quinta-feira, 3 de março de 2022

ENTRE/VISTAS - JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

 Por Artur Gomes


José Inácio Vieira de Melo: "Eu só sou quando estou na Poesia"

Conheci a poesia de José Inácio Vieira de Melo através de seu maravilhosos livro Sete, pelas redes acompanho atento a sua produção, seja com a poesia escrita, seja através das suas leituras em vídeo, poeta com quem encontro grandes afinidades, na forma de pensar e transpor para o branco do papel suas vivências. "Unguento", é um poema que eu gostaria imensamente de ter escrito e prometo que em breve estará no meu repertório de Poesia Falada. 

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia? 

José Inácio Vieira de Melo - Eu só sou quando estou na Poesia. A Poesia é o processo. 

Artur Gomes - Seu poema preferido? Seu ou de um outro poeta de sua preferência. 

JIVM - O poema 2 do canto I - “Fundação da ilha”, do livro Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima, onde há uma quadra que diz assim: Mesmo sem naus e sem rumos,/ mesmo sem vagas e areias,/ há sempre um copo de mar/ para um homem navegar. 

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira? 

JIVM - Já tive vários, em momentos distintos da vida: Patativa do Assaré, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, Gerardo Mello Mourão, Herberto Helder... Porém, cada vez mais, Jorge de Lima tem se firmado como uma referência fundamental, assim como os contemporâneos Roberval Pereyr e Salgado Maranhão. 

 Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsiona para escrever? 

 JIVM - Apenas me movimento e sigo pelos caminhos que vão surgindo a partir desse movimento. Vez por outra, sou convocado pela Deusa Poesia, e aí não tem muita explicação, a criação vem com as imagens mais insólitas e, muitas vezes, das mais delirantes esferas. E nessas horas, sou pura entrega, numa dedicação sem limites. 

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua vida? 

JIVM - É necessário citar ao menos três: Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez; Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa; e O guardador de rebanhos, de Alberto Caeiro/Fernando Pessoa. 

Artur Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia? 

JIVM - Sim. A música. Vários compositores, grandes talentos, têm musicado meus poemas e, vez em quando, coloco letra em alguma melodia. Para mim, é uma grande alegria ter parceiros musicais em todas as regiões do Brasil. Já fiz também alguma coisinha para teatro, a pedido de Jackson Costa, ator e diretor baiano. Agora, estou sendo convocado, pelo cineasta baiano Rogério Sagui, a fazer roteiro de filme e de série de televisão, mas ainda não tive coragem de encarar essa parada. Ando muito acomodado, muito mesmo. 

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho? 

JIVM - Pedra no meio do caminho é o que não falta. Então, vários poemas vieram das topadas. Porém o mais emblemático se chama “Exercícios crísticos”, de Decifração de abismos, meu segundo livro, publicado em 2002. 

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho? 

JIVM - Para o inferno seguirá o verme que hoje se espoja na cadeira do presidente. O vírus também passará, como toda tempestade. Nós, que sabemos cantar e apreciar a existência, continuaremos passarinhos. Mas também passaremos, leves como folhas ao vento. Lembrar, sempre lembrar, com José de Alencar: Tudo passa sobre a terra. 

José Inácio Vieira de Melo: "Escrevo para me estender a todo ser"

Artur Gomes – No prefácio do livro Pátria A(r)mada o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele trás as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo? 

JIVM - Eu sou um Fulni-Ô. Tenho parentesco com os Xucuru-Kariri e com os Payayás. Aproximei-me dos Tucujus, pelos quais tenho amor. Escrevo para me estender a todo ser, a toda pessoa. Eis a minha aldeia. 

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia? 

JIVM - "O poeta tira tua maquiagem/ e escancara tua lepra/ e mostra o quanto és fedorento.// O poeta te desavessa/ te mostra por dentro/ e revela o quanto és perebento.// Por isso que na entrada/ da tua casa, da tua alma/ essa placa bem transparente:// não há espaço para poetas/ e essa coisa de poesia/ é uma praga de gente vadia.// Mal sabes tu, que a poesia/ é o unguento.// Muitas vezes abre feridas,/ mas é só para extirpar,/ de vez o veneno.// A poesia é o bálsamo/ que atravessa todos os tempos". Como pode ver, a resposta veio em forma de verso. O nome deste poema é “Unguento”. Ele faz parte do meu livro inédito Garatujas Selvagens, a ser publicado ainda este ano. 

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder? 

JIVM - Faltou nada não. Está tudo certo (E nada está certo).


Entrevista feita pelo escritor Artur Gomes. Foi publicada no blog entre/vistas (https://arturgumes.blogspot.com/) em 9 de fevereiro de 2021.

Fotos: Ricardo Prado.