terça-feira, 25 de agosto de 2009

VERÔNICA DE VATE - ANTONIO BRASILEIRO


ANTONIO BRASILEIRO (1944), escritor e artista plástico, nasceu nas Matas do Orobó, sertão baiano. Criador das Edições Cordel e das revistas de poesia Serial e Hera, tem 24 livros publicados, dentre eles Dedal de areia (poesia, 2006), Poemas reunidos (2005), Da inutilidade da poesia (ensaio, 2002), Pequenos assombros (poesia, 2001), A estética da sinceridade (ensaios), A história do gato (conto), Antologia poética (1996) e Caronte (romance, 1995).
Como artista plástico, além de uma centena de exposições (coletivas e individuais) executou painéis para museus, universidades, bibliotecas e praças públicas, e fez numerosas ilustrações para livros, revistas, jornais, cartazes etc.
Doutor em Letras e membro da Academia de Letras da Bahia. Reside na cidade de Feira de Santana.

*
Antonio Brasileiro vai participar, no próximo sábado, dia 29 de agosto, do projeto Travessia das Palavras, na cidade de Jequié, Bahia. O evento é coordenado por Leonam Oliveira e por José Inácio Vieira de Melo. O Pojeto vai contar também com a participação especial do Grupo Concriz - uma turma da boa da cidade de Maracás, composta por 25 jovens recitadores, dirigida pelo trio de poetas Edmar Vieira, Marcelo Nascimento e Vitor Nascimento Sá.


ARTE POÉTICA


Meus versos são da pura essência
dos poemas inessenciais.

Nada dizem de verídico
não querem nada explicar.

Não narram o clamor dos peitos
não encaram a dor do mundo.

Se por vezes falam alto
é por puro gozo, júbilo:

humor que brota de dentro
como se movem os astros.

Eles, meus versos, são pura
floração de irresponsáveis

flores nascidas nos mangues,
por nascer – mas multicores,

lindas, não importa que os homens
as conheçam ou não conheçam.


ANTONIO BRASILEIRO

ANTONIO BRASILEIRO - ESTUDO 165

Ilustração: Antonio Brasileiro

ESTUDO 165

Compor um homem
com suas tramas, seus dramas,
teogonias, gramáticas, soluços;
compor um homem,
do orvalho matinal compor um homem,
do céu cheio de estrelas, do mistério
do homem
compor o homem;
compor um homem
da criança que há no homem, do homem
a adivinhar-se em antiquíssimas retinas;
compor um homem
com seus soluços, gramáticas, teogonias
- e recitá-lo perante os outros homens.

ANTONIO BRASILEIRO

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

NHÔ GUIMARÃES - A PEÇA

Meus caros, na semana passada assisti, no Teatro do Sesi Rio Vermelho, a peça Nhô Guimarães, com meu compadre Gabriel Gomes e sua namorada Lis. A peça é baseada no romance de um outro amigo, Aleilton Fonseca. Uma adaptação singela e singular. Fiquei muitíssimo impressionado com a performance magistral da atriz Deusi Magalhães, que traz para a cena uma mulher octogenária, uma velhinha, que mostra um pouco das suas vivências nas plagas ermas e agrestes do sertão. Tudo em dosagem certa. Nada de exageros nem de cenários entupidos de bugigangas. A casa da anciã é um retrato fiel da casa dos camponeses sertânicos. Aquela velha, na qual se transfigura a atriz Deusi, é um exemplo da fortaleza do sertão. Parabéns a Deusi e ao Edinilson pela adaptação certeira. Aos meus amigos, mais uma vez a minha recomendação. A peça é imperdível. Seus 75 minutos de duração passam em menos de meia hora. Uma beleza!

O universo do homem sertanejo é o tema de Nhô Guimarães, novo espetáculo do Núcleo Criaturas Cênicas.


Em 2008, ano em que se comemorou o centenário do escritor mineiro, João Guimarães Rosa, o Núcleo Criaturas Cênicas de Salvador/BA, realizou a adaptação do romance Nhô Guimarães (2006) para a linguagem teatral, do escritor baiano Aleilton Fonseca, escrito para homenagear os 50 anos do livro Grande Sertão: Veredas (1956) de João Guimarães Rosa. A adaptação para o teatro foi realizada por Deusi Magalhães e Edinilson Motta Pará, atriz e diretor desta montagem que teve sua pré-estréia no teatro do IRDEB em 27 de novembro de 2008.
O projeto Nhô Guimarães Pelo Sertão do Núcleo Criaturas Cênicas foi um dos vencedores do Programa BNB de Cultura/2009. Esta é a 6ª montagem deste grupo premiado em encenações como “Escoria” de Michel de Ghelderode e “A Pedra do Meio Dia ou Artur e Isadora” de Bráulio Tavares.
Cumprindo a agenda deste projeto a peça Nhô Guimarães teve sua estréia no sertão baiano percorrendo com suas apresentações, em maio de 2009, nas cidades de Senhor do Bonfim, Uauá, Canudos e participando da abertura do I Colóquio em Estudos Literários e Lingüísticos – UNEB - Campus XXII, em Euclides da Cunha. A peça segue agora para temporada de dois meses no Teatro do SESI – Rio Vermelho.
O espetáculo, em forma de monólogo, transpõe para o palco a vida, as idéias e a mítica do nosso sertão, privilegiando a linguagem falada rica em neologismos, recheadas de palavras incomuns próprias dessas regiões e tão presente nas obras do autor mineiro. Esse tratamento é mantido na encenação como forma de valorização da diversidade lingüística, existente na língua portuguesa, especialmente a encontrada no sertão brasileiro.
Essa visão é apresentada através dos causos contados por uma senhora octogenária a um visitante. Entre uma estória e outra, a velha cita a presença de um amigo do falecido marido, Nhô Guimarães, senhor de jeitos elegantes, que sempre os visitava, com "seu ouvido bom de ouvir causos e seus óculos pretos de aros redondos". Uma referência direta ao escritor mineiro João Guimarães Rosa. Enquanto relata suas lembranças, a velha desenvolve ações cotidianas, como coar um café, apertar um fumo de rolo, fazer um pirão, dar comida às galinhas etc., busca-se criar uma transposição de quem assiste para o ambiente do cotidiano interiorano.

Salvador
Local: Teatro SESI Rio Vermelho
Apresentações: de 08 de agosto a 27 de setembro/2009
Sábados e domingos, 20 horas.
Ingressos: R$14,00 inteira e R$ 7,00 meia entrada

Para mais informações:
Deusi Magalhães (071) 9137-4567 e 3011-1437 magadeusi@gmail.com
Edinilson Motta Pará (071) 8754-2769 nilsinho67@hotmail.com

domingo, 16 de agosto de 2009

ENTREVISTA - RONALDO CORREIA DE BRITO: GALILÉIA - RUÍNAS E LABIRINTOS DO SERTÃO

Por José Inácio Vieira de Melo


O escritor Ronaldo Correia de Brito foi o grande vencedor da segunda edição do Prêmio São Paulo de Literatura. Seu romance Galiléia (Alfaguara) foi eleito melhor livro do ano. Concorriam na categoria melhor livro do ano dez autores, incluindo José Saramago (A Viagem do Elefante), Moacyr Scliar (Manual da Paixão Solitária) e Milton Hatoum (Órfãos do Eldorado). O gaúcho Altair Martins foi escolhido melhor autor estreante por A Parede no Escuro (Record). Cada um receberá R$ 200 mil, o maior valor pago a um prêmio literário no país.
Entrevistei Ronaldo Correia de Brito duas vezes: em julho de 2005, no período do lançamento do livro de contos Livro dos Homens; e em abril de 2009, quando do lançamento do romance Galiléia. Agora, as entrevistas estão disponíveis aqui no blog. Parabéns ao meu querido amigo Ronaldo Correia de Brito pelo merecido destaque e desejo boa sorte nos prêmios Jabuti e Telecom, visto que Galiléia já é finalista dos dois.


A entrevista abaixo foi publicada no suplemento A Tarde Cultural, do jornal A Tarde, de Salvador, nas páginas 06 e 07, no dia 18 abril 2009.

Fotógrafo Hans von Manteuffel

"Agora, quero viver um pouco fora da literatura"


Ronaldo Correia de Brito, cearense radicado em Pernambuco, é um dos contistas mais admirados da literatura contemporânea brasileira. Autor de A noite e os dias (Bagaço, 1997), Faca (2003) e Livro dos Homens (2005), publicados pela editora Cosac Naify, fala, nesta entrevista, de seu novo livro: Galiléia (Alfaguara, 2008), que é também seu primeiro romance. Correia de Brito é um dos convidados do Café Literário da 9ª Bienal do Livro da Bahia. Sua participação vai acontecer no dia 21 de abril, às 20 horas, acompanhado do escritor amazonense Márcio Souza. O tema proposto para o encontro é “Na literatura, falar de si mesmo é falar do mundo?”


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Desde a Odisséia, o herói busca o caminho de volta para casa. Não é diferente com seus personagens, os três pastores errantes: Adonias, Ismael e Davi. Galiléia representa a busca da identidade ou pretende conferir o atestado de orfandade a esses personagens?

RONALDO CORREIA DE BRITO – Num poema de Jorge Luis Borges pode-se ler os seguintes versos: “Não haverá nunca uma porta”. E mais adiante: “Não existe. Nada esperes. Nem sequer no negro crepúsculo a fera”. O poema se chama “Labirinto”. Durante todo o tempo em que escrevi Galiléia, me lembrei desses versos. É como se o romance terminasse assim, sem qualquer esperança para Adonias, Ismael ou Davi de reaverem um mundo que se desfez no passado e que ainda não possui um futuro claro. Ismael ainda teima em encontrar sua vida nas ruínas da casa e do sertão de Galiléia, mas Davi e Adonias só conseguem fazer o caminho de volta, que não sabem ao certo qual é. Há dois labirintos a percorrer no romance, um exterior e um interior. E em qualquer um deles os personagens são órfãos de uma Ariadne que já não existe.

JIVM – Os três personagens retornam para o lugar onde seus conflitos existenciais tiveram origem, guiados pelo cheiro da carniça do patriarca que escolhera seus nomes. Ao contemplar os escombros da saga familiar, o que buscam eles? Redenção?

RCB – Acho que buscam o que não existe. Terá existido em algum tempo? Escrevi certa vez que o sertão fica em Marte e lembrei de um poeta popular do Rio Grande do Norte, Fabião das Queimadas, que termina o seu folheto A morte do touro da mão de pau, com esse diagnóstico pessimista sobre o mundo sertanejo:

Já morreu, já se acabou,
Está fechada a questão.


JIVM – Apesar de estarem inseridos na contemporaneidade, e assistirmos ao longo das páginas a decadência de um mundo arcaico, ainda assim seus personagens têm cheiro de sertão e parecença com pastores bíblicos. Em que medida, na sua literatura, o mundo sertanejo está imbricado com o bíblico?

RCB – A história dos homens que povoaram os sertões é muito semelhante à do povo hebreu, como é relatada na Bíblia. São pastores que chegam com seus rebanhos, se apossam de terras que não lhes pertencem, massacram os habitantes nativos, destroem, se apossam. No caso de nossos colonos, que dizimaram os índios, eles traziam uma carta de doação do rei de Portugal, um representante do deus da Igreja Católica; os hebreus vinham atrás da promessa de uma terra prometida, e traziam um contrato com o seu deus Iavé. Há muitos pontos em comum e a coincidência de haverem judeus cristãos novos entre os colonizadores dos sertões. Meu oitavo avô, Bernardo Duarte Pinheiro, era um desses judeus batizados em pé, e foi um dos que chegaram para se apossar da Galiléia sertaneja dos Inhamuns, no Ceará.

JIVM – Joca Reiners Terron afirma que “em Galiléia nada há de folclore: o sertão é matéria interior, irremediavelmente colada à subjetividade de quem o viveu”. Além desse cordão umbilical subjetivo, existe o personagem Adonias, um médico que reside em Recife, como você, e é o narrador do romance. Adonias é alter ego de Ronaldo Correia de Brito?

RCB – Tenho repetido que não sou Adonias. Acho que o fato de ter escrito na primeira pessoa e emprestar um pouco de minha memória à memória do personagem sugerem esse ‘alter ego’. Tento ser o menos subjetivo quando escrevo, mas é impossível não repassar o meu sertão interior para Adonias, um pós existencialista perplexo, em busca de saídas para os seus impasses. Pelo menos numa coisa concordo com Joca Rainers Terron, não trabalho com matéria do folclore. O sertão é apenas paisagem, um lugar que também se apresenta em Nova Iorque, Paris e São Paulo.

JIVM – Há um grande afeto entre Ismael e Adonias. Em algumas passagens, é possível perceber um clima de paixão no ar, mas sempre muito contida. Qual o motivo da contensão? Seria por causa do código do Livro dos Homens?

RCB – Se de um lado sempre percebi os afetos que ligavam os homens nas sociedades sertanejas, também percebi quanto havia de ritual e de contido no modo como esses afetos eram expressos. Não podemos falar que a relação de Adonias e Ismael é uma relação homoerótica, numa leitura atual do que é homossexualidade, mesmo considerando que são dois personagens contemporâneos. Eles estão ligados por vínculos amorosos sim, como o rei Davi e seu amigo Jônatas, filho do rei Saul, conforme está escrito na Bíblia. Construí essa relação cerimonial e contida, para diferenciá-la de formas mais explícitas de exercer a sexualidade, como é o caso do personagem Davi, do romance. Concordo com o professor Lourival Holanda, quando ele faz uma leitura de Galiléia pela ótica da inveja de Adonias por Ismael. Nessa inveja cabe tudo: o desejo de ser ou ter o outro e o impulso de matá-lo com uma pedrada.

JIVM – A morte e os mortos são presenças certas em seus livros. Em Galiléia, João Domísio, personagem presente em seus dois livros anteriores, Faca e Livro dos Homens, aparece como um fantasma, assim como sua esposa Donana, a quem ele assassinara. Ismael retorna do mundo dos mortos. A sombra da “indesejada das gentes” ronda o leito de Raimundo Caetano. Não há fronteira entre morte e vida? A morte é que atribui sentido à vida de seus personagens?

RCB – Não, não existe nenhuma fronteira entre vida e morte. Vivi num mundo permeável a essa passagem do tempo, de uma existência para outro. João Domísio e Donana, mesmo tendo morrido há trezentos anos, circulam pela Galiléia, como se nunca tivessem saído dali. Existe um poema belíssimo do peruano César Vallejo que diz “quando alguém vai embora alguém permanece. (...) Somente está solitário de solidão humana, o lugar por onde ainda nenhum homem passou. (...) Todos de fato deixaram a casa, mas na verdade todos continuam dentro dela”. Assim é Galiléia, e assim era o mundo em que vivi.

JIVM – Há um embate entre Adonias e seu tio Salomão, personagens bastante representativos de duas linhas de escritores da chamada região Nordeste: os que defendem os valores da tradição do sertão profundo e os que estão antenados com a globalização. Como você entende essa discussão e em qual dessas vertentes sua escritura se alinha?

RCB – Tio Salomão é um personagem com todos os traços definidos, é um homem que chegou onde sempre soube que chegaria. Ele se move por um plano de idéias e visões do mundo que não se alteram, é como a rota dos planetas. É velho e sábio, já nasceu velho e sedimentado. Adonias vai ao sabor do vento, recebeu informações de todos os lados, viajou pelo mundo e sofre o embate interno de tudo o que leu, viu e escutou. É o protótipo do intelectual contemporâneo, perplexo e sofrido. Não tomo o partido de nenhum dos dois personagens. Deixo que eles falem e se exponham. O leitor que escolha o partido a tomar. Mas, é claro que estou mais próximo de Adonias, por minha própria história.

JIVM – Ao final da leitura, a impressão que fica é de que o romance vai ter sequência? E vai mesmo?

RCB – Não sei. Tracei o projeto de um livro bem maior em número de páginas, escrevi muito, mas terminei cortando o equivalente a outro livro. A busca obsessiva da exatidão atrapalha minhas investidas no romance. Não fechei Galiléia porque não enxergo saída para os impasses propostos no romance e também porque gosto de narrativas abertas, sujeitas a se continuarem no tempo. É possível que eu volte à Galiléia. Adonias termina preso dentro de uma paliçada de motos. Mas, nesse momento, só penso em descansar, passar uns dias na serra ou na praia, viver um pouco fora da literatura.

JIVM – “Falo somente com o que falo,/ com as mesmas vinte palavras”. Esses dois versos são de um poema intitulado “Graciliano Ramos:”, da autoria de João Cabral de Melo Neto. Seus três livros de contos, assim como o romance, atestam que você é conciso no dizer, escolhendo sempre as palavras. Qual a relevância desses dois autores dentro de sua obra? Algum outro autor brasileiro é referência na sua produção?

RCB – Eu nem achava que Graciliano Ramos tivesse muita importância para mim, mas fiz uma releitura de Vidas Secase fiquei impressionado com nossas afinidades. Também aprecio a forma como João Cabral chega aos ossos das palavras e versos. Por outro lado, gosto do romantismo de José de Alencar, injustamente desprezado, e das metáforas de Guimarães Rosa.

JIVM – Você começou escrevendo peças teatrais. Depois de um bom tempo de depuração, publicou três livros de contos e passou oito anos escrevendo um romance. Pode-se esperar que, mais adiante, Ronaldo Correia de Brito venha a publicar um livro de ensaios ou mesmo de poemas? Qual a próxima novidade?

RCB – Tenho dois livros de contos e um de crônicas para dar acabamento e publicar. Mas preciso de um tempo para isso. Estou com a encomenda de uma novela juvenil, que se passa no Recife. Porém, a serra e o mar, nesse momento de minha vida, são chamados mais fortes.

ENTREVISTA - RONALDO CORREIA DE BRITO: O CÓDIGO DO LIVRO DOS HOMENS

Por José Inácio Vieira de Melo

Entrevista publicada no suplemento Tribuna Cultural, do jornal Tribuna Feirense, na cidade de Feira de Santana, nas páginas 01-02, no dia 17 de julho de 2005.


Ronaldo Correia de Brito, 55 anos, cearense radicado em Pernambuco, formado em Medicina no Recife, é um dos mais aclamados contistas brasileiros. Depois da consagração com o livro Faca, publicado pela CosacNaify, em 2003, e um dos finalistas do prêmio Telecom 2004, Correia de Brito lança, pela mesma editora, Livro dos Homens, em que dá continuidade a temática sertânica, da qual é inovador.
As histórias do contista do Sertão dos Inhamuns têm como cenário um sertão arcaico que sucumbe aos avanços da modernidade, mas que insiste em conservar os costumes, os seus códigos de honra. Suas personagens, por vezes, parecem retiradas de passagens bíblicas e, por outras, é como se saíssem da tela do cinema.
Nesta entrevista, Ronaldo Correia de Brito fala do avanço que dá, em Livro dos Homens, na relação entre cultura erudita e popular, da sua paixão pelo cinema e pelo teatro e de como essas linguagens dialogam no processo de criação de seus contos.

José Inácio Vieira de Melo – Depois do sucesso unânime de seu segundo livro, Faca (CosacNaify, 2003), você traz aos leitores Livro dos Homens, também publicado pela CosacNaify. O universo temático permanece: “Um sertão de ressonâncias existenciais, denso, de linguagem depurada (...)”. Em quais aspectos um livro se diferencia do outro, ou há uma continuidade como nos livros Contos da Montanha e Outros Contos da Montanha de Miguel Torga?

Ronaldo Correia de Brito – Eu e Rodrigo Lacerda, editor da Cosac, selecionamos 13 contos para compor Livro dos Homens, de um conjunto de 28 narrativas, cuidando em apresentar um livro novo, mas com ressonâncias do anterior. Textos como "Sapo", publicado na revista Iararana e "Catana" ficaram de fora por terem endereço certo, um mundo urbano facilmente reconhecível, ao contrário do “incerto sertão” em que costumo situar minhas histórias. Em Livro dos Homens, os conflitos culturais do nosso tempo, o estranhamento do sagrado e a globalização, temas que me são caros, estão presentes em "Cravinho", "Qohélet" e "A peleja de Sebastião Candeia", para citar apenas três contos. Acredito que também avancei na complexa relação entre cultura erudita e popular, transitando mais livremente por esses dois mundos, aparentemente inconciliáveis.

JIVM – Você publicou o primeiro livro de contos, As noites e os dias, em 1996, já próximo dos cinquenta anos de idade. O que o levou a esse “tempo de espera”?

RCB – Você lembra o filme Fanny e Alexander, de Ingmar Bergman? Tem uma bela metáfora sobre a arte, ou sobre a alma, se você preferir. Na casa de um judeu antiquário, que salva o menino Alexander do padrasto tirano, a alma do artista, vou chamá-la assim, é representada por Ismael, O Proscrito, que vive preso num quarto, guardado por cadeados e correntes. Este personagem masculino é interpretado por uma atriz, acentuando a ambigüidade da criação. Acho que na minha vida e na de muitos artistas, estou lembrando o italiano Lampedusa, aconteceu algo semelhante. Carregamos esse artista encarcerado dentro de nós, visitamo-lo vez por outra às escondidas, temerosos de que ele possa soltar-se. Tememos os estragos que acarretaria para as nossas vidas a sua absoluta liberdade. Sim, sempre me ocupei da literatura como o filósofo Espinosa se ocupava das lente s em que dava polimento, para descansar a mente dos pensamentos filosóficos. Todos os dias eu trabalhava os meus contos, estes que estão sendo publicados agora, reescrevendo-os à exaustão. Novelas de vinte páginas encolhiam para seis ou sete páginas. Sempre tirando, limpando, obsessivamente. O conto "Eufrásia Meneses", do Livro dos Homens, foi escrito há 30 anos. De lá para cá, sofreu mais de 50 reescritas. Um trabalho de doido.
Eu também sofria de um certo pavor à publicação, embora a desejasse. É contraditório, mas foi sempre assim mesmo. Além disso, achava que existiam livros demais, que os meus só iriam aumentar a confusão da Babel. E como se não bastasse, naquela época, eu vivia ocupado com o teatro e a medicina. Mesmo para uma pessoa que respira literatura desde pequena, mas que escolheu a profissão de médico, com uma jornada semanal de trabalho de no mínimo 60 horas, sobrava pouco tempo para escrever. Por mais que amasse os livros.

JIVM – Em seus contos há momentos (“Qohélet”, “Milagre em Juazeiro” – Livro dos homens; “Sapo” – Revista Iararana 10) que se aproximam da linguagem cinematográfica. O ritmo, as pausas conduzem o leitor para uma sala de projeção. Em que medida o cinema é uma influência em sua produção literária?

RCB – Quando deixei o Sertão dos Inhamuns e fui morar no Crato, na época a segunda maior cidade do Ceará, meu pai levou-me ao cinema. Tornei-me um viciado, freqüentador assíduo das salas de projeção, um deslumbrado como a Cecília de A Rosa Púrpura do Cairo, de Woody Allen. Via filmes todos os dias, os bons e os péssimos. Sabia as cenas decoradas, prestava atenção nos cortes, na música, nos enquadramentos. Lia e via cinema. Era um caso perdido. A professora do grupo escolar chamou os meus pais e falou preocupada que eu vivia no “mundo da lua”. Foi a primeira vez que escutei essa expressão. Descobri que todo filme e livro, por pior que seja, sempre nos ensina alguma coisa. Quando vi O Evangelho Segundo São Mateus, sem nunca ter escutado falar em Pasolini, entrei em estado de graça, tocado pela ousadia d a direção. Em contrapartida, numa noite de segunda-feira, desligaram as máquinas e suspenderam a projeção de A Chinesa, de Godard, porque toda a platéia preferiu ficar no saguão do Cine Cassino, olhando a chuva torrencial, de pé, presa e sem poder ir para casa, mas também sem querer assistir aquela chatice de filme. Impregnei-me de cinema e literatura como se fossem uma mesma linguagem. Na verdade, misturo teatro, conto, novela, cinema, ao meu bel-prazer. Circulo com naturalidade de um lado para outro. Transformo minhas peças em contos, os contos em peças, sem pudor.

JIVM – E as suas referências literárias mais importantes, quais são?

RCB – Eu gosto de livros que contenham todas as histórias, que pareçam inesgotáveis, que sejam representações do humano e do mítico. Comecei por uma seleta da Bíblia, a História Sagrada. Nesse livro eu aprendi a ler, e nele reconheci meu mundo, o sertão e seus pastores. Aprendi o sentido de amizade, que cultuamos como a mais elevada das virtudes. Muito cedo li a obra de José de Alencar e a de Machado de Assis. Também a de Monteiro Lobato. Depois, por um feliz acaso, tive nas mãos a Ilíada e a Odisséia, livros que nunca mais larguei. Ao mesmo tempo iniciei-me nas Mil e uma Noites, na versão clássica de Antoine Galland. Veio o tempo dos russos – Tolstoi, Dostoievski, Gogol –; do teatro grego, de Shakespeare, de Molière. Curti a moda da literatura latino-americana, até descobrir e esbarrar em Jorge Luis Borges. Li Fernando Pessoa, Lorca, os poetas brasileiros, e também esbarrei no meu eleito, Walt Whitman. Minha descoberta da maturidade são os clássicos indianos, Mahabharata e Ramayana. Não cito aqui a leitura dos contemporâneos, trato de livro que me influenciaram. Recentemente, um crítico escreveu que eu devo a Moreira Campos, contista cearense, cobrando que eu referisse isto. Eu considero Moreira Campos um dos melhores no gênero, mas só o conheci há bem pouco tempo, quando já havia definido o meu ritmo, e escrito esses livros que estão publicados. Devo a Moreira Campos ele ter existido e ser tão bom. E lamento não tê-lo conhecido antes.

JIVM – As personagens femininas são fortes presenças em seus livros. Contos como “Inácia Leandro” e “Cícera Candóia”, do livro Faca; e “Eufrásia Meneses” e “Maria Caboré”, de Livro dos homens, são uma prova disso. Davi Arrigucci Jr., no posfácio de Faca, salienta que essas personagens são “tremendas mulheres em situações extremas numa região específica do Brasil, vivendo dramas universais”. O que o leva à composição dessas personagens?

RCB – Sempre gostei das mulheres e tomei para mim as suas dores. Sou um feminista do feminino. Parece brincadeira, mas é isso mesmo. Você não citou a mulher do Livro dos Homens que mais aprecio, a personagem sem nome do conto "Rabo-de-burro". Na versão do conto para teatro ela se chama Antígona, em homenagem à heroína de Sófocles, que brigou sozinha contra a cidade de Tebas, pelo direito de sepultar o irmão. Sempre refleti sobre a vida das mulheres como minha avó, viúva com 33 anos, nove filhos, uma fazenda para administrar, num tempo em que bandoleiros, bandos de ciganos, levas de retirantes e beatos corriam os sertões, assombrando as pessoas. Minha mãe fazia os trabalhos da casa, educava os oito filhos, ensinava, exercia o papel de enfermeira da comunidade, e à noite costurava nossas roupas, numa máquin a Singer de pedal. Minha mulher, minha filha, e muitas outras mulheres são exemplos de força, coragem e resistência. Os homens se tornaram perplexos diante da afirmação desse poder feminino. Agora estou mais preocupado com os homens, com a nossa fragilidade, o impasse diante de um futuro sombrio, sem rumo certo, uma vez que ruíram todas as certezas em que estávamos assentados. Sim, este é um excelente tema para os meus contos, novelas e romances. Vou ocupar-me dos homens. Nós merecemos compaixão.

JIVM – Apesar das diferenças no processo de criação, parece existir uma confluência temática entre o sergipano Antonio Carlos Viana, o baiano Aleilton Fonseca e você. Os cenários, a presença constante da morte são algumas dessas semelhanças. Pode-se entender que está surgindo um grupo de escritores cuja proposta é a inovação e a retomada da temática do sertão, ou se trata de uma simples coincidência?

RCB – Eu acredito na coincidência de mais escritores da latitude nordestina estarem produzindo e sendo lidos, do que num movimento. Desde que Gilberto Freire estabeleceu os cânones do Movimento Regionalista, e surgiu o Romance de 30, que tentam enquadrar a nossa produção nessa cartilha, esquecendo que já se passaram 70 anos, e que todo escritor escreve na perspectiva do seu tempo. Essa cartilha nos prestou um grande desserviço. Regionalismo virou palavrão. Chamar um autor de regionalista é uma maneira de diminuir o valor do seu trabalho, reduzi-lo a estereótipos, enquadrá-lo em chavões, tratá-lo com preconceito e deboche. Pior do que ser chamado de regionalista só mesmo ser chamado de folclórico. Ou de contador de causos. Escrevi um artigo para a revista Continente com o título "Regionalista é a Mãe". O título foi censurado. É como se nada tivesse acontecido nas bandas de cá desde 1930, o mundo houvesse parado, e nós ainda escrevêssemos com bico de pena. Isto ocorre no mundo inteiro, e no Brasil não seria diferente. Quem detém o poder econômico, o poder da mídia, dita as normas de mercado, estabelece os critérios de qualificação e desqualificação. Estabelece até um modelo de crítica, e o ensina nas universidades. É exemplar um ensaio de Mário de Andrade sobre a poesia de Ascenso Ferreira, alertando para o risco do poeta cair na tipicidade, ele mesmo um regionalista de carteira, porque não há romance mais cheio de tipicidades do que Macunaíma, ou que mais mereça o adjetivo de regionalista.
Eu gosto de Antonio Carlos Viana e de Aleilton Fonseca, mas acho que a nossa escrita é bem distinta. Isto é ótimo. Temos em comum a região em que nascemos, mas não percebo neles, nem em mim, algo parecido com movimento. O sertão de que trato não existe, é pura memória inventada. Escrevo sobre um sertão invadido pelas cidades. E sobre cidades arruinadas pela ruptura com o sertão. Meus personagens, apesar da paisagem desértica, são neuroticamente urbanos. O que é o sertão, você sabe? Eu juro que não sei. No entanto, ele existe. E eu nada mais faço do que procurá-lo.

JIVM – O conto está passando por um processo de revitalização, como consequência tem conquistado mais espaço. Como você analisa este momento do conto e da literatura brasileira?

RCB – Apesar de desprestigiado, em relação ao romance, nunca se publicou tantos livros de contos, almanaques e antologias. Tem muita gente escrevendo bem. Mike Jagger, numa entrevista a Caetano Veloso, disse que conhecia pelo menos dez bandas de rock, melhores do que os Rolling Stones, tocando no metrô de Nova Iorque. Imagine quantos contistas bons existem por aí, desconhecidos. Acho que temos mais contistas no Brasil do que poetas na dinastia Thang, na velha China, onde “cada homem era um poeta”, e a lista dos mais afamados chegou a 2300 nomes.

JIVM – Fale de sua incursão pelo teatro. O dramaturgo influencia na produção do contista?

RCB – Eu sempre escrevi para teatro, desde menino. Tenho muita intimidade com a carpintaria teatral. Mas escrever para teatro implica na perspectiva da encenação, do diretor, dos atores. Se não existe essa perspectiva, não se produz. É a mesma coisa com os roteiros de filme ou as novelas de TV. Você pode até criar uma súmula, mas o texto só sai mesmo, quando existe a promessa da encenação ou da filmagem. Em todas as épocas os dramaturgos escreveram para companhias e encenadores. Eu já tive várias peças encenadas e por isso escrevi bastante. Ultimamente cuido de contos e novelas. Desejo publicar o que está engavetado há anos. No meio dessa papelada, tem teatro, conto, novela, sempre em transformação, um virando noutro.

JIVM – Boa parte dos contistas acaba desembocando no romance. Vai acontecer o mesmo com você? Quais os projetos futuros?

RCB – Venho ensaiando um romance há alguns anos. Não porque ache o conto um formato de narrativa inferior. Pelo contrário. Até acho que no romance se gastam muitas palavras, há excessos dispensáveis. Mas o romance oferece a oportunidade de muitos personagens falarem, de exporem discursos diferentes. É um espaço para teses. Um diálogo de Platão não deixa de ser um romance. Essa nossa conversa, por exemplo, poderia ser parte de um romance. Você não acha? Então, vamos tentar um romance.

sábado, 8 de agosto de 2009

ROSEIRAL - JIVM - DANÇA DAS ROSAS



DANÇA DAS ROSAS


Rege a rosa impensada a duração
e, do ventre do espinho, nasce a forma
terrena da eternidade que passa.
Ah dolorosa dor que me perpassa.

Sozinha, no ar, minha vulva pensa
– rosa impensada a reger duração –
e digo aos tornozelos e aos jambos
esses incomparáveis sons que sinto.

Da régua restam passos a dançar,
os artelhos, as carnes, o infinito,
resta o canto que busca a alegria.

Com a geometria dos meus pés,
pisar na grande terra masculina
e guardar os segredos da roseira.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO


*
Pois é, não me contive, acima postei um dos poemas de meu livro Roseiral, que foi um dos vencedores do edital da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, via Fundação Pedro Calmon. Na modalidade poesia, foram contemplados três livros: Ticket Zen, de minha amiga Kátia Borges; Estudos do corpo, de Alexandre Coutinho, que ainda não conheço; e o meu Roseiral. Claro que estou satisfeito!
Bem, agora vou para Maracás, pois às 19h 30min vai ter o Projeto Uma Prosa Sobre Versos. Adivinha com quem? Com Kátia Borges! Que já deve ter chegado por lá, de Salvador. Daqui de Jequié para Maracás são quase cem quilômetros, então, vou andando, com Linda e meus filhos, Moisés e Gabriel.
Amanhã, pela manhã, faremos uma trilha na nascente do Rio Jiquiriçá. Depois do almoço, irei para a fazenda Pedra Só, meu recanto no meio da caatinga. À tarde, sairei com meus filhos, em nossas montarias, noite adentro. Às 21 horas, a lua vai aparecer no firmamento, aí a gente acende uma fogueira, senta numas cadeiras, e fica escutando o Concerto de Aranjuez, de Joaquin Rodrigo ou O Pássaro de Fogo, de Igor Stravinsky, ou algo assim, acrescido pela sinfonia dos sapos, rãs e grilos, lá da lagoa que fica em frente à casa. Os meninos costumam ficar jogando pedaços de pau na fogueira ou então pedalam em suas bicicletas. Gabrielzinho tem um velotroz – uma espécie de triciclo para bebês. É assim que vai ser o meu dia dos pais. Não poderia desejar nada melhor!!!
JIVM

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

KÁTIA BORGES - MÃE



M Ã E

Mãe, não ponha a mesa,
parece que sou visita,
parece que sou princesa.
Ah, é, sim, ela me diz,
naquele jeito terno dela,
para mim, você é princesa.

KÁTIA BORGES

*

Kátia Borges, poeta princesa, vai se apresentar, no próximo sábado, dia 8 de agosto, no projeto Uma Prosa Sobre Versos, na cidade de Maracás, Bahia. O evento é coordenado por Edmar Vieira e conta sempre com a participação especial do Grupo Concriz, que faz um belo recital com poemas do convidado (a). O Grupo Concriz é composto por 22 jovens da comunidade maracaense e dirigido pelos irmãos Marcelo Nascimento e Vitor Nascimento Sá. Kátia tem motivos de sobra para estar alegre, pois além de viajar para receber essa homenagem, seu livro inédito Ticket Zen acaba de ser um dos vencedores do edital para edição de livros da Fundação Pedro Calmon, da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia. Parabéns, Kátia!

sábado, 1 de agosto de 2009

SANGUE NOVO - GEORGIO RIOS

SANGUE NOVO é uma seção que criei com o intuito de divulgar autores inéditos. A cada mês entrevistarei um jovem poeta, fazendo perguntas básicas, e publicarei três poemas de sua autoria. O primeiro é Georgio Rios.


GARRAFAS AO MAR - GEORGIO RIOS é baiano, nascido em 1981, na cidade de Riachão do Jacuípe, onde vive entre pés de algarobeiras, vendo o romper do sol e lavando os olhos nas cores das madrugadas. É graduado em Letras com espanhol pela Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs). Publicou uma coletânea de poemas em parceria com Paulo André e Thiago Lins, Só sobreviventes (Tulle, 2008). Edita o blog Modus Operandi (http://www.georgio-rios.blogspot.com/), onde publica seus poemas. Conheça mais sobre este jovem poeta que joga seus poemas ao mar, em garrafas, na esperança de que eles cheguem às mãos do leitor.

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Por que ser poeta? Está mesmo preparado para carregar a cruz?

GEORGIO RIOS – Porque não consegui me livrar desta circunstância, algo de sina... Não consigo ficar sem escrever. Mesmo depois de ter me perguntado, nas horas mais calmas, se conseguiria ficar sem escrever, descobri que não consigo, a escrita reverbera, tira o sono, dita. É imperativo, escrevo, logo existo... E o caminho da poesia foi o que me coube abraçar, é o que me arrebata. Ainda que eu escreva prosa ela sobressai. Lições de RILKE.
Carregar a cruz? Estou aprendendo os varedos deste caminho com os calos nos lombos, arde, mais há possibilidades. É uma preparação ad infinitumm. Onde cada novo poema é uma marca deste caminho, marcas que contam história. E vou andando... Caminho longo a percorrer.

JIVM – O que pretende com sua poesia, mesmo sabendo que quase ninguém dá a mínima para o que os poetas escrevem?

GR – Penso, e trato minha poesia tendo como exemplo, um náufrago, que lança ao mar suas garrafas com bilhetes, buscando quem receba a mensagem. Assim, cada poema que escrevo é uma dessas garrafinhas que atiro, e há quem as leia, e assim o trabalho não é vão. A pretensão se é que eu a tenha, é que a minha poesia possa ser lida que alguém possa ter um momento de iluminação ao passear por meus versos, que alguém, algum leitor (a) aprecie o que escrevo. Mesmo insatisfeito com o que escrevo, (lembrando de Quintana), sempre desconfio que o poema ainda possa ser lapidado. Mesmo quase ninguém dando a mínima pra poesia, escrevo, e há alguns raros leitores que admiram e lêem o que encontram nestas garrafinhas... Isso justifica minha escrita.

JIVM – O que você lê? Quais são os autores e obras que são suas influências?

GR – Blogs. Muitos e quase diariamente, o de Kátia Borges, o de Katharine Funke o de Martha Galrão, o da Gerana também, e outros. Boa prosa, e poesia, que tem que ser boa também. Não me prendo a um gênero fixo. É um bom texto, eu quero ler. Mais já li até jornal que apanhava no lixo, por vicio de ler. Muito jovem ainda, peguei um exemplar de Os Sertões, tomado emprestado de uma tia minha pra fazer um trabalho do colégio, li a parte destacada para a excussão da tarefa e nunca mais entreguei o livro. O primeiro poeta que li foi Ferreira Gullar. Um livro que “roubei” na biblioteca da escola onde estudava, eram as obras completas, fiquei fascinado com a dança dos versos na página. Depois de devolver o livro entrei em contato com Drummond, Quintana, Cecília e Manoel Bandeira. Quando entrei na Universidade conheci boa parte dos prosadores que tenho na estante, Guimarães Rosa sempre me prendeu. João Cabral de Melo Neto, A Educação pela pedra é um livro definitivo em se tratando de poesia. Borges, Cortázar, Arlt, João Antonio, José Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos, (fiz até papel de Fabiano em uma peça) Clarice Lispector. Antes já havia lido estes e outros, mais com a Universidade, a gama de escritores que li e que de algum modo me influenciam até hoje tive conhecimento por intermédio das aulas de Roberval Pereyr, e as de Mayrant Gallo, este me apresentou a Kafka. Sobre a literatura Portuguesa, sem dúvidas Chico Lima foi quem me deu as chaves para entrar no mundo de Pessoa, e seus heterônimos... Sem contar que foi na universidade que conheci a moçada que escreve boa literatura aqui na Bahia, e que faço questão de divulgar sempre que tenho oportunidade. Bons escritores e bons amigos a um só tempo: Roberval Pereyr, Mayrant, Sandro Ornellas, José Inácio Vieira de Melo, Gustavo Rios, Ayêska, Renata Belmonte, Carlos Barbosa, Vanessa Bufone. Tem o Ruy Espinheira Filho, li seu livro De Paixões e de Vampiros, recentemente, prata fina. Lupeu Lacerda, Wladimir Cazé, Lima Trindade, Eliana Mara Chiossi, Idmar Boaventura, Cleberton Santos, e outros que também são bons mais não dá pra botar todo mundo aqui... Tenho lido eles com freqüência, boa literatura também pode existir fora do cânone, e este batalhão tem feito bonito nas letras da Bahia. Há um pouco do que eles escrevem no que escrevo.
EU CELEBRO a mim mesmo/ E o que eu assumo você vai assumir,/ Pois cada átomo que pertence a mim pertence a você”. Walt Whitman
Livros como Folhas da Relva de onde retirei o fragmento acima, Estrela da Vida Inteira, Rosa do povo, El hacedor, Grande Sertão: veredas, Jubiabá, Poema Sujo, Pau-Brasil, O deserto dos Tártaros, e outros e outros... Estarão sempre com uma vaga garantida na cátedra da influência. Há também um poeta português que descobri a pouco, o António Ramos Rosa, dono de versos fortes.

JIVM – Quando é que vai sair da gaveta do computador? O que tem pronto? Há alguma perspectiva de publicação?

GR – Bem, os livros vão se escrevendo, e quando junto à produção de uma temporada arrumo em livro, algo que me custa muito, pois não tenho temas, escrevo atentando para o que diz Octavio Paz, sobre o instante consagrado, a poesia nasce deste instante. Recentemente fui atropelado por um doido que para não apanhar o sinal vermelho, entrou na contramão, acertando em cheio eu e minha esposa, gestante de quatro meses, felizmente nada de mal aconteceu conosco, nem com o bebê. Deste incidente nasceu o poema RISCO, que postei no blog logo depois que saí da Clínica. É assim que nascem meus livros.
Prontos, tenho dois volumes de poesia. Um chamado Depois da Chuva, que está nas mãos de uma editora do Rio de Janeiro, especializada em pequenas tiragens, que, após ler alguns poemas postados em meu blog mostrou interesse em publicar. Deve sair uma publicação.
O outro livro que tenho pronto é o Modus Operandi, que está sendo revisado por um poeta amigo meu, e que aguarda uma oportunidade de publicação. Seria bom que este livro tivesse a oportunidade de ser publicado aqui na Bahia, por editora daqui. Mais vamos aguardar. Espero que em breve ele possa sair e ser lido por leitores daqui e de outros estados que faz algum tempo já acompanham meu blog. Sigo escrevendo e escrevendo, outros livros virão com certeza, e a oportunidade de publicar também... Pelo menos acredito nisso, e trabalho para que isto aconteça.

JIVM – E o que mais dizer? Solte o verbo?

GR – Queria dizer: que agradeço a oportunidade dispensada a mim. Que sempre possa haver oportunidades para se tratar de literatura e instigar aqueles que gostam de ler. Fazer com que mais pessoas adquiram este vício que eu adquiri lendo jornais catados no lixo, e que depois passei aos livros, e comecei a escrever... Que haja a viabilização de publicação aos que escrevem, e que tem algo a dizer, estes que tem esta força criadora batendo sempre a porta. Não há escrita que seja simples, como bem diz Borges: “... Não existe na Terra uma única página, uma única palavra, que o seja, já que todas postulam o universo, cujo atributo mais notório é a complexidade”. Que na nossa Bahia haja mais espaços e mais eventos onde se possa disseminar o vírus da literatura nos jovens. Que se possa formar um público leitor e um mercado editorial sólido por estas terras da Bahia. E que surjam mais e mais oportunidades pra nós, os novos, que estamos enfrentando as “dores” desta cruz que tomamos. Pois do que foi dito, mais ficou, sem ser dito, pela impossibilidade de dominar a lembrança. Mais a escrita é feita destes espaços vazios, que devem ser preenchidos por quem nos lê. Obrigado a você José Inácio, e a todos os que lerem estas palavras. Que as lacunas possam ser preenchidas!

TRÊS POEMAS DE GEORGIO RIOS




















VENTO



Ainda não aprendi a inventar o vento
sei voar em silêncio
as asas me crescem
quando menos preciso

Sei ser este pássaro secreto
que rasga os ares

E olhar o chão sem desprezo
sem o medo

Sei
apenas correr como o tempo
que não pára, nem pretendeparar...



SOBRE O OUTONO E AS ÁRVORES


Não são os olhos das árvores
que vergam os galhos.

As folhas, e sua rebeldia,
deitam no chão,
o preço da pequena liberdade.

Nasce o outono,

o tom gris e a forma
invadem a casa e entram nos olhos

fazendo dormir ombros cansados.



MATUTANDO SOBRE O SERTÃO


Pois
o Sertão é isso:
uma vasta estrada que sai cá de dentro
e arruma num sem fim de veredas
um não sei quanto de caminhos

E é nada e tudo
saltando dos olhos
de dentro do dentro

Pra sumir e aparecer de novo
em todo lugar

Suspeito que o Sertão seja
eu e todo mundo junto
dentro das linhas desta mesma história...