sábado, 27 de março de 2010

JIVM - CÂNTICO DOS CÂNTICOS


Ilustração: Daniel Biléu


CÂNTICO DOS CÂNTICOS


Que as tuas nádegas aventureiras estejam abertas
para o poema em linha reta que te ofereço,
que a minha escrita torta e avessa
chegue linheira na olaria de tua carne
e ardas e ardo neste morno forno
das tuas nádegas tão abundantes.

Das tuas nádegas tão montanhosas
o horizonte é mais macio e a minha linguagem
saboreia o mel do fel que trazes
e de teus olhos gemem os arco-íris
e teu corpo todo é um esplendor, uma assombração
e quanta delícia anunciam teus arrepios
e tuas nádegas aventureiras tão venturosas
são uma tempestade de emoções.

Que idioma mágico que tu inventas
quando me aventuro por tuas nádegas
e me perco profundamente e profundamente
me encontro na plenitude cega que tudo enxerga
e profundamente me encanto cantando uníssono
neste nosso idioma o novo cântico dos cânticos.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

Poema do livro Roseiral

domingo, 21 de março de 2010

ENTREVISTA - MARCELO NASCIMENTO



TORMENTO E ÊXTASE – Ao entrar no Auditório Municipal de Maracás para assistir os ensaios do Grupo Concriz, normalmente ouve-se logo a voz tonitruante de MARCELO NASCIMENTO a chamar a atenção: alguém errou o verso que recitava; outro quebrou o ritmo de tal verso; aquele parece estar com fome, pois está recitando sem força. Observações sempre seguidas de uma gargalhada folgazona. Assim é o poeta Marcelo Nascimento, co-diretor do Grupo Concriz, equipe de jovens poetas e recitadores que, desde 2007, realiza recitais em diversas cidades da Bahia. Marcelo nasceu em 1983, em Maracás, onde reside, e trabalha no Instituto de Educação de Maracás. Sobre sua atuação no Grupo Concriz diz “Meu objetivo é fazer com que as pessoas possam sentir algo de diferente e que esse sentimento possa despertar em alguns a paixão que despertou em mim”. E mais “Pretendo continuar gritando versos por aí feito um louco e recrutando novos loucos para essa batalha tão árdua e tão fascinante”. Vamos, então, conhecer um pouco mais sobre esse jovem poeta que vive o tormento e o êxtase da poesia.

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – A sua ligação com a poesia é bem recente. Fale como aconteceu. E, a partir daí, qual o espaço que a poesia passou a ocupar em sua vida?

MARCELO NASCIMENTO – Sim, realmente a poesia na minha vida é algo muito novo. Na minha infância e adolescência, tive pouco contato com a literatura. Com a poesia o contato foi ainda menor: somente alguns poemas em livros didáticos, alguns versos soltos de poetas famosos. Mas nada me chamou a atenção a ponto de me despertar algum interesse. Só em 2007, precisamente no lançamento do seu livro, A infância do Centauro, em Maracás, quando ouvi o Grupo Concriz recitando, é que algo me incomodou. Daí em diante, passei a ler alguns poemas. Foi quando conheci Paulo Leminski que percebi que estava sendo tomando pela poesia e, desde então, ela me acompanha, me atormenta. É meu fardo, mas também é meu êxtase e esse é o grande encantamento do qual sou mais uma vítima. Não saberia mais viver sem essa explosão de sentimentos que só a poesia me proporciona.

JIVM – Além de poeta, você atua em uma turma de jovens recitadores, o Grupo Concriz, como coordenador e como uma das vozes de destaque nos recitais. Fale dessa experiência, numa perspectiva pessoal e também de grupo.

MN – Minha história com a poesia está diretamente ligada com o Grupo Concriz e é graças a esse trabalho que desempenho como recitador e um dos coordenadores que tenho a oportunidade de conhecer vários autores e estudar mais profundamente suas obras. O grupo veio me acolher num momento muito difícil da vida e logo se tornou minha família. Hoje, como parte do grupo, vejo o papel social da arte e, consequentemente, do artista. Somos formadores de opinião, nosso compromisso é facilitar o acesso das pessoas à poesia em uma época em que vemos tantos jovens alienados por uma mídia massificadora que impõem à nossa sociedade um processo de imbecilização, com programas que se baseiam na exploração da miséria alheia para manter altos níveis de audiência e de músicas que se dedicam a vulgarizar o sexo, transformando uma relação tão delicada e íntima em algo banal, sem o menor censo de respeito aos nossos ouvidos.

JIVM – Percebe-se que você lê muito. Já selecionou poemas para mais de 15 recitais de poetas diferentes. Qual o critério que você utiliza para selecionar os poemas? O que fica para você de cada poema e de cada poeta. Quais são as suas referências?

MN – Não me considero ainda um devorador de livros. Sei que posso e devo ler mais. Quando o Grupo Concriz está em temporada de recitais, fico muito focado nos poemas do autor que estamos trabalhando e acabo por não conseguir manter o ritmo de leitura desejado. Mas não posso negar que, mesmo assim, leio bastante, principalmente se levado em conta o nível de leitura do brasileiro. Selecionar poemas para um recital é uma paixão que demorei a descobrir. O meu primeiro critério é sentir como vai ficar um poema recitado, qual será a reação do público ao ouvi-lo. Meu objetivo é fazer com que as pessoas possam sentir algo de diferente e que esse sentimento possa despertar em alguns a paixão que despertou em mim. E isso vem funcionando de forma, no mínimo, razoável. Posso perceber isso quando vejo tantas crianças e adolescentes procurando nosso grupo com interesse de participar desse mundo tão espetacular. Cada poema deixa muito para mim. Alguns deles ficam tão enraizados no meu ser que sinto como se fossem um pouco meus também. De cada poeta tento sugar o máximo das suas experiências e de sua infância. A história de cada autor, seja ele poeta ou de qualquer outro gênero, me faz entender melhor sua produção e me guia pelos caminhos da palavra, mostram-me as possibilidades de caminhos que tenho como poeta. Assim, vou criando minhas referências que incluem os poetas consagrados, como Carlos Drumond de Andrade, Manoel Bandeira, Mário Quintana, Cecília Meireles, Paulo Leminski, Fernando Pessoa, Pablo Neruda, Federico García Lorca e outros nomes. Recentemente, tive o grande prazer de ler alguns poetas russos. Fiquei encantado com Vladimir Maiakóvski e Sierguéi Iessiênin. Mas também tenho dedicado uma atenção especial aos poetas baianos vivos: Adriano Eysen, Aleilton Fonseca, Antonio Brasileiro, Antonio Carlos de Oliveira Barreto, Carlos Barbosa, Cleberton Santos, Damário Dacruz, Eliana Mara Chiossi, Elizeu Moreira Paranaguá, Florisvaldo Mattos, José Inácio Vieira de Melo, Kátia Borges, Lita Passos, Rita Santana, Roberval Pereyr, Ruy Espinheira Filho e outros que desempenham um trabalho tão árduo para um público tão reduzido. Venho lendo esses autores pelo meu trabalho com o grupo e também por entender que é importante, para um leitor, conhecer o que vem sendo produzido em sua própria época. Fico triste em pensar que estão esperando que nossos poetas morram para darem a eles a devida atenção.

JIVM – A que você atribui o êxito do Grupo Concriz? O que você sente ao participar de um recital? E qual a impressão que você tem dos seus colegas durante um recital?

MN – Eu considero que nosso êxito se deve a 10% de talento e 90% de dedicação, responsabilidade e perseverança. Não teríamos chegado onde estamos se não fosse por nossos esforços diários. Quando falo dos nossos esforços, não poderia deixar de mencionar algumas pessoas que, mesmo não subindo ao palco, fazem parte do grupo e tem uma dedicação incondicional para que nosso trabalho seja sempre um sucesso. Devemos muito a Edmar Vieira, diretor de cultura de Maracás, criador do Projeto Uma Prosa Sobre Versos – um projeto que, uma vez por mês, tira famílias inteiras de casa para nos ouvir recitar no Auditório Municipal e para ouvir um poeta falar sobre sua obra. Temos gratidão também a Manoel Paciência, um gênio do artesanato que assumiu conosco um compromisso mensal com a decoração para nossos recitais; a você, Inácio, por sua incansável luta para levar o nome de nosso grupo em qualquer lugar que vá; a outras pessoas que, de um jeito de outro, estão sempre nos ajudando como podem.
Apresentar um recital, para mim, é mágico. No momento em que estou no palco, sinto-me o próprio Deus reescrevendo o Gênesis, reconstruindo o mundo do meu jeito. Meus colegas de palco são guerreiros e fadas. Eles são as pessoas mais importantes do mundo. Naquele momento, devo cuidar deles e dar-lhes segurança. E são eles as pessoas que me dão o apoio que preciso. Tenho total confiança neles e sei que são grandes heróis.

JIVM – E agora? Quais os caminhos do poeta Marcelo Nascimento e de sua poesia? E o que mais?

MN
– Sem dúvidas, o caminho das incertezas. Pretendo continuar gritando versos por aí feito um louco e recrutando novos loucos para essa batalha tão árdua e tão fascinante, continuar também estudando – ainda preciso descobrir muito do Marcelo homem e principalmente do artista, recitador e poeta. Só assim vou conseguir descobrir um pouco dos meus caminhos e dos caminhos da poesia.
No mais, resta-me deixar meus agradecimentos a você, José Inácio Vieira de Melo, não só pela oportunidade de falar sobre minha escrita e meu trabalho com o Grupo Concriz, mas também por tantas leituras indicadas, por tantos poetas promissores que traz ao conhecimento do público através da coluna Sangue Novo no seu blog, nos ajudando a tirar nossos poemas das gavetas e lançá-los ao mundo. Precisamos de mais pessoas como você, comprometidas em incentivar novos leitores e escritores numa nação tão carente de cultura literária. Resta-me, além disso, agradecer aos poetas com quem tivemos a honra de trabalhar, sempre tão generosos, derramando elogios sobre o Grupo Concriz, aos meus colegas de grupo pelo engajamento nos caminhos das palavras e aos amigos e familiares sempre prontos a apoiar e incentivar o Marcelo poeta.

TRÊS POEMAS DE MARCELO NASCIMENTO















ÉPICO


Não me importa quem roubou
a mulher daquele espartano estúpido.
Só quero meu lugar seguro
aos muros de Tróia, para me deleitar
com o sangue derramado nos combates.

Assistirei de camarote, o bravo
domador de cavalos sendo
arrastado por suas praias onde,
não faz muito, desancava ao sol.

Assistirei a todas aquelas desgraças
de um jeito um tanto estranho,
dando risadas, fazendo intrigas,
aumentando suas raivas e
saboreando seus corpos mutilados.

Não sairei do meu posto até ver
aquele semi-deus, o mais arrogante
dos mortais, o destemido guerreiro,
cair aos meus pés, atingido
pela flecha do covarde vingador.

E então ele sentirá a fúria
de um verdadeiro Deus.



CIRCO DAS PALAVRAS


Meu mundo é um picadeiro.
Não tenho lonas,
senão esse punhado de estrelas
que cobrem minha fronte.

Cada qual em seu ofício:
o meu é domar palavras,
e, às vezes, lançá-las feito punhais,
cravando-as em minha realidade.

Domar palavras e equilibrá-las
na ponta da língua, pensar antes de
deixá-las ganhar o respeitável público.



CORREÇÕES DO MUNDO


Quando fui Deus, deixei a humanidade
em suas próprias mãos, desisti de por
na mão de meu filho a ferrugem da
salvação eterna. A coroa de espinhos
não lhe coube na cabeça.

Quando fui Deus, dos dez fiz apenas
dois mandamentos: Não adorai a
nenhum deus e amai uns aos outros
como bem quiserem. Seja fraterno ou
carnal, mas seja amor.

Quando fui Deus, não criei Lúcifer,
serpentes, maçãs, dilúvios.
A arca de Noé foi desnecessária.
Seu nome nem foi citado nas escrituras.

Quando for Deus novamente, farei
o planeta achatado e o sol girando
em torno dele. Pois, assim, Galileu
quando for decapitado não será
injustamente.

segunda-feira, 15 de março de 2010

A SEIVA DO ROSEIRAL NO VALE DO JIQUIRIÇÁ



Pois é, nesta semana, precisamente na próxima sexta-feira, dia 19, começa a maratona de lançamentos que farei do meu livro Roseiral em cidades do Vale do Jiquiriçá. Serão cinco eventos. Em todos contarei com a participação especialíssima do Grupo Concriz, que apresentará um recital com poemas do Roseiral. Em todos farei a palestra Painel da Poesia Baiana Contemporânea e, claro, falarei do Roseiral. A escolha desses municípios deu-se por uma questão afetiva e também pela orientação do meu amigo Edmar Vieira. Quero agradecer às pessoas que estão se empenhando para que tudo aconteça da maneira mais agradável possível: ao Hérmeson, diretor do Colégio Estadual ACM, na cidade de Santa Inês; ao Regivânio, diretor de cultura de Itiruçu; ao professor André Galvão, meu colega de mestrado, que está organizando tudo lá em Amargosa; ao Edmar Vieira, diretor de cultura de Maracás e que também exerce funções culturais na cidade de Planaltino; e ao Vitor Nascimento Sá e a toda galera do Grupo Concriz. E viva a poesia!

JIVM

quinta-feira, 11 de março de 2010

ENCONTROS LITERÁRIOS NA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA


O projeto Encontros Literários, do Ponto de Cultura da Academia de Letras da Bahia, começa no dia 19 de março. Coordenado pelo poeta Luís Antonio Cajazeira Ramos, O projeto acontece uma vez por mês e homenageia escritores baianos, alternando, a cada mês, entre duplas de ficcionistas e de poetas, sendo que um deles deve ser membro da ALB. Os homenageados lêem seus textos (poemas, contos e/ou trechos de romances), que logo em seguida são comentados por dois estudiosos – professores universitários e críticos literários. A programação de 2010 começa com os ficcionistas Carlos Ribeiro (membro da ALB) e Lima Trindade, que terão seus contos comentados pelo professor doutor Luciano Lima (UFBA / UNEB) e pela jornalista Suzana Varjão. Após o evento haverá o lançamento do livro Contos de sexta-feira, de Carlos Ribeiro.
No mês de abril, terei o prazer de participar desse projeto ao lado do poeta Florisvaldo Mattos (da ALB). Nossa participação vai ser em 16 de abril, dia de meu aniversário de 42 anos, o que para mim é mais um motivo de alegria. Nossos poemas serão analisados pelos professores doutores Cid Seixas (UFBA / UEFS) e Eliana Mara Chiossi (UFBA / UEFS), ambos também escritores. Logo depois do projeto, lançarei meu livro Roseiral. O lançamento vai contar com a participação de seis integrantes do Grupo Concriz, da cidade de Maracás. Sei que vai ser um momento muito especial.
Vejam a programação do primeiro semestre no cartaz abaixo:

terça-feira, 2 de março de 2010

JIVM - FRONTEIRAS


Ilustração: Daniel Biléu


FRONTEIRAS


Perdido sem lua nem uivo,
para mim só tem um caminho:
riscar esporas no vazio.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

Poema do livro Roseiral