sábado, 22 de maio de 2010

A PASSAGEM DE DAMÁRIO DACRUZ



Em 5 de junho de 2009, Damário Dacruz esteve em Maracás para participar do projeto Uma Prosa Sobre Versos. Foi um momento muito bonito. Damário sabia cativar platéias e seus versos curtos surtem um forte efeito em quem ouve. O Grupo Concriz fez um belo recital e tirou lágrimas do poeta do Pouso da Palavra.
Terminado o evento, fomos para uma pizzaria, onde conversamos bastante. Percebi que o poeta tossia sem parar e fumava sem parar. Confesso que não tive bons pressentimentos e, na qualidade de uma pessoa amiga e sincera, falei para ele que deixasse aquele diabo, como é que podia um poeta como ele, com uma namorada tão elegante, com dois belos filhos, se entregar para uma porcaria como o cigarro. A namorada concordou. Damário também. Mas puxou logo outro assunto. Fui insistente e pedi para que fizesse um esforço no sentido de largar o cigarro. Ficou em silêncio. Continuamos nossa noite de confraternização. No dia seguinte o poeta de “Todo risco” partiu com sua namorada para Salvador, no ônibus das seis da manhã.
Uns dez dias depois, recebi um e-mail de Damário, informando-me que na viagem de volta sentira-se muito mal, que, apesar do frio, suara muito. E que procurara um médico que fez um diagnóstico muito grave, mas que só poderia ser comprovado após uma série de exames. Passou uma semana. Passou um mês e nada de receber notícias do Damário. E foi através de terceiros que soube que ele estava com câncer no pulmão. Não tive coragem de ligar para ele. Tentava e não conseguia. Algo me travava.

Linda, mãe de Rosa e João Cleber (no colo), Lis, Rosa, Gabriel Gomes, Damário Dacruz, JIVM e Gabrielzinho (no colo) e Cleberton Santos. Não estão na foto: Ricardo Prado, o fotógrafo, e Moisés, que brincava com outras crianças.

Passou um mês. E mais outro. Até que chegou outubro. Foi então que liguei para Damário, que me atendeu efusivo, bastante animado. Desculpei-me por não ter ligado antes, fui sincero, disse-lhe que não estava conseguindo, mas queria ir a Cachoeira, no Pouso da Palavra, para lhe fazer uma visita. O poeta falou que não havia necessidade, mas insisti e combinamos. No dia seguinte nos encontraríamos no Pouso da Palavra.
Então liguei para João de Moraes Filho, em Salvador; para Cleberton Santos, em Feira de Santana; e para Gabriel Gomes e Ricardo Prado, em Salvador, convidando-os para ir a Cachoeira visitar o poeta Damário Dacruz. João não pôde ir, mas os outros todos toparam.
No dia seguinte, 4 de outubro de 2009, saí de Jequié com Linda e nossos dois filhos, Moisés e Gabriel; Cleberton saiu de Feira de Santana com Rosa, o bebê João Cleber e a mãe de Rosa (sogra de Cleberton); e Ricardo, Gabriel e Lis, saíram de Salvador.
Almoçamos em Cachoeira e passamos a tarde com Damário, que nos recebeu com a sua costumeira hospitalidade. Falou-nos de como estava lidando com a doença, de como o médico estava impressionado com sua reação à quimioterapia, passando as mãos nos cabelos, mostrando-nos que os seus cachos estavam todos ali, coroando sua cabeça de querubim. Passeamos por todo sobrado. Recitou para nós alguns poemas seus. Deu um carrinho para meu filho Gabriel. Pegou o João Cleber nos braços. E encerramos o nosso encontro ouvindo o Damário ler poemas de Manoel de Barros. Assim foi o meu derradeiro encontro com o poeta Damário Dacruz. Um homem que amava a poesia e que lutou pela vida até não mais lhe restar força.

JIVM, Damário Dacruz e Cleberton Santos

Pois é, poeta, cheguei da Pedra Só e recebi a notícia de sua passagem. O poeta Luís Antonio Cajazeira Ramos, o fotógrafo Ricardo Prado e meu compadre Gabriel Gomes haviam ligado durante o dia, mas eu estava na roça. Mais adiante a gente se encontra, quiçá “nos favos de mel das europas/ ou no estrume das vacas leiteiras”. Parabéns por ter deixado esse planeta mais bonito, parabéns por ter cumprido as quadras de sua vida com poesia.

JIVM
21/05/2010

DAMÁRIO DACRUZ - GRAN FINALE


Foto: Ricardo Prado

GRAN FINALE


Avise aos amigos
que preparo o último verso

A vida
dura menos que um poema

E no alvorecer mais próximo
saio de cena.


DAMÁRIO DACRUZ
(27/07/1953 - 21/05/2010)

quarta-feira, 12 de maio de 2010

JIVM - A ROSA VIVA


Ilustração: Daniel Biléu

A ROSA VIVA


Estas rosas que vês em mim são brasas.
Por isso, muito cuidado ao tocar
em suas pedras – pétalas sagradas.

Minhas palavras ardem a forjar
estas flores que canto por prazer
e que dão febre e fazem delirar.

Meu coração é mesmo a rosa viva.
Por isso, muito carinho ao pegar
suas pétalas – pedras tão aflitas.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

ANIMAL EM FLOR

Por Antonio Nahud Júnior


Um dos deveres dos amantes da literatura – particularmente dos que estão interessados em escrever - é ler autores contemporâneos. Se o clássico é vital, o contemporâneo não deixa de ser essencial: assim como não se escreve com profundidade ignorando a tradição, tampouco se escreve com interesse para o leitor de hoje sem que o mesmo reconheça, ali, o seu mundo particular, o seu oráculo, a sua revanche de vida. A quem possa interessar, “Roseiral – O Mundo Encarnado pela Seiva das Rosas Escarlates” (Escrituras Editora, 2010) é uma excelente pedida de leitura, uma aurora particular e abrasadora. Poesia densa, visceral, viril, erudita e de íntima vivência rural. Seguramente, um dos poetas-chave da moderna poesia nordestina, a voz singular de José Inácio Vieira de Melo oferece neste seu quinto livro um panorama bastante completo de sua essência telúrica, num diálogo entre o moderno e a tradição. À procura do tempo perdido, sua oralidade lírica experimenta, explora vertigens. São versos aflitos e agressivos (e, principalmente, o subtexto deles) que cavam fundo os conflitos humanos, sangrando as entranhas, entre o amor e a dor, vencendo a difícil batalha-confissão da tirania patriarcal. O poeta-lâmina, guerreiro de luz, animal em flor, corre riscos, renova-se, enfrenta os seus demônios e labirintos, abre o coração, coeso e despudorado, violento e erótico, resultando na sua criação mais autoral e imprimindo o tônus poético de filho de um sertão único, de dentro – um “sertão do mundo”, como traduzia o mestre Guimarães Rosa. Como bônus, assombradas ilustrações de Daniel Biléu e comentários vitais de Myriam Fraga e Eliana Mara Chiossi que revelam sensivelmente o cântico distinto do autor.


Antonio Nahud Júnior é escritor, poeta e jornalista. Publicou os livros
O aprendiz do amor (1993), Retratos em preto e branco – contos góticos de Madri (1996), Ficar aqui sem ser ouvido por ninguém / Caprichos (1998), Se um viajante numa Espanha de Lorca (2005), Suave é o coração enamorado (2006) e Livros de Imagens (2008) Edita o blog Cinzas e Diamantes (
www.cinzasdiamantes.blogspot.com), onde foi publicada esta resenha.

domingo, 9 de maio de 2010

UMA POESIA NASCIDA DO CHÃO

Por Maurício Melo Júnior


O poeta José Inácio Vieira de Melo molda sua poética com os elementos mais íntimos de sua formação: a terra, os cactos, os bois. Naturalmente que nesta linha segue as trilhas abertas por poetas tão longínquos quanto esquecidos – Inácio da Catingueira, Severino Pinto, Zé da Luz. A diferença é que sua poesia se projeta para além do chão, sai da base e ganha outras transcendências ao resvalar em cantares mais formalmente elaborados, ao adicionar novas inquietações culturais, ao se surpreender pelos novos choques da vida, ao incorporar outras tantas dimensões humanas.
Em seu mais recente livro, Roseiral, lançado pela Escrituras, o poeta parte de um choque: a vida que chega aos quarenta anos. Depois do choque vêm as imagens – rosas abertas, mandacarus floridos, feridos em suas asperezas. E só daí brotam os poemas que em absoluto são filhos de ingênuas inspirações. Há o ritmo natural e aparentemente espontâneo dos improvisadores primitivos, dos cantores de gestas, mas há também um formalismo latente, vivo, trabalhado com minúcia, pois do contrário seria impossível escrever com tamanha força: “E a voz do poeta rompe / a cera dos ouvidos, leva o mel // ou a pimenta às vísceras abertas / do sentimento.”
Filho de movimentos paradoxais, como a Geração 45 e a literatura de cordel – das cantorias de viola mais ainda –, enfim, José Inácio careceu romper as amarras do lugar comum, afinal não deve ser fácil remar em mares já fartamente navegados por épicos cantores, como Marcus Accioly. O poeta pernambucano, também um sôfrego beberrão dos veios populares e eruditos, constrói uma poética cavada do chão das usinas e ganha dimensões homéricas, vadiando por vagas culturais profundas, desaguando em protestos e louvores de Américas oníricas. Inácio, por seu turno, amolega a terra agreste das Alagoas, toma impulso para entender o mundo e se volta para a intimidade do sentimento. E isto não se traduz como retrocesso.
Por vias contrárias, seu Roseiral dá um passo a mais na direção do infinito exatamente por se fazer introspectivo e buscar a universalidade que todo homem carrega na alma. E daí o balanço necessário, o inventário de uma vivência preenchida por medos e certezas: “Assim é a casa dos meus quarenta anos, / assombrada e sóbria como um bacurau.” O largo poema segue falando de fantasmas que estão longe do espectro paterno que assombrou Hamlet. Não há sentimentos de culpa, mas uma vontade de prestar contas e rever as lições do passado, e nisso os versos ganham consistência e necessidade, perdem inutilidade ao dizerem que as dores do autor são comuns aos outros homens.
O humano é um bicho que deita suas ilusões ao longo do caminho para abrir espaço para outras tantas que logo também serão desilusões domadas ao ponto de não se transformarem em frustrações. É o que nos diz o verso final: “A casa dos meus quarenta anos – cemitério de ilusões.”
Este jogo de contraluz das ilusões, não podia ser diferente, desaba nos cantares de amor, um gesto que atentou até mesmo o lirismo pessimista de Augusto dos Anjos. No caso de Inácio a temática torna-se a mais cara ao livro. As gestas de amor permeiam todos os pontos do Roseiral, vai de “A idade da pedra” ao “A casa dos meus quarenta anos”. Embora assuma uma nova condição em cada nova fase, clama sempre por uma indissolúvel paixão: “Musa, teu vestido tem os novelos / da formosura!”, ou seja, a própria poesia.
Daí nascem a terra, o cacto, o boi. “E, guardador de rebanhos, vou debulhando o meu rosário / encostado no mourão da cancela, contando minhas reses / todos os dias, muitas vezes, com a cabeça no meio do planeta.”, única maneira que o poeta encontra para mirar enfim o homem e todas as suas possibilidades.
Jose Inácio Vieira de Melo renova-se ao mirar o passado com olhos futuristas.


MAURÍCIO MELO JÚNIOR é escritor, crítico literário e jornalista. Apresenta o programa Leituras na TV Senado. Escreve para o jornal literário O Rascunho. Autor de vários livros, entre eles No país dos Caralâmpios (história, 2006) e Andarilhos (novelas, 2007).

Resenha publicada na revista virtual Verbo21 número 129, abril 2010 (
http://www.verbo21.com.br/v3/)

quinta-feira, 6 de maio de 2010

PROJETO UMA PROSA SOBRE VERSOS - LEONAM OLIVEIRA E MAURÍCIO BASTOS ALMEIDA



Na sexta-feira, dia 7 de maio, às 19h 30min, vai ter Uma Prosa Sobre Versos na cidade de Maracás. Dessa vez o projeto vai apresentar dois poetas de Jequié, a Cidade Sol: Maurício Bastos Almeida e Leonam Oliveira, ambos membros da Academia de Letras de Jequié. E, claro, o evento contará com a participação especialíssima do Grupo Concriz. A abertura do evento ficará por conta da Filarmônica Malasés. Imperdível!