sexta-feira, 30 de julho de 2010

JIVM - VINGANÇA


Ilustração: Daniel Biléu

V I N G A N Ç A


Eu vou pegar o machado de meu avô para te partir ao meio.
Tu me abandonaste no meio do tempo
e eu ainda estou perdido no meio da mata da tua ignorância.
Eu sou fraco, muito fraco. Eu corri para todos os lados
com os olhos esbugalhados sem saber para onde ir,
porque eu tinha medo, eu tinha muito medo, eu morria de medo.

Aí eu olhei pros quatro cantos e não enxerguei nada.
Eu não conseguia ver a imensidão,
apenas sentia um imenso abandono.

Eu vou me vestir de índio para tirar teu escalpo,
e vou dançar ao redor da fogueira dos tempos,
e no caldeirão dos meus prazeres cozinharei tua carne morena,
e, na brasa das tempestades que gritam o meu desespero,
assarei tuas carnes e banquetearei os que alimentaram tua ambição.

Já podes sentir a justiça do machado do meu avô:
o teu sangue lava os focinhos dos porcos.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

domingo, 25 de julho de 2010

MARIANA IANELLI - FLOR DO OFÍCIO


Foto: Petronio Cinque


FLOR DO OFÍCIO


Emboscada no silêncio
Eu preparo a rosa inútil
Com as horas que salvei
Do desperdício.

Feito um verme
Decompondo ceticismo
Em força indômita,
Preparo e deito essa flor
No teu caminho
Para quando o teu corpo
(Tão quebrantável quanto o meu)
For sozinho pastorear
Seus demônios no vazio.

Quase dois mil anos
Guardado no deserto
Um salmo esperou
Para recobrar sua melodia –
E eu não te esperaria?


MARIANA IANELLI


Kátia Borges entrevista Mariana Ianelli:
A FEBRE MÁGICA – “Sinto falta de poemas que emocionem”
Clique no link abaixo, leia e comente a entrevista,
publicado em 25/07/2010, na revista Muito, do jornal A Tarde, em Salvador:
http://revistamuito.atarde.com.br/?p=5300

segunda-feira, 19 de julho de 2010

SANGUE NOVO - DANIEL FARIAS



REGISTRO DE MOMENTOS – DANIEL FARIAS nasceu em Recife, Pernambuco, em 1985, no dia da árvore. No verão, sua família mudou-se para Salvador, quando tinha quatro meses. Não mudou mais de bairro nem de sotaque: pernambaiano, de pitubalina. Aos sete anos aprendeu a ler. Aos 14, entrou para o teatro. Aos 21, fez cirurgia para correção de três graus de miopia e astigmatismo: passou a ver o mundo com mais brilho e a publicar poemas em seu primeiro blog. Formou-se em Direito pela UFBA. Sua carteira de trabalho, no entanto, indica apenas uma profissão: artista, ator. Para isso muito contribuíram os quatro anos que passou no grupo Vilavox, então residente do Teatro Vila Velha. Há seis anos trabalho como professor de teatro e como monitor de colônias de férias com crianças e adolescentes, que o alimentam muito com as visões que têm do mundo. Escreveu quatro textos infanto-juvenis. Edita o blog http://www.seeufosseumlivro.blogspot.com/. Dedica-se de maneira integral ao teatro, nada pelas manhãs e procura executar as mil idéias e projetos.

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Por que ser poeta? Como foi o despertar da poesia em você?

DANIEL FARIAS – A pergunta que me levou a ser poeta foi “por que não sê-lo?”. Antes dela houve um processo de autodescoberta, um caderno/coleção de frases, poemas e citações (que me levaram a criar as minhas) e uma mudança no caminho de casa numa noite: encontrei um amigo, por acaso, num ponto de ônibus. No papo de atualização das vidas (que durou hora) me disse ser poeta e ter um blog. Depois de lê-lo, cheio de comentários, descobri outro universo: de poetas vivos, de leitores atentos e de muito a ser dito. Então passei a publicar e não parei de escrever. No início era apenas prosa, um pouco distante em terceira pessoa. Mas foi inevitável aproximar-me de mim mesmo para continuar. E então veio: por que não? Já que estamos vivos, como a poesia.

JIVM – A poesia exerce algum papel na sociedade? E o que você pretende com sua poesia?

DF – A poesia, como toda arte, é alimento. Não conheço quem viva sem. Ela é a pausa necessária e urgente a todos os membros da sociedade. Ela é multifacetada, etérea e se adapta facilmente. Podemos vê-la em diversos momentos de nossa vida, ela ultrapassa os versos e os papéis, esses são apenas meios de registrá-la. Daí porque às vezes talvez passe despercebida e é justamente por isso que precisamos lembrar de sua existência. E de sua importância na sensibilização dos homens: de seus olhares, de suas relações, de suas percepções de mundo e dos outros. Se, de alguma forma, meus versos puderem, minimamente, contribuir com isso, estarei satisfeito.

JIVM – Quais são os seus poetas referenciais? O que você está lendo atualmente? E prosa você lê também? Mais conto ou romance?

DF – Comecei com Drummond. Converso com Vinícius e Pessoa. Waly me intensifica. Arnaldo me expande. E é sempre bom passear por Leminski, Bandeira e João Cabral. Ultimamente tenho lido e me admirado com poetas que tive a honra de conhecer pessoalmente: Cajazeira, José Inácio, Kátia Borges e Eliana Mara. Com Damário não dei essa sorte, mas sinto-me próximo pela amizade que tenho com seu sobrinho. Minhas amigas Emília Nuñez, Fernanda Veiga e Raiça Bomfim também são simplesmente maravilhosas. Leio muitos livros em prosa, a grande maioria são romances. Meu melhor amigo nesse estilo morreu recentemente, ocasião em que soube que Saramago é um tipo de árvore que nasce nos escombros. Calvino, Cortázar e Dostoiévski também foram grandes acontecimentos.

JIVM – Heidegger definiu a poesia como “fundação do ser mediante a palavra”. O que você acha dessa definição? E você como define a poesia? E mais, como você define a sua poesia?

DF – Gosto muito da definição de Damário: “Para que serve a poesia? Para fazer o homem. Para que serve o homem? Para fazer poesia.” Talvez seja onde o homem é mais humano. Sendo esse o manancial da fundação, ótimo. Um local para onde voltarmos para lembrar quem somos. Gosto de pensar minha poesia como o registro de momentos sob meu olhar, a paralisação do tempo, o recorte de algo essencial e sua reverberação em mim. A poesia é um sinal amarelo (http://seeufosseumlivro.blogspot.com/2009/06/sinal-amarelo.html). A única maneira que conheço de compartilhar tudo isso é o poema, já que não desenho.

JIVM – Algum livro em andamento? Quando o poeta Daniel Farias pretende sair da gaveta, melhor dizendo, do blog para o livro? Tem algum outro projeto que tenha ligação com a sua poesia? E o que mais?

DF – Acho fundamental ultrapassar a virtualidade. Concordo com Caetano quando diz que “os livros são objetos transcendentes, mas podemos amá-los do amor táctil”. É uma honra integrar essa iniciativa perspicaz do Sangue Novo. Tenho um projeto com alguns amigos em fase de seleção no edital estadual de criação literária (estamos habilitados, pelo menos - risos). Chama-se Segundos Instantes, e é voltado para esse segundo olhar sobre os intervalos. A proposta inclui palestras de fomento à escrita e à captação poética, para que outros jovens sintam-se legitimados a tanto. Acho importantíssimo vencer a inércia e propor essas coisas, é uma vitória contra nós mesmos. O próprio título de meu blog aponta para isso. Talvez mude o seu tempo verbal, inclusive. Outra idéia é reunir alguns poemas em um livro chamado Quandos. Outro projeto é o espetáculo Há Mar, poético e itinerante, também com amigos e também no aguardo. Além disso pretendo colocar poesia no rádio. Precisamos fazer com que ela chegue desmistificada ao encontro do maior número de pessoas. A percepção poética também é mote para um experimento audiovisual, também em pré-produção, intitulado Paissagem. Alguns escritos foram recentemente inseridos no espetáculo A Canoa, do Groove Estúdio Teatral. No mais? Sigo priorizando minha maior paixão: o teatro! E brincando de fazer música no violão, uma hora apresento alguma coisa, sempre com amigos, sempre com prazer.

TRÊS POEMAS DE DANIEL FARIAS
















durma de janela aberta


um dia desses
opte pelo caminho
mais bonito

seja turista
em sua própria casa
e fotografe
ainda que na retina
a cor e a inclinação
do sol visto
daquela esquina

se apaixone de novo
pelo mesmo sorriso
não há de ser sem motivo

lembre-se daquela praia
ou daquele café
e vá

ainda que chova
ou que seja terça
sem pressa

se parar nas luzes vermelhas
ouça das músicas as letras
baixe o volume para escutar
sua cabeça mas aumente se ela quiser
gritar

sorria
seja gentil
olhe olho
abraçe com braço

um dia desses
e são tantos



da gravidade do acaso


se isso que eu sou
de fato te importasse
decerto que abria essa porta
e se impunha

me arrebatava na hora
e me transportava agora
pra fora da força da sorte

pra perto
pro aperto
pra dentro



ressonância


cada eco
tem o tamanho
exato
de seu abismo

com calma
o tempo
te transforma
em silêncio

sábado, 17 de julho de 2010

WILMAR SILVA E JIVM PELOS VAREDOS DA PEDRA SÓ


O poeta mineiro Wilmar Silva passou uma semana aqui na Bahia, em nossa companhia. Participou de eventos em diferentes cidades do estado e, além de ter encantado e de ter causado espanto com sua arte conceitual e terral, fez várias amizades. Para mim, um dos momentos mais marcantes desse nosso encontro foi a ida para a Pedra Só – a minha roça. Chegamos ao fim do entardecer, quando já estava escurecendo: Wilmar Silva, Vitor Nascimento Sá, Ivana Karoline e eu. Acendemos uma fogueira e ficamos a contemplar as estrelas, a ouvir música e poesia. Ouvimos, silenciosamente, o cd de poesia biosonora Neo Não – Wilmar Silva acompanhado pela guitarra do Francesco Napoli. Depois, ouvimos alguns poemas meus recitados por Chico de Assis e por Rita Santana. E lá para uma hora da madrugada, fomos dormir. De manhã, pegamos os cavalos e cavalgamos mundo afora, caatinga adentro. À tarde, seguimos rumo a Salvador. Abaixo, deixo o registro da nossa caminhada pelos varedos do Grande Sertão. Wilmar Silva e José Inácio Vieira de Melo – dois poetamigos.
JIVM

“Meu cavalo e eu – Centauro do Sertão”

“eu/ cavaleiro, invisível é meu galope”

“Centauros morenos brotados de seus couros
de seus cascos famosos de cavalos inteiros”

segunda-feira, 5 de julho de 2010

VERÔNICA DE VATE - WILMAR SILVA


Foto: Paulo Lacerda

WILMAR SILVA, Rio Paranaíba, Minas Gerais, Brasil, 30 de abril de 1965. Poeta, performer, editor, artista visual e sonoro, pesquisador com formação em artes cênicas, letras e psicologia. Autor dos livros de poesia: Çeiva (Brasil, 1997), ANU (Brasil, 2001), Arranjos de Pássaros e Flores (Brasil, 2002), Cachaprego (Brasil, 2004), Yguarani (Portugal, 2009), Lágrimas en el Lago de Púrpura (Argentina, 2009), Silvaredo (Brasil, 2010), Astillas en el Lago Púrpura (República Dominicana, 2010). Performances: Afrorimbaudelia, Subida ao Paraíso, O sétimo Corpo, Ee Tu Mao, Eusmaranhados, NeoNão. Antologias: Antologia da Nova Poesia Brasileira (Brasil), A Poesia Mineira no Século XX (Brasil), Oiro de Minas a nova poesia das Gerais (Portugal), Máscaras de Orfeo (República Dominicana). Organizou as antologias: O achamento de Portugal (2005), Terças Poéticas: jardins internos (2006). E a contraantologia: Portuguesia (2009), livrodvd com 101 poetas de Portugal, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Brasil (Minas Gerais). Fundador e editor da Anome Livros, prêmio Jabuti 2009. Curador do projeto de leitura, vivência e memória de poesia Terças Poéticas, Fundação Clóvis Salgado, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Desenvolve pesquisa de poesia de língua portuguesa Portuguesia: Minas entre os povos da mesma língua, antropologia de uma poética (http://www.portuguesia.com.br/). Editor e apresentador do programa Tropofonia (http://www.tropofonia.com.ar/), rádio educativa 104,5 UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Artista convidado: Fórum das Letras (Ouro Preto, MG, Brasil), Psiu Poético (Montes Claros, MG, Brasil), Bienal do Livro de Minas (Belo Horizonte, MG, Brasil), Feira do Livro de Santo Domingo (República Dominicana), Bienal do Livro de Fortaleza (Ceará, Brasil), Congresso Brasileiro de Poesia (Bento Gonçalves, RS, Brasil), Festival Tropofonia (Rosario, Argentina), Encontro Internacional de Poetas de Coimbra (Portugal), Bienal de Poesia de Brasília (Distrito Federal, Brasil), Otono Cultural Ibero-americano (Huelva, Espanha). Blog: http://www.cachaprego.blogspot.com/

*
Wilmar Silva chegará em Salvador na próxima quinta-feira, 8 de julho. Vai participar do projeto Uma Prosa Sobre Versos, na cidade de Maracás, no dia 9, às 19:30 hs, no Auditório Municipal. no dia seguinte, 10 de julho, estará em Jequié, onde participará do projeto Travessia das Palavras, na Biblioteca Central, às 19:30 hs. Os dois eventos contarão com a participação especial do Grupo Concriz. No dia 14, Wilmar Silva estará na Fundação Casa de Jorge Amado, no Pelourinho, como escritor convidado do projeto Com a Palavra o Escritor, que vai começar às 17 horas. A escritora Rita Santana é quem vai fazer a apresentação do poeta mineiro.


ARRANJOS DE PÁSSAROS E FLORES


Arranjo de melro e dálias

eu/ cavaleiro, invisível é meu galope
atrás do perfume que exala no breu/
nessa praia de cascalhos e penhasco
onde apenas eu, influência de vento,
lavo teu corpo com a própria lima e
enxugo o suor de virilha à língua/
rubi chicote, carmim espora, eu síncope
costas quase ícones meio cones eu-dreno
melros de cetim eu, de sede te sedo
foz de orgasmo no festim floral


Arranjo de gaivotas e pampulha

eu-menino-do-campo, te faço conviva
e digo que a palavra que escrevo é
origem, invento gaivotas no sertão
ilha é meu corpo de encontro ao teu
aqui, longe, após o inverno da tempestade
verto o amálgama da pampulha veleiro
arco-íris que choram de solidão, eu
agora impávido e celeste, anjo de fogo
eu-espelho d’água, narciso e orfeu
flautas e flores, eu-pássaro cais e flora –


WILMAR SILVA

quinta-feira, 1 de julho de 2010

JIVM - ROSA MÍSTICA

Foto: Joel Gonzalez


ROSA MÍSTICA


Além do sino de bronze, navego
os enlevos internos do poeta,
viajo entre jardins de algarobeiras
e de mandacarus, buscando a Rosa

Mística. Codifico meus silêncios,
aparição de vozes e de luzes,
como paixões centrípetas e avulsas
que arremessam suas bocas à vida.

Porém, ao longo surgem as tormentas.
E a voz segura do poeta rompe
a cera dos ouvidos, leva o mel

ou a pimenta às vísceras abertas
do sentimento. E vejo a Rosa Mística:
origem, infinita criação.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO