segunda-feira, 30 de julho de 2012

VERÔNICA DE VATE - JOSÉ GERALDO NERES


José Geraldo Neres, morador de Santo André, nasceu em Garça, SP, Brasil, em 1966. Poeta, roteirista, dramaturgo (com formação em oficinas e cursos de criação textual) e produtor cultural. Publicou os livros de poesia Outros Silêncios, Prêmio ProAC da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo 2008, realizado através do prêmio “Bolsa para autores com obra em fase de conclusão” da Fundação Biblioteca Nacional em 2007/2008, (Escrituras Editora, 2009); Pássaros de papel (Dulcinéia Catadora, edição artesanal, SP, 2007) e Olhos de Barro “Menção Especial” no 3º Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura – ficção – 2010 (Editora Patuá, 2012). É co-fundador do Palavreiros. Integrante do Grupo Gestor e Conselho Editorial do Ponto de Cultura Laboratório de Poéticas, e da revista homônima, na cidade de Diadema, região metropolitana de São Paulo. (projeto do Programa Cultura Viva, do MinC – Ministério da Cultura). Ministra oficinas literárias, com ênfase em criação literária e estímulo à leitura. Atual curador do projeto Quinta poética encontros multilinguagens promovidos pela Escrituras Editora e Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos. Publicações em suplementos, revistas literárias no Brasil e exterior, com traduções para Castelhano e Francês. Em 2012, publicou no México (com apoio da UNAM - Universidad Nacional Autónoma de México, Colegio de Ciencias y Humanidades, e Ediciones Libera) a antologia En la otra orilla del silencio - Poesía Contemporánea Brasileña. 

José Geraldo Neres e Lívia Natália, poeta soteropolitana, participarão do projeto Palavra de Poeta, na cidade de Planaltino, no Vale do Jiquiriçá. O evento acontecerá no dia 3 de agosto, às 19 h 30 min, no Clube Social Planaltinense, com entrada gratuita. Os dois poetas serão homenageados pelo Grupo Renascer, da cidade de Planaltino, e pelo Grupo Concriz, da cidade de Maracás, que recitarão seus poemas. Após os recitais, Neres e Lívia serão entrevistados pelo apresentador e curador do projeto, o poeta José Inácio Vieira de Melo e responderão também as perguntas do plateia.
No dia seguinte, 4 de agosto, os dois poetas participarão do projeto Uma Prosa Sobre Versos, na cidade de Maracás, no Auditório Municipal de Maracás, onde serão homenageados, mais uma vez, pelos grupos Concriz e Renascer. O projeto Uma Prosa Sobre Versos, conta com coordenação de Edmar Vieira, diretor de cultura do município de Maracás. O projeto Palavra de Poeta é coordenado por Edivaldo Costa, diretor de cultura da cidade de Planaltino.



AS LÍNGUAS HABITAM O SAL DA ÁRVORE PRIMEIRA


o ritmo do cálice de palavras
no cântico das águas

na barranca
pintura de medo
perfume de lua
nas tranças da árvore
um balanço na ciranda dos sonhos
n’aquarela 
gritos a dilacerar girassóis

o sexo e as dores do arco-íris

lágrimas
a misturar outras faces 
o mar a se curvar
um punhal onírico
a tatuar sete pedras 
e uma canoa no tempo
o corpo suado 
bebe a natureza
a moldurar um aquário 

versos em cardumes a rasgar caminhos

delírio prateado 
protesto calado de uma orquídea
o oitavo dia
a banhar-se no útero da mãe-terra

fantasmas a se entregarem à noite 

peixe e fogo
flechas a umedecer
o ventre de dezembro
na órbita azul 
tambores e labirintos
o silêncio a caçar na água

esfinge a semear relógios 

o líquido do poema 
a desenhar seu dorso 
círculos a brincar de espelho
a roçar arco-íris
com dedos cristalinos
o sussurrar das lâminas
a modelar os olhos da estrela marinha
a contornar o aquário do sol 
lábios místicos a navegar cavalgar alimentar
na porta retalhos de palavras carnívoras
a morder a música do seu ventre 
o tempo de sombras
a revelar as portas da morte
a abraçar a melodia do corpo
a seiva a melodia
a seiva a estrela
sangue


JOSÉ GERALDO NERES

domingo, 29 de julho de 2012

VERÔNICA DE VATE - LÍVIA NATÁLIA


Lívia Natália é baiana de Salvador (1979) e, como boa filha de Osun, se criou nas dunas no Abaeté e, alimentada por Iemanjá, muito se banhou na poética praia de Itapuã. Talvez pó risto as águas sejam seu grande tema em Água Negra, livro de estreia, ganhador do Concurso Literário do Banco Capital(2011) – Categoria Poesia, e de Correntezas, seu próximo livro de poemas. Consagrada a Osun e Odé no Terreiro Ilê Asé Obanan, a vivência no Candomblé de fundamento Ketu é um dos temas mais fortes de sua escrita, na qual comparecem também temáticas relativas à vivência da mulher negra com seu corpo, cabelos e todos os signos etnicorraciais que atravessam, buscando subverter conceitos e reinventar modos de ser.
Lívia Natália é Mestre (2005) e Doutora (2008) em Teorias e Crítica da Literatura e da Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmente é Professora Adjunta do setor de Teoria da Literatura da UFBA, onde coordena os grupos de pesquisa Derivas da Subjetividade na Escrita Contemporânea, no qual pesquisa literatura contemporânea escrita em Blogues, e Corpus Dissidente: Poéticas da Subalternidade em escritas e estéticas da diferença, no qual se dedica a estudar a Literatura Negra escrita por mulheres no Brasil e nos PALOP, com recorte em gênero, raça e sexualidades. 
Além de ensinar disciplinas ligadas ao campo da Teoria da Literatura na UFBA, também coordena e ministra Oficinas de Criação Literária nesta Universidade e em projetos, para crianças em situação de risco. Atualmente, faz formação em Psicanálise Clínica. Mantém o blog: www.outrasaguas.blogspot.com 

Lívia Natália e José Geraldo Neres, poeta paulista, participarão do projeto Palavra de Poeta, na cidade de Planaltino, no Vale do Jiquiriçá. O evento acontecerá no dia 3 de agosto, às 19 h 30 min, no Clube Social Planaltinense, com entrada gratuita. Os dois poetas serão homenageados pelo Grupo Renascer, da cidade de Planaltino, e pelo Grupo Concriz, da cidade de Maracás, que recitarão seus poemas. Após os recitais, Lívia e Neres serão entrevistados pelo apresentador e curador do projeto, o poeta José Inácio Vieira de Melo e responderão também as perguntas do plateia.
No dia seguinte, 4 de agosto, os dois poetas participarão do projeto Uma Prosa Sobre Versos, na cidade de Maracás, no Auditório Municipal de Maracás, onde serão homenageados, mais uma vez, pelos grupos Concriz e Renascer. O projeto Uma Prosa Sobre Versos, conta com coordenação de Edmar Vieira, diretor de cultura do município de Maracás. O projeto Palavra de Poeta é coordenado por Edivaldo Costa, diretor de cultura da cidade de Planaltino.


ÁGUA NEGRA


Chove muito na cidade.
No asfalto betumoso um sangue transparente,
ora de um rubro desencarnado,
ora encardido de um cinza nebuloso,
é vomitado em cólicas
por toda a parte.

Das paredes duras vaza um mais escuro que,
imagino,
seja a água mordendo as estruturas.

A água é assim:
atiçada do céu,
infinita no mar,
nômade no chão pedregoso,
presa no fundo de um poço imenso:

a água devora tudo
com seus dentes intangíveis.



VOTO


As senhas do meu corpo
Falo nenhum devassa.
Algo da borboleta que trago
Voa
       transmutada em asas.

Não há alçapão confuso
ou isca de odores mudos
que arrebate esta minha alma
de ave-fêmea delicada.

Sem santidades
me anuncio em boas-novas:
mordo com dentes brutos
o fruto que era meu,
bendito,
e esfarelo seu sumo.


LÍVIA NATÁLIA

sexta-feira, 20 de julho de 2012

CABARÉ LITERÁRIO



Cabaré Literário
Bate-papos com escritores sobre a obra
de Jorge Amado e literatura contemporânea
Feira do Livro Ler Amado – Centro de convenções – Ilhéus – BA
De 05 a 10 de agosto de 2012, às 20 horas – entrada gratuita
Coordenação e curadoria: José Inácio Vieira de Melo

Programação

5 de agosto
Tema: Dioniso & Cia na moqueca de dendê: as delicias de ler Jorge Amado
Jorge de Souza Araújo – BA
Ronaldo Correia de Brito – PE
Mediador: José Inácio Vieira de Melo – BA

6 de agosto
Tema: Os coronéis na obra de Jorge Amado 
e a Poesia Reunida de Florisvaldo Mattos
Maria Luiza Heine – BA
Florisvaldo Mattos – BA
Mediadora: Adélia Pinheiro – BA

7 de agosto
Tema: De leitor a turista na obra de Jorge Amado 
e os Mirantes de Roberval Pereyr
Tica Simões – BA
Roberval Pereyr – BA
Mediador: Maurício Corso – BA

8 de agosto
Temas: Jorge Amado: ficcionista, ogã e obá / 
Maria do Monte, o romance inédito de Jorge Amado
Ruy Póvoas – BA
Carlos Emílio Corrêa Lima – CE
Mediador: André Rosa – BA

9 de agosto
Temas: Imagens de mulheres, Corpos sutis  e O amor da Rússia por Jorge Amado
Elena Beliakova - RÚSSIA
Aleilton Fonseca – BA
Rosana Patrício Ribeiro – BA
Mediador: Cleberton Santos – SE

10 de agosto
Tema: A cor da palavra no Cancioneiro do cacau: música e poesia em Jorge Amado
Cyro de Mattos – BA
Salgado Maranhão – MA
Mediador: José Inácio Vieira de Melo – AL

terça-feira, 10 de julho de 2012

DIVERSOS AFINS FAZ PEQUENA SABATINA AO ARTISTA JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

Por Fabrício Brandão

Navegar é preciso, viver não é preciso, apregoavam sabiamente os versos de Fernando Pessoa. E pedindo a devida licença ao poeta lusitano, eis que nos é possível manipular a frase para indicar algo que parece ser imperativo em nossa contemporânea idade: realizar é preciso. No entanto, é mister de qualquer autor que se preze a perspectiva da ação acompanhada por critérios que signifiquem um compromisso consistente com a qualidade. Indo mais além, é possível um subverter do arremate “viver não é preciso”, transformando-o numa apreensão ampla do existir, fazendo com que cada palavra expelida em texto seja a necessária afirmação do sopro vital. Qual motivo perene de se estar no mundo, o exercício da criação mostra-se assim, envolto na percepção de que o todo circundante, com toda a sua sorte de abstrações possíveis, é instrumento inalienável nas mãos de um escritor.
Fazendo uso apurado de recursos que derivam de um olhar sensível da existência, o poeta José Inácio Vieira de Melo reúne muitos dos atributos relatados até aqui. Alagoano de nascimento, o autor elegeu a Bahia como morada e muito de sua obra está impregnado daquilo que podemos chamar de memória dos lugares. Em sua expressão poética, José Inácio deixa coabitarem pacificamente paisagens físicas e humanas, fazendo com que a reafirmação da vida pontue de modo bastante especial a trajetória de seus versos. Vestido com a armadura de suas letras, eis que o poeta busca, na simplicidade bucólica de suas imagens, um caminho sublime para a criação. O autor de livros como Decifração de Abismos, A Terceira Romaria, A Infância do Centauro e Roseiral agora está prestes a nos abrir as cancelas poéticas de Pedra Só, seu mais recente fruto literário, e que será lançado em setembro próximo pela Escrituras Editora. E foi para falar um pouco sobre sua nova criação e outros tantos assuntos intimamente ligados ao ofício das palavras que o poeta gentilmente acolheu a Diversos Afins para uma valiosa conversa. Adentrando a soleira dos seus domínios feitos de versos, o cavaleiro de fogo José Inácio Vieira de Melo, como também é conhecido, desfila suas ideias tendo nos olhos o brilho necessário do encantamento pela vida.

 Foto: Ricardo Prado
JIVM: "A minha poesia é feita fundamentalmente a partir do que vivi e do que vivo."

FABRÍCIO BRANDÃO – O traço essencial de sua poesia é marcado por um universo feito de imagens, atravessando paisagens humanas e estabelecendo uma íntima relação com um sertão de memórias. O que dizer dessa gênese de palavras?

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – O que dizer? As palavras me escolheram ou eu as escolhi? A paisagem poética da minha poesia tanto é uma paisagem que observo como também é a paisagem na qual estou inserido. O meu Sertão é o Tao do Ser de um ser tão perplexo e deslumbrado com a existência. Sinto que a minha criação está intrinsecamente ligada às minhas origens geográficas e humanas, embora saiba que esses fatores não são determinantes. A minha poesia é feita fundamentalmente a partir do que vivi e do que vivo. Vivencio a poesia de cada momento. Como diz a minha poeta de cabeceira, Cecília Meireles: “Eu canto porque o instante existe”.

FB – A porção existencialista de seus versos ganha uma dimensão toda especial num livro como Roseiral, obra que exala o vigor de mistérios humanos. Em que medida as palavras denunciam o espanto de se estar vivo?

JIVM – As palavras, dentro da poesia que faço, não buscam outra coisa que não seja dar expressão ao meu sentimento. E o meu sentimento de perplexidade é enorme, é absurdo e não suporta amarras. No livro Roseiral fui tomado por uma revolta que desconhecia. Agi com uma carnalidade instintiva, portanto os impulsos da minha escrita sobrepuseram, muitas vezes, qualquer tentativa de contenção de linguagem e ou de um formalismo comportado. Então, as palavras buscam denunciar, em sua potencialidade, todo espanto do meu ser diante da imensidão do Cosmo. É como está lá no Roseiral, no poema “Rosa viva”: “Minhas palavras ardem a forjar/ estas flores que canto por prazer/ e que dão febre e fazem delirar”.

FB – A capacidade de transcendência é o grande trunfo de um poeta?

JIVM – Há muitos poetas que nem sequer acreditam em transcendência, como é o caso do meu amigo Luis Antonio Cajazeira Ramos. Para o grande poeta, autor do magnífico livro Mais que sempre, essa conversa de transcendência é papo furado. Agora, é impossível de se imaginar o poeta Jorge de Lima sem os delírios de fé, sem o fervor da transcendência poética e sem as epifanias. Pois bem, sou da estirpe de Jorge de Lima. A transcendência é a minha glória. Por conta do sentimento do sagrado e do sublime é que me afino tanto com poetas como Gerardo Mello Mourão, Santo Souza e Francisco Carvalho, assim como com outros bem mais jovens, como a Mariana Ianelli e o Alexandre Bonafim.

FB – Mesmo aguçadas doses de lucidez e racionalidade poderiam não ser suficientes para afastar os efeitos, se é que seja possível considerar assim, místicos das palavras. Você crê numa perspectiva de transformação humana através da literatura?

JIVM – A palavra tem efeito místico para quem é místico, para quem tem espiritualidade. Como Novalis, acredito que “a poesia é a religião original da humanidade”. Todos nós estamos em constante processo de transformação, portanto tudo contribui para a nova conformação do ser em processo. A literatura amplia os horizontes, traz novas possibilidades, é uma fonte de conhecimento. E o conhecimento é caminho de transformação.

FB – Que aspectos você considera como sendo os mais importantes na construção de um debate sobre a poesia contemporânea?

JIVM – A poesia contemporânea é a que está sendo feita a todo instante, portanto é algo que está em constante processo de transformação e não adquire uma conformação com limites bem delineados, visto que a cada dia surgem novos poetas. Se a intenção do debate é fazer uma análise crítica atribuindo valoração, há de se fazer um recorte, pegando a produção de um determinado período, na qual já seja possível identificar alguns aspectos estéticos consolidados. A partir da constatação, levantar questões, fazer comparações e aproximações com o que veio antes, com o que já está estabelecido, ou seja, com os cânones. Confesso que estou muito mais propenso a criar circunstâncias para a divulgação da produção dos poetas que estão surgindo, através da publicação de livros e da participação dos poetas em projetos que promovam a leitura dessa produção. O tempo é o grande definidor daquilo que terá uma permanência maior.

Foto: Ricardo Prado
JIVM: "Quem faz poesia pensando em ter um grande reconhecimento
está fadado a sofrer decepções por toda a vida"


FB – Atualmente, a múltipla apropriação do verso livre parece causar uma falsa sensação de que fazer poesia é algo fácil. Nesse sentido, a criação poética não anda um tanto banalizada?

JIVM – Não me alio aos puristas. Quanto mais pessoas existirem praticando seus versos, melhor. Não estou defendendo quantidade, prezo pela qualidade. Mas fico muito contente quando vejo alguém alçar voo no seu delírio e escrever um poema, por mais ingênuo que seja. Na verdade, o que me desagrada mesmo são os pretensiosos – aqueles que se arvoram de grandes poetas e que passam a ditar seus conceitos minúsculos e a determinar o que é bom e o que é ruim, a partir de seu gosto pessoal.
O verso livre é o mais acessível, pois qualquer um pode escrever uma estrofe composta de linhas irregulares e dizer que é um poema. Que maravilha! Sabemos, porém, que fazer poesia com versos livres é bastante complicado, pois requer muita habilidade por parte do poeta, visto que cada verso tem sua medida e que, ainda assim, é preciso construir um ritmo que reja a peça como um todo. De vez em quando, leio alguns poetas que se vangloriam de só fazer e apreciar poesia medida e rimada. E ainda têm a petulância de afirmar que se não tiver esses atributos técnicos, não é poesia. Uma afirmação dessa natureza, para mim demonstra uma grande limitação.
Que bom que as pessoas estejam cada vez mais escrevendo versos, publicando-os em seus blogs ou em coletâneas. Agora, se o sujeito, realmente, está interessado em seguir pelo pedregoso caminho da arte, e, como diria Jorge de Lima, for um assinalado, ou ainda no dizer de Ruy Espinheira Filho, for um fatalizado, perceberá que a coisa não é fácil não! E investirá a maior parte de sua vida em leituras e no exercício constante da escrita. Ou então, os que buscam facilidades, logo desistirão ou continuarão, por algum tempo, escrevendo algo que não repercutirá.
Quem leva a poesia a sério, está sempre a ler poesia, está sempre a buscar seu caminho, na tentativa de encontrar e de aperfeiçoar sua dicção poética, seu ritmo, seu verso. Sabe que é um compromisso para toda a existência. E também tem consciência de que pouco, ou nada, terá de recompensa. Quem faz poesia pensando em ter um grande reconhecimento está fadado a sofrer decepções por toda a vida.

FB – Talvez seja muito cedo ainda para se falar na consolidação de uma nova geração de poetas, mas, na sua opinião, o que será fundamentalmente necessário para que isso ocorra?

JIVM – Realmente, é muito cedo. O que será fundamentalmente necessário? Que os poetas continuem fazendo poemas, publicando seus livros e que o tempo passe… Com o passar da peneira do tempo, inevitavelmente, essa nova geração que você menciona se configurará.

FB – Você tem um engajamento muito intenso no que se refere à articulação de eventos, nos quais estão envolvidos, sobretudo, novos autores. Como é que se dá essa aproximação com tais escritores e quais são as características que, a seu ver, pontuam com mais ênfase as letras destes criadores?

JIVM – É que vejo muita gente reclamando, lamuriando-se, choramingando. No entanto, são poucas as pessoas que têm a coragem de fazer alguma coisa. E aqueles tantos que choramingam e reclamam são os primeiros a encontrar defeito nas atividades que são realizadas. Eu sempre me coloquei no lugar de fazer as coisas. De buscar alternativas. Os projetos que realizo não contemplam, sobretudo, jovens. Dão oportunidades a poetas de todas as faixas e vertentes. Desde 2001 que venho coordenando eventos e, na medida do possível, tento contemplar a diversidade da poesia baiana. É claro que sempre há os insatisfeitos, que são aqueles que acham que deveriam ser sempre convocados, por se atribuir um valor que efetivamente não têm. Outros nunca serão sequer mencionados, porque não vou me envolver com delinquentes nem muito menos com canalhas, elementos que com certeza vivem apenas em função da destruição. Esses, para mim, não existem. E pronto! E ponto! Que façam seus eventos, que arrebanhem multidões para a sua pretensa alta poesia. Eu não dou a mínima. Há meia dúzia de desesperados que vivem tentando achincalhar as coisas que faço. Berram, ciscam, bufam, gemem, ganem e eu continuo na minha caminhada. O engraçado é que toda vez que esses pobres diabos tentam me prejudicar, imediatamente acontece algo muito bom para mim. É sintomático. De modo que me dão sorte. São um amuleto.
Mas voltando a responder a sua pergunta, os projetos que coordeno, na sua maioria são voltados para a poesia brasileira contemporânea, com destaque para a poesia baiana. E repito, não são voltados principalmente para novos autores, mas para os poetas em geral. Já coordenei projetos em Salvador, Maracás, Planaltino e Jequié. Levei poetas baianos da geração sessenta, como Florisvaldo Mattos, Myriam Fraga, Antonio Brasileiro, Maria da Conceição Paranhos, Ildásio Tavares, Ruy Espinheira Filho, e da geração oitenta, como Roberval Pereyr, Luis Antonio Cajazeira Ramos, Aleilton Fonseca, Douglas de Almeida e Walter Cesar. E vários poetas de outros estados, apenas para citar alguns: Mariana Ianelli (SP), Salgado Maranhão (MA), Marize Castro (RN), Alexandre Bonafim (MG), Astrid Cabral (AM), Antonio-Mariano Lima (PB), Neide Archanjo (SP), Raimundo Gadelha (PB), Helena Ortiz (RS), Wilmar Silva (MG), Igor Fagundes (RJ), etc… Como vê, são muitos e, dos que citei, apenas três podem ser considerados jovens poetas, a Mariana Ianelli, o Igor Fagundes e o Alexandre Bonafim, mas cada qual tem ao menos quatro livros publicados. Citei esses nomes apenas para comprovar que também destaquei os poetas já reconhecidos e com uma obra já sedimentada. Com isso não quero passar a imagem de que não valorizo a produção dos jovens. Sempre busquei dar o mesmo espaço para todos. Claro que alguns se destacam mais. Isso vai da força da poesia de cada um e da sua desenvoltura com o público. Mas se abri espaço para autores que já têm um certo reconhecimento e que já obtiveram importantes premiações, tentei e tento mostrar ainda mais os poetas mais jovens. A diferença é que em relação aos mais jovens, além de projetos, organizei coletâneas envolvendo-os. Em 2004 organizei uma coletânea com 15 poetas da minha geração, que hoje já não são mais tão jovens, refiro-me ao Concerto lírico a quinze vozes. E hoje, parece-me que a maioria já está bem situada na literatura baiana, alguns até com certa repercussão em nível nacional. Creio que, de modo geral, acertei nas minhas escolhas. Mais recentemente, em 2011, organizei a coletânea Sangue Novo, que reúne 21 jovens poetas – esses sim, bem jovens – todos nascidos a partir de 1980. Nesses trabalhos busquei apenas promover o encontro de vozes que andavam muito dispersas, na tentativa de promover um diálogo da poesia que anda sendo feita na Bahia. Repare, não me refiro a um diálogo sobre a poesia, mas da poesia propriamente dita. Alguns poetas, já conhecia pessoalmente, outros mandaram seus primeiros livros para mim. Boa parte, encontrei em blogs e nas redes sociais. A meu ver, o que mais aproxima esses jovens poetas, em geral, é um acentuado lirismo e o diálogo com outras linguagens artísticas, sobretudo com a música pop e com o cinema. Na maioria, são estudantes ou professores de Letras ou de outros cursos das ciências humanas. Poucos cultivam o verso medido, embora alguns tenham pleno domínio das técnicas de metrificação. Enfim, são poetas de uma época de fragmentação de identidade, em que se fala de uma aldeia global, onde os encontros são virtuais e os grandes acontecimentos mundiais são assistidos em tempo real. Sem dúvida, esses adventos tecnológicos interferem na criação de qualquer artista, não apenas desses novos autores.

FB – O que definitivamente você não endossa na dita pós-modernidade?

JIVM – Não endosso essa nomenclatura “pós-modernidade”. Agrada-me o termo “contemporaneidade”. Mas, no fim das contas, não muda nada. No mais, quem sou para endossar ou não alguma coisa nesses tempos pós-modernos? Vivo muito à margem de tudo, embora esteja quase sempre conectado. As minhas atividades, boa parte delas, acontecem em casa mesmo, digitando nas teclas de um PC ou de um notebook. Quando não estou em casa, vou para a minha roça, a Pedra Só, um lugar onde não tem sequer energia elétrica nem água encanada, onde fico completamente isolado de toda essa parafernália tecnológica. E como é bom, depois de um dia no campo, lidando com gado, andando a cavalo, poder chegar em casa, deitar numa rede e ler um bom livro, tendo a certeza de que nenhum telefone vai tocar nem ninguém vai aparecer para atrapalhar. Nada de televisão, nada de rádio, apenas o canto dos pássaros. Sem contar que a brisa do Sertão traz um sentimento tão profundo e mágico que a gente fica sem saber o que diabo é pós-modernidade. E quando chega a noite, ah meu irmão, aparece uma roça de estrelas no céu que não há conceito que possa abranger a sua imensidão… E se é noite de lua cheia, a epifania é certa. Pois bem, a pós-modernidade tende a desmistificar todo esse meu discurso arcaico por um processo de desconstrução e bla bla blá. A única coisa que pretendo sempre endossar é o rumo dos meus passos e os matizes de minha poesia. O que sei eu da pós-modernidade?

Foto: Ricardo Prado

FB – Pedra Só, seu mais recente livro, está prestes a ser lançado. Quais percursos demarcam de modo especial esse seu novo rebento literário?

JIVM – O Pedra Só é o meu livro mais autobiográfico. Revestido de tons épicos, flertando com a linguagem bíblica, traz um longo poema dividido em 27 partes, que está no capítulo de abertura e que nomeia o livro. Como já ficou claro na resposta anterior, Pedra Só é o nome de uma fazenda, onde tenho o privilégio de passar uma parte de meu tempo. É a partir desse lugar, a Fazenda Pedra Só, no Sertão da Bahia, que invento um entrelugar, de mesmo nome, para dar evasão aos meus delírios poéticos. Então, frequento os lugares mais recônditos e inóspitos da minha memória, buscando o barro fundamental – a poesia primeva – para fazer a ligação do meu ser com a arte e criar meus poemas. Quem leu meus livros sabe que a temática campesina sempre esteve presente na minha produção. A crítica também tem dado muita ênfase neste aspecto. No livro anterior, Roseiral, é que dei uma acentuada no erotismo e nos matizes surreais. Pois bem, agora faço um movimento de retorno às origens sertânicas com uma intensidade que até então não havia experimentado, é assim no “Pedra Só” e também no segundo capítulo, intitulado “Aboio Livre”. O terceiro capítulo é o “Toada do Tempo”, em que uso com mais frequência o verso medido e que situa o poeta dentro do tempo, medindo sua finitude e, paradoxalmente, percebendo-se atemporal. A quarta seção, chamada “Partituras”, é onde aparecem as cantigas e os cânticos de louvor. E, por derradeiro, o capítulo “Parábolas”, em que acentuo o surrealismo, tentando criar uma esfera fantástica, impregnada de misticismo, que encerra o livro. Esses são, em linhas gerais, os caminhos da Pedra Só.

FB – Para além do poeta, o que busca o homem José Inácio Vieira de Melo em sua teima com as palavras?

JIVM – Não há, em mim, uma separação entre o homem e o poeta. Não estou poeta. Eu sou poeta 25 horas por dia. O bom da jornada é caminhar… Não sei se para o bem ou se para o mal, não sou um ser pragmático. E sinto que as finalidades limitam muito as experiências. A minha teima com as palavras é, em todas instâncias, por necessidade de expressão. Se não estiver em contato com os signos, reordenando-os para encontrar novos significados, para despertar emoções, a existência fica sem sentido. Então o que busco são os caminhos… E eles sempre surgem. E a minha teima é caminhar – um passo depois do outro, sempre, sempre –, contemplando a paisagem, inventando paisagens, sendo a paisagem.


Entrevista publicada na revista virtual Diversos Afins (www.diversosafins.com.br), 68ª Leva, em junho de 2012

sábado, 7 de julho de 2012

IMPRESSIONE D'ITALIA - CANTIGA PER LEONARDO


Poema do meu livro Pedra Só, publicado na antologia Impressioni d’Italia. Piccola antologia di poesia in portoghese con traduzione a fronte (Napoli: U.N.O. 2011, ISBN 978-88-6719-002-7), que acaba de ser lançada em Napoli, na Itália. A antologia é bilíngue (português/italiano) e publicou poetas contemporâneos de língua portuguesa.


CANTIGA PER LEONARDO


Leonardo,
il sorriso della tua musa mi indaga
come una daga que colpisce la cicatrice.
Ho cercato di decifrare quella donna
nelle figlie delle figlie delle tue figlie,
italie che diventarono brasili
e dettero un volto al nuovo mondo.

E in loro tutte,
da ogni angolo,
in ogni abbozzo di sorriso,
nell’esplosione della risata
o nei gemiti del piacere,
era onnipresente
l’enigma di Monna Lisa.

E con i loro stendardi ho cucito
la coperta che mi avvolge,
che mi commuove e mi strappa
e sfilano tutte
sulla passerella di questa poesia
inaugurando le forme del bello:

Soglia, Bompard, Buffone,
Mariniello, Degino, Michelli,
Morbeck, Ranieri, Pizanni,
ecco gli stemmi indicati
dal mio pugnale di Alagoas.

Leonardo, uomo vitruviano,
son rinato sugli accordi della tua lira d’argento,
mi nutrii alle mammelle della lupa
per poter respirare la Via Lattea:

Romolo e Remo sono figli miei
che galoppano insieme a me e aspettano
altre grazie, altri nomi
che suonano sempre il primordiale
Romolo e Remo – miei ancestrali.

Leonardo, genio della razza,
in quale costellazione sei?
Dove brilla la tua lampada meravigliosa?
Mostra le cinque punte della tua stella!
Inventa subito, col tuo ingegno,
un pavão mysteriozo,
una macchina che mi porti via
verso il regno degli incanti:

una Sicilia dove la regina
sia Cecília Meireles,
discendente di Monna Lisa,
che cammina sulle acque
dello Stretto di Messina
offrendo la grazia maggiore
della poesia.

L’altro nome di Mosè
è Michelangelo,
ma fu il tuo pennello, Leonardo,
che aprì il Mare Mediterraneo
e con esso scrivesti
le forme di una dea
che nel suo viso
porta tutti i nomi.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO
Traduzione: Maria da Graça Gomes de Pina


Ilustração: Anderson Thives

CANTIGA PARA LEONARDO


Leonardo,
o sorriso da tua musa me indaga
como uma adaga que fere a cicatriz.
Busquei decifrar essa mulher
nas filhas das filhas das tuas filhas,
itálias que se fizeram brasis
e deram face ao novo mundo.

E em todas elas,
de todos os ângulos,
em cada esboço de sorriso,
no estardalhaço da gargalhada
ou nos gemidos do gozo,
estava onipresente
o enigma da Mona Lisa.

E com seus estandartes costurei
a colcha que me envolve,
que me comove e me retalha
e desfilam todas
na passarela deste poema
a inaugurar as formas do belo:

Soglia, Bompard, Buffone,
Mariniello, Degino, Michelli,
Morbeck, Ranieri, Pizanni,
eis os brasões assinalados
por meu punhal alagoano.

Leonardo, homem vitruviano,
renasci nos acordes da tua lira de prata,
mamei nas tetas da loba
para poder respirar a Via Láctea:

Rômulo e Remo são meus filhos
que galopam comigo e atendem
por outras graças, por outros nomes
que soam sempre o primordial
Rômulo e Remo – meus ancestrais.

Leonardo, gênio da raça,
em que constelação estás?
Onde brilha a tua lâmpada maravilhosa?
Mostra as cinco pontas da tua estrela!
Inventa logo, com teu engenho,
um pavão mysteriozo,
uma máquina que me leve daqui
para o reino dos encantos:

uma Sicília onde a rainha
seja Cecília Meireles,
tataraneta da Mona Lisa,
que anda sobre as águas
do Estreito de Messina
oferecendo a graça maior
da poesia.

O outro nome de Moisés
é Michelangelo,
mas foi o teu pincel, Leonardo,
que abriu o Mar Mediterrâneo
e com ele escreveste
as formas de uma deusa
que em sua face
traz todos os nomes.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

quarta-feira, 4 de julho de 2012

VERÔNICA DE VATE - JÚLIO LUCAS


Júlio Lucas é baiano, filho de pernambucanos, Júlio Lucas, nascido em Paulo Afonso, também costuma se definir soteropolitano por conta do destino, jequieense pela hospitalidade e cosmopolita por ideologia. Tem dois filhos, Caíque e Caio. Escreve desde menino: das letras de rock dos anos 80 para as bandas Sinal Vermelho, Regicídio e Olhos de Poeta (Salvador) às composições do Bando Batida Seca (Paulo Afonso), na década de 90. Mais recentemente participou de parcerias com o cantor e violonista Manno di sousa (radicado em Vitória da Conquista).
Idealista e idealizador de fanzines xerocados em Salvador a jornais no sudoeste baiano, ao mudar-se para Jequié, assumiu a direção do Jornal Actual (2000), a convite do jornalista Wilson Novaes Jr. Em seguida criou o Correio do Interior, primeiro da região em tamanho standard, capa colorida, caderno de cultura e versão online. Também colaborou com os impressos Café com Leite, Novos Tempos e Revista Cidades em Foco. Teve haicais quadrinizados pelo cartunista Edu Santana na revista Come-Comix. Atualmente possui o blog cultural Miscelânea, por Júlio Lucas e é coordenador editorial da revista Muito Mais.
Na TV, foi roteirista e produtor do programa Muito Prazer, Álvaro Guimarães (CNT-Aratu). Desde então dirigiu clipes, documentários e vários vídeos institucionais para prefeituras. Na agência Rush Produções e Publicidades, com Rogério Xavier e Sérgio Guerra, criou diversas campanhas para rádio, TV, impressos e principalmente para veiculação em outdoor, em Paulo Afonso. Na publicidade, trabalhou ainda na agência Moura Marketing e Propaganda.
Radicado em Jequié há mais de uma década, onde é servidor público, exerceu o cargo de diretor de Comunicação Social do Município (2009/2010). Multimídia autodidata, apresenta nas noites de sábado o Tribos do Rock, na 105 FM. Elaborou capas para coletâneas da Academia de Letras de Jequié, a saber, III e IV Concursos Literários da ALJ: Prêmio Eusínio Soares de Literatura Brasileira (da qual faz parte como poeta convidado) e Prêmio Waly Salomão. Também foi capista de Jequié - Síntese Histórica e Informativa (2011), de autoria do lexicógrafo Dermival Rios. Obra em que assina as orelhas.  Ainda em Jequié coordenou e apresentou o projeto Feira da Poesia para a Secretaria de Educação e Cultura e foi jurado do I Concurso de Poesia da Casa da Cultura Pacífico Ribeiro - Prêmio Ruy Espinheira Filho.
Além da Poesia, trabalho artístico ao qual mais se dedica, possui contos, romances e uma peça teatral a serem publicados. Atendendo ao convite de José Inácio Vieira de Melo, curador e coordenador da Praça de Cordel e Poesia, participou das duas últimas bienais do Livro da Bahia (2009/2011). Não obstante, nesta última edição, lançou Novamente Poesia, seu esperado livro de estreia. É membro da Academia de Letras de Jequié.

Júlio Lucas e Iolanda Costa participarão do projeto Palavra de Poeta, na cidade de Planaltino, no Vale do Jiquiriçá. O evento acontecerá no dia 6 de julho, às 19 h 30 min, no Clube Social Planaltinense, com entrada gratuita. Os dois poetas serão homenageados pelo Grupo Renascer, da cidade de Planaltino, e pelo Grupo Concriz, da cidade de Maracás, que recitarão seus poemas. Após os recitais, Júlio e Iolanda serão entrevistados pelo apresentador e curador do projeto, o poeta José Inácio Vieira de Melo e responderão também as perguntas do plateia.

No dia seguinte, 7 de julho, os dois poetas participarão do projeto Uma Prosa Sobre Versos, na cidade de Maracás, no Auditório Municipal de Maracás, onde serão homenageados, mais uma vez, pelos grupos Concriz e Renascer. O projeto Uma Prosa Sobre Versos, conta com coordenação de Edmar Vieira, diretor de cultura do município de Maracás. O projeto Palavra de Poeta é coordenado por Edivaldo Costa, diretor de cultura da cidade de Planaltino.


MUITO PRAZER


Este herói de faroeste caboclo
A galope menino
Em cavalo-de-pau
Pelos Galpões do Balneário
(Minha ilha original)
Com uma pistola na cintura
Que pesa mais que
Esta caneta em coldre do Novo Cangaço Cult
Sou eu

Também estanque no instante inter(minável)
Estou lá:
Sem voz, sem grito
Sem braços e ouvidos
Sem portos vivos
Estatelado
Com este gosto azedo
Do estalar de galho seco
Deste umbu(zeiro)
Entre os dedos

Sou aquele
Paraíso militado
Paraíso limitado
Comportas e janelas abertas
Pro rio revolto do meu quintal
Por todo lado muros de pedras
Na porta, Guarita Principal
Entrada e saída
Chegada e partida:
Da vida, pra lida
Da lida pra ida
Dali pro aquém
Pra cá, antes do além

E lá fui eu
Pela estrada afora
Pelo mundo a dentro
Pela vida a forra

Na tabuada
No tablado
No tabloide
Na vida e no vídeo
No proscênio pro lado errado

No batente
No olho por olho
No dente por dente

Neste ensaio diário
De tanta gente que eu seria
Se não fosse eu

Sou aquele, sou Waly
aqui, Gullar
Pairo com as páginas desbotadas ao vento
Navego com as garrafas decoradas
Náufragas aos teus olhos sorridentes
De mar e sol

Respiro, logo insisto
Ainda que Arlequim sem guizo
Não me reconheça nesta opacidade
Do outro de mim

Mantenho-me eu mesmo
Mesmo que sem musa
Seja esboço do que já fui noutra estação
Que peregrino sem fim
Padeça em gozo a esmo
Neste paraíso sem pouso
De ninfas e lobas amigas e amantes

Que eu já não seja o que fui
Que esqueça o que serei
Que lembre ser o que não sei

Ainda que acorde morto-vivo
Com a pele em carne viva
Nas mãos enrugadas dos amanheceres
Dos vendavais de segredos
Dos maremotos de sorrisos e lágrimas
Do ranger de dentes contrafeito
Segregado em versos
Renasço todo dia ao sussurrar
Dos anjos das tragédias
Anunciadas

E inocente-bandido
Com a porta de casa entreaberta
Ofegante em pedaços
Pulo a janela de sempre
E fogueiras de estilhaços
Pra conhecer novos estranhos no ninho
Da estrada da minha cara

Muito prazer:
Sou todos estes faróis e banidos que vos falam.


JÚLIO LUCAS