadas aqui no site TERRITÓRIO INIMIGO. Essas entrevistas pretendem apresentar não apenas o Escritor e sua Obra, mas o Ser Humano que é a essência de cada um de nós, pessoas com suas ricas histórias e aprendizados, que são a fonte de toda obra literária.
Para começar, entrevistei JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO, companheiro de longa jornada, poeta e produtor cultural da minha geração, um incansável batalhador, que não se limita a divulgar sua própria obra, mas também a de vários outros contemporâneos, num exemplo de solidariedade e companheirismo. Apreciem:


Quatro cavaleiros: JIVM, Gabriel (2 anos), Moisés (9 anos) e Aloísio (7 anos)

GOULART GOMES
– Você nasceu em Olho D’Água do Pai Mané, recôndito lugarejo de Alagoas. Como diria Guimarães Rosa, o sertão nos habita? Dois Riachos é o seu Caminho de Swann?

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – O Sertão é dentro. É interior. O mestre Rosa sabia das coisas. Nada tem com os estereótipos forjados nem com delimitações geográficas. O Sertão é o Tao do Ser.
De Dois Riachos quase nada sei. Mas Olho d’Água do Pai Mané está bem lá dentro, bem no fundo do pote da infância. Uma sombra costurada nos três primeiros anos azuis da minha existência.

GG – Como e porque a Bahia entrou em sua vida?

JIVM – Contra o Destino nem Zeus nem Deus. Estava escrito nas estrelas. Morávamos em Arapiraca e, no final dos anos setenta, meu pai comprou uma fazenda na Bahia – e como soava distante esse nome e esse lugar: Bahia. A partir de então, meus irmãos e eu passamos a visitar essa propriedade, a fazenda Nova Esperança (Cerca de Pedra), que fica no município de Maracás, pelo menos uma vez por ano. Em 1982, aos 14 anos, passei uns três meses na fazenda. Nesse período, fui a um povoado chamado Peixe, onde conheci uma morena: Cássia – meu primeiro alumbramento (como diria Bandeira). Em 1988, no mês de março, próximo dos meus 20 anos, resolvi morar na Cerca de Pedra, decisão que deu um encaminhamento para a minha vida bem diferente do que a maioria dos jovens da minha geração teve. Fiquei por uma década entre a caatinga baiana e a fria e aconchegante cidade de Maracás.

GG – Você é graduado em Comunicação e faz Mestrado em Letras. Entre um livro e outro, ferra gado, monta cavalo, tira leite de vaca e de pedra. Como é lidar com o sertão ficcional e o real ao mesmo tempo?

JIVM – A minha vida é bem corrida. Entre a poeira dos livros e o pó da estrada. Tangendo boiadas, “debaixo de um sol a pino/ que reduz tudo ao espinhaço”, ou lendo pilhas de livros deitado numa rede armada debaixo de dois pés de algaroba. Ou, ainda, dentro de um carro, voando para Jequié (que fica a 140 km da fazenda), ou pro mestrado em Feira de Santana (que fica a 300 km da fazenda e a 250 km de Jequié), ou para eventos em Salvador (que fica a 400 km da roça, a 360 km de Jequié e a 110 km de Feira) – nesses momentos é que ouço música: Beethoven, Stravinsky, Hermeto Paschoal, Egberto Gismonti, Zé Ramalho, Raimundo Fagner, Led Zeppelin, Bob Dylan... E tem ainda o tempo que fico na internet, fazendo divulgação dos eventos, dos meus poemas, de poemas de outros poetas e atualizando meu blog. Tudo isso faz parte do Sertão que sou, onde ficção e realidade são uma coisa só.

GG – Pesquisando seu nome no Google encontramos referência a 3.630 páginas, mais do que muitos poetas famosos. Isso é resultado da inspiração ou da transpiração?

JIVM – É resultado de um trabalho feito com inspiração. É o reconhecimento da transpiração inspirada.

GG – Qual é a Ítaca da sua saga poética: a fama, o sucesso ou o dinheiro?

JIVM – Eu sou um poeta de tradição pastoral. Herdeiro de Davi, o salmista, e dos vaqueiros Damião Tavares, Pedro Vaqueiro, Sérvulo Duarte e Moisés Vieira de Melo, meu avô. Gente que viveu em busca da glória divina, da bem-aventurança. E essa é a minha busca: alcançar a glória divina da poesia. A glória de Deus, dos deuses e das musas.

GG – Além de poeta, você se arrisca como cantador, de vez em quando. Alguma pretensão musical ou isso faz parte da tradição dos poetas-cantadores do Nordeste?

JIVM – Sou apenas um muezim da caatinga. Solto os aboios que estão dentro do peito para que eles encontrem expressão no firmamento, para que vibrem na imensidão. A minha sina é a Poesia. Estou alinhado ao poetas-cantadores da nação nordestina, cavaleiros e peregrinos como Patativa do Assaré, Elomar, Cego Aderaldo, Luiz Gonzaga e Vavá Machado & Marcolino – os Bridões de Ouro do país das Alagoas.

GG – Hoje você reside em Jequié e também atua em Maracás. O que essas cidades representam em sua Literatura?

JIVM – Maracás, cidade das flores, é um lugar que faz parte do meu ser. Vivi muitas loucuras etílicas e saboreei a companhia aconchegante de várias musas nas noites frias de Maracás. Foi onde comecei a assumir minha condição de poeta, muito influenciado pela vivência no Grupo Viajantes do Pensamento, criado por Edmar Vieira, Edivando Damasceno, Nel Velame e por mim. Ainda hoje transito muito por Maracás.
Em Jequié, onde moro há três anos, não conheço quase ninguém. Relaciono-me com pouquíssimas pessoas, grandes figuras como seu Belo, meu barbeiro; a professora Valéria Lessa; o poeta Maurício Bastos Almeida, mais conhecido como Mauricéia Desvairada; e meu querido amigo Leonam Oliveira, o Velho Léo – presidente da Academia de Letras de Jequié.

GG – Parece que o sucesso de alguns autores incomoda muito a outros. A sua fama também lhe trouxe alguns adversários. O que você diria aos detratores da sua obra?

JIVM – Meus caros detratores, agradeço-lhes por dedicarem boa parte do vosso precioso tempo em um trabalho árduo e gigantesco de divulgação da minha obra. Até o final do ano estarei lançando mais um livro, conto com a atenção e dedicação de todos vocês. Continuem trabalhando bastante!

GG – Dentre as imagens míticas da sua poesia há uma recorrência ao Centauro. Seria ele a simbologia do sertanejo, antes de tudo um forte?

JIVM – No livro A infância do Centauro há uma recorrência a este mito. E ele aparece justamente como a representação do vaqueiro e seu cavalo – dois seres que se amalgamam e passam a ser uma entidade possuidora de rara fortaleza.

GG – E seu caso com a égua Guinevere? Amor platônico ou primeiro romance de um adolescente?

JIVM
– Amor platônico. Na hora em que recebi a notícia do nascimento de Guinevere, estava acabando de ler As brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley. Daí ter colocado o nome da rainha de Arthur e Lancelot na pordinha de olhos azuis. Dei-a de presente para Linda.

GG – Você realizou, ao longo de quatro anos, um dos mais importantes eventos de poesia da Bahia, o Poesia na Boca da Noite. Por que não há público para a poesia no mais criativo estado do Brasil?

JIVM – Porque a cidade de Salvador é grande e cheia de opções e, também, porque a poesia não é prioridade para quase ninguém. Boa parte dos poetas que participaram do projeto, só apareceu no dia da sua apresentação. O que me leva a entender que tinham outras prioridades ou, então, por acharem que os outros poetas não mereciam atenção mesmo. Mas os realmente interessados sempre apareciam por lá.

GG – Você, além de vencer na Literatura, venceu também o Alcoolismo. Que lições ficaram daquele período conturbado da sua vida?

JIVM – Duas lições: o vício cega e leva o sujeito a perder a dignidade. Foram duas décadas de muito álcool e outras drogas. Agora, sete anos depois de ter feito a travessia, percebo o quanto sofri e quanto sofrimento causei. O aprendizado maior, porém, foi compreender que o grande barato é estar sóbrio, é ser senhor de si, perceber-se no Cosmo e saborear a poesia de cada instante da existência – essa é a loucura sagrada e este é o meu testemunho.

GG – Em uma livraria, um jovem escritor lhe pede três indicações de livros para comprar. O que você recomendaria?

JIVM – O guardador de rebanhos (Alberto Caeiro/Fernando Pessoa), Cem anos de Solidão (Gabriel Garcia Marquez) e A túnica inconsútil (Jorge de Lima).

GG – A sua poesia dialoga com João Cabral, e outros grandes poetas nordestinos: a pedra, a faca, o mandacaru. Quais suas outras influências?

JIVM – Cabral e Lorca, Pessoa e Kaváfis, Whitman e Rilke, Jorge de Lima e Cecília Meireles, Davi e Homero, Patativa do Assaré e Sierguei Iêssinin, Gerardo Mello Mourão e Foed Castro Chamma. As referências são muitas e, a cada dia, aumentam, pois sou um leitor contumaz. Mas não poderia deixar de destacar o espanto e o fascínio que me causou a poesia do poeta contemporâneo português Herberto Helder, uma descoberta recente que revelou novas possibilidades para o poeta que sou. Esses dias, li A outra margem do tempo, de Alexandre Bonafim, e os originais de Canção para meus companheiros e outros poemas, de Narlan Matos. Dois bons livros de dois jovens poetas. Bonafim é mineiro e vive na interior de São Paulo; é um poeta de epifanias: “Esculpes o infinito no itinerário dos pássaros/ a rasgarem o silêncio. Tão intensamente abraças/ a febre, que a vida multiplica, em ti, os pães e as palavras”. Narlan é baiano e vive nos EUA; seu livro inédito é um canto de despertar narcisos (“Minha época sou eu nu em frente ao espelho”), um canto que convida-nos a conclamar a aurora de um novo tempo (“Porque minha era está coberta de hera”). Pois bem, Alexandre Bonafim e Narlan Matos agora são, também, minhas referências. E outras e outras virão.

GG – Tolstói diz que as famílias felizes se parecem, mas as infelizes o são cada uma à sua maneira. Linda, sua esposa; Moisés e Gabriel, seus filhos, fazem a sua felicidade?

JIVM – Linda é minha Penélope, meu fio terra. Meus filhos, ao lado da Estrela do Oriente, são os astros mais brilhantes do firmamento e ampliam meu horizonte. Minha família é bem singular, mas me proporciona momentos de felicidade.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

GOULART GOMES - QUIRÃO



Q U I R Ã O
Para José Inácio Vieira de Melo


esse magarefe das letras
em si, homem e alazão
ordenha poemas nas tetas
nos ubres da inspiração

os cascos fendem o chão
sendo o solo seu papiro
sua pata é a sua mão
pedregulhos, os escritos

esse vaqueiro-poeta
traçando riscos no céu
pai do pequeno profeta
e do arcanjo novel

faz da pena um cinzel
das ideias, um martelo
esculpindo no papel
o seu canto mais belo

herdeiro das velhas tribos
de adoradores do fogo
sua arte não tem estribos
sua via não tem retorno

seu mote, o próprio povo
dos gerais e do sertão
seu verso, o eterno novo
poeta sábio, és Quirão!


GOULART GOMES
Ouro Preto, MG, 9/2/10

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

POEMA DE MARIANA IANELLI


Escultura: Rubens Ianelli


Deste-me o segredo de teu nome
E era pouco;
Deste-me luz, completo entendimento,
Uma força maior que a tua
Para quando eu me perdesse.
Juventude e paciência,
Que vão juntas raramente,
Apegaram-se a mim
Porque estive em tua presença
E ainda hoje permaneço
Leal a teus mandamentos.
Debaixo do sol, onde por um instante
Nos olhamos sem diferença,
Eu pretendi este poema em teu louvor
E, como se não fosse por ti,
Me tornei imenso.


MARIANA IANELLI

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

SANGUE NOVO - CAIO RUDÁ



PSICOLOGIA DO POEMA – Com respostas que deixam nítidas as marcas do curso de Psicologia, CAIO RUDÁ é um jovem escritor que usa muito da intuição para compor sua poética e, apesar de não ser afeito às influências, as tem e as cita: Drummond e Leminski, o que não precisava fazer, pois saltam aos olhos. Caio Rudá de Oliveira nasceu em Riachão do Jacuípe, interior da Bahia, pouco depois de as águas de março fecharem o verão de 1989. Atualmente, cursa graduação em Psicologia, pela Universidade Federal da Bahia, mantém o blog Das Idéias de Caio Rudá (http://dasideiasdecaioruda.blogspot.com/) e escreve para a revista virtual de literatura Samizdat (http://www.revistasamizdat.com/). Sua vida é transitar entre o litoral e o sertão, assim como o faz também entre Arte e Ciência, na esperança de que um desses lhe explique o ser humano. Não é um entusiasta das explicações, mas esclarece que “não há o que pague um poema pronto”.

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – O que a poesia significa para você? Por que e para que ser poeta?

CAIO RUDÁ – Poesia para mim é um modo de perceber e pensar o mundo, e não a restrinjo apenas à escrita. Se a obra de Patativa do Assaré está vinculada em muito à oralidade, gosto de atrelar a minha à meditação. Poesia é uma contemplação mental. Com relação ao porquê e para que ser poeta, confesso que não sou entusiasta das explicações. Não porque me falte curiosidade de entender as coisas, mas pelo completo oposto: tanto me sobra que não me contento com motivos rasos. No curso de Psicologia a gente aprende que em matéria de comportamento humano não se fala em causalidade, e todo ato é multideterminado. Assim, a resposta mais plausível é que ser poeta foi o resultado do modus vivendi de meus anos recentes. Já a finalidade é mais fácil de dizer: não há o que pague um poema pronto.

JIVM – O nome do seu blog, “Das ideias de Caio Rudá”, fez-me lembrar de uma afirmação de Mallarmé, na qual ele diz que “a poesia se faz com palavras, e não com idéias”. Como você analisa essa assertiva?

CR – Conta a História que tal frase surgiu em resposta ao pintor e amigo Degas, que alegava ter boas idéias, mas não as conseguia passar para o papel. Acontece que toda atividade artística deriva de idéias. Pintores, poetas, atores ou cantores, todos diferem no produto final, no modo como direcionam sua criatividade, porém utilizam a mesma matéria-prima para suas obras. Ou as palavras de Mallarmé nasciam diretamente do movimento de seus punhos? Não quero dizer, contudo, que Mallarmé estivesse errado no que dissera, tampouco que minha visão seja completamente coerente. Pelo contrário, somos falíveis no que dizemos. Muitas vezes mudamos as palavras de nosso discurso, e até falamos o oposto do que pensamos. Só penso que haja entre o poeta francês e o estudante de Psicologia diferentes pontos de vista, e é natural que eu priorize processos cognitivos, enquanto que ele o faça com a matéria de seu ofício.

JIVM – E por falar em blog, como você analisa o uso da internet, dos espaços visuais e dos novos suportes tecnológicos, para divulgação da poesia? Essas novas tecnologias substituirão o livro impresso?

CR – A Internet é uma ferramenta muito eficiente para os poetas. Há a facilidade de edição e divulgação, existe a aproximação com o leitor e um blogue bem arquitetado pode ser considerado uma obra artística. Levando em conta a realidade do mercado editorial, é uma alternativa viável e eficaz. Quanto a suplantar o livro tradicional, aí já são outros quinhentos. Se pensarmos no CD, é possível esperar um fenômeno semelhante com os livros, no entanto, quando o exemplo são revistas e jornais, parentes mais próximos do livro, já se nota uma certa postura reacionária. Mudar isso talvez caiba em parte aos próprios escritores. Alguns utilizam os blogues como passaporte, isto é, apenas para chegar ao destino desejado, o livro impresso, e depois o blogue acaba preterido. Enquanto as tecnologias digitais forem acessórios dos escritores, acredito que uma capa bacana, folhas de boa qualidade e um ISBN ainda serão mais atraentes. Culpar unicamente os autores, no entanto, talvez seja exagerado, pois por mais que sua escrita seja verdadeira e espontânea é natural sonhar com o reconhecimento, que, na área em questão, só se dá com o livro impresso. Por outro lado, conheço alguém que dá muito crédito aos livros virtuais, e realmente aposta na publicação independente. Ele é o Henry Alfred Bugalho, escritor brasileiro residente nos Estados Unidos, autor de várias obras lançadas de maneira autônoma, em formato digital. O grande problema desse tipo de publicação é que estão na contramão da lógica capitalista de mercado. Não desaprovo iniciativas com a do Henry, pois eu mesmo já lancei um livro eletrônico. Só acredito que o status quo se mantenha, ao menos pelo próximos anos.

JIVM – Uma pergunta óbvia, mas de suma importância para um autor em formação. Quais são seus escritores referenciais. E desses autores, quais obras foram mais representativas?

CR – Gosto muito de uma frase do meu amigo e poeta Georgio Rios, que diz "alguns clichês são necessários". Impossível não falar das referências. O problema em meu caso é que não há muitas. Meu interesse e produção poética são recentíssimos, sempre preferindo antes as formas em prosa. Meu despertar para a poesia seguiu um rumo que é o contrário do padrão: começa-se a escrever depois de encantado com uma obra de um grande autor, e a tendência é imitar em algum grau essa referência. Eu não segui esse caminho. Comecei a fazer poesia por conta própria, um processo meio ególatra e auto-reforçador. A escolha por não ler os grandes autores foi deliberada. Não queria de modo algum parecer com alguém, pois acredito que invariavelmente incorporamos traços do que gostamos, e em dois mil anos de poesia está cada vez mais difícil ser original. Hoje, com um mínimo de maturidade poética, faço leituras mais produtivas. Leio o que quero, me apaixono, critico. Tenho uma mente mais aberta e não-formatada. Há um sujeito, no entanto, que sempre foi uma pedra no meio do caminho, o próprio Drummond, cuja poesia sempre admirei. Leminski também foi um marco para mim. Quando descobri sua obra, mais do que encanto, me identifiquei com seus poemas, o que me encorajou bastante a continuar escrevendo o que escrevia, do modo que escrevia.

JIVM – Deixe registradas as suas impressões sobre os rumos que a sua poesia vem tomando. E o que teremos para adiante? Algum livro para ser publicado? O que mais?

CR – Percebo que tenho amadurecido a escrita. É a grande coisa que consigo perceber sobre mim mesmo. Como não sou poeta por ofício, tenho liberdade de experimentar e escrever. Porém livre-arbítrio não é palavra de ordem para mim. O que sou hoje é condição do que já vivi, e a característica da observação é o que me marca. Os rumos que minha poesia tomará depende de como a vida passará para mim e como irei absorver os eventos que virão. Acho que no fundo, entretanto, sempre vou escrever sobre a condição do homem, o enigma da (in)existência, como prefiro chamar. Deixando as especulações e impressões de lado, para 2010 planejo organizar alguns de meus poemas e enviá-los a alguma editora. Há também uma antologia de minicontos para ser publicada, com a minha participação, e pretendo finalizar um volume de contos breves. Obviamente, espero continuar escrevendo e tendo idéias. No mais, gostaria de agradecer pelo espaço e oportunidade de voz aqui no blogue. Também, não poderia deixar de lado o apoio do amigo Georgio, que acreditou no que escrevia desde os primeiros versos. E aos meus leitores deixo o agradecimento pela crítica e comentários. Obrigado a todos.

TRÊS POEMAS DE CAIO RUDÁ


Fotos: Ricardo Prado














O POETA NA AREIA



Há vários caminhos para a boa ventura.
Um deles é certo, porém;
permiti-me apresentá-lo.
Repousa no refletir do sol na água
às cinco e quarenta e cinco da tarde
no porto da Barra.

Caminhai, baianos,
segui por ele, turistas.
Fixai o olhar no círculo,
lá ao fundo, luminoso.
Ide a ele que vem a vós, pais e irmãos,
todo santo dia, cá na baía de todos os santos,
estes que vos abençoam
a caminhada por sobre as águas.
Não é preciso milagre,
somente que observeis o tapete alaranjado
duelando com o azul costumeiro
(aliás, cores não brigam,
apenas entram em contraste)
e andeis pelo brilho.

As seis horas são esperadas.
Movei-vos pela estrada, portanto,
que os cavalos-marinhos já vêm
enrolar o tapete, ao que se põe
o sol, não no horizonte,
mas atrás da ilha de Itaparica,
ao som das palmas que batem
os bons viajantes na areia
cada vez mais fina, desgastada
de emoção por tantos crepúsculos.



GOTAS


feito nuvens de verão
estendidas no varal
descansam roupas brancas
donde pingam
lentamente
a denúncia do árduo labor
de lavar a sujeira, o suor
e a dor.



TESTAMENTO


Eu quero morrer louco
são nem um pouco
doido de pedra
demente, decadente
sem mente, sim
completamente doente.

Eu quero morrer assim
para não fechar meus olhos
ciente de que é o fim.