segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

domingo, 28 de dezembro de 2014

JIVM NA CIDADE DE SALVADOR, GALOPANDO EM VERSOS

* Aula de Criação Literária | Antonia Torreão Herrera
AS BRASAS DO MEU SENTIMENTO | José Inácio Vieira de Melo

* Lançamento Autores Baianos: Um Panorama Vol. 2


As brasas do meu sentimento
O poeta José Inácio Vieira de Melo recita seus versos
e fala de sua poesia a partir do elemento FOGO

Instituto de Letras - Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Sala 309, PAF III, Campus Ondina (ao lado de Letras)
Salvador-BA, 19/11/2014, às 10 horas


José Inácio Vieira de Melo recitando o poema Cavaleiro de Fogo

Alunos de Criação Literária

O ator Jackson Costa e o poeta José Inácio Vieira de Melo

José Inácio Vieira de Melo recitando o poema Nero

Gabriel Gomes, Antonia Herrera, Jackson Costa, Yolanda Nogueira e José Inácio

A professora Antonia Torreão Herrera e o poeta José Inácio Vieira de Melo

Antonia Herrera, José Inácio, Monique Neiva, Tairys Nery e Paulo

Gabriel Gomes, José Inácio Vieira de Melo e Ricardo Prado

Jackson Costa, Lígia Telles e Ricardo Prado

As brasas do meu sentimento



Lançamento Autores Baianos: Um Panorama Vol. 2
Goethe-Institut/ICBA, Salvador-BA, 25/11/2014


Autores Baianos: Um panorama vol.2

José Inácio Vieira de Melo recitando o poema Gênese

Albino Rubim, secretário de cultura da Bahia, e José Inácio Vieira de Melo

Gabriel Gomes, José Inácio Vieira de Melo, Lis Gomes e Sérgio Pinho

José Inácio Vieira de Melo e João Vanderlei de Moraes Filho

José Inácio Vieira de Melo e Jocevaldo Santiago

José Inácio Vieira de Melo e Valdeck Almeida de Jesus

domingo, 14 de dezembro de 2014

O GALOPE POÉTICO DE JIVM NA V FLIMAR

V FLIMAR (Festa Literária de Marechal Deodoro) 
12 a 15 de novembro de 2014

Mesa como o tema Poesia para que e para quem?, com os poetas Carla Nobre,
José Inácio Vieira de Melo e Roberval Pereyr, mediados por Ricardo Cabús,
é manchete do jornal Gazeta de Alagoas, do dia 14 de novembro de 2014

Cosme Rogério Ferreira e José Inácio Vieira de Melo, no Ifal/Flimar, depois da palestra
Saraus literários e construção de identidades, participação especial de Carla Nobre

Ricardo Cabús (mediador), Carla Nobre (AP), José Inácio Vieira de Melo (AL) e Roberval Pereyr (BA)
Mesa temática Poesia para que e para quem?, na V Flimar, em 14 de novembro de 2014

Ricardo Cabús (mediador), José Inácio Vieira de Melo (AL), Carla Nobre (ap) e Roberval Pereyr (BA)
Mesa temática Poesia para que e para quem?, na V Flimar, em 14 de novembro de 2014

Petrucio Baeto, José Inácio Vieira de Melo e Chico de Assis

Isvânia Marques e José Inácio Vieira de Melo

José Inácio Vieira de Melo no Sarau na Casa do Marechal

Plateia atenta

Roberval Pereyr no Sarau na Casa do Marechal

Cosme Rogério Ferreira recitando Cantiga do Estradar, de Elomar Figueira Melo

José Inácio Vieira de Melo e Laurentino Gomes

Djavan Caetano Viana, o grande homenageado da V Flimar

Djavan sendo entrevistado por alguns escritores e jornalistas,
dentre eles Ricardo Cravo Albin, Luiz Gutemberg e Cássio Cavalcante

José Inácio Vieira de Melo e Aliane Ribeiro Moraes nos encantos da Poesia

Jéssica Fonsêca recitando Vozes secas, poema de José Inácio Vieira de Melo

José Inácio Vieira de Melo cantando Na primeira manhã, toada de Alceu Valença

Geraldo de Majella, Naillys Araújo e Jéssica Fonsêca ouvindo JIVM cantar Na primeira Manhã

José Inácio Vieira de Melo recitando seu Cântico dos cânticos

José Inácio Vieira de Melo e Letícia Helena

Cosme Rogério e José Inácio Vieira de Melo e a Lua na lagoa Manguaba

Carlito Lima, idealizador e curador da Flimar falando do evento, acompanhado de Paloma Amado,
Mirian Salles, Djavan, o ministro do Turismo e Cristiano, prefeito de Marechal Deodoro

Roberval Pereyr, Ricardo Cravo Albin e José Inácio Vieira de Melo

Letícia Helena, Cosme Rogério, José Inácio, Carla Nobre e Ovídio Poli Júnior

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

JIVM - IRRESIDÊNCIA

Foto: Ricardo Prado


IRRESIDÊNCIA


O que quer a estrada com a boca escancarada?

Com a voracidade de cada átimo, sabe ela
da condição de órfão de cada átomo,
e que o tempo/espaço é residência
de quem está completamente perdido

(a estrada é a única saída e o seu pó o único fim).


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

ENTREVISTA | O GALOPE POÉTICO DE JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO, O ULISSES CAATINGUEIRO


Foto: Ricardo Prado
José Inácio Vieira de Melo, poeta das travessias sertânicas

O galope de Ulisses é o título da nova antologia de José Inácio Vieira de Melo, que reúne setenta poemas de seus seis livros publicados até agora. Nessa entrevista, concedida a cinco poetas das cinco regiões do Brasil, JIVM pinta sua trajetória com matizes bastante metafísicos, falando de sua relação com o silêncio, de individualidade e unidade e do Sertão profundo. Além disso, José Inácio destaca que o diferencial da antologia foi ter sido organizada por Igor Fagundes, um crítico literário que é também um talentoso poeta. E conclui com uma emocionante despedida da poeta gaúcha Gisele Natali, uma das entrevistadoras que faleceu no decorrer da entrevista.


COSME ROGÉRIO – Lêdo Ivo gostava de dizer, entre gaitadas: “Não sei pensar, não sei refletir. Eu penso por imagens”. Sabendo que esse poeta compõe a sua rede de influências literárias, você pode falar um pouco sobre os seus processos internos de associações imagético-verbais que dão à luz os seus poemas?

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Certamente há processos internos, mas não os tenho definidos porque não sigo uma organicidade, não faço o poema premeditadamente. Ao contrário, no ato da criação poética sou servo da palavra e sinto-me como se estivesse possuído por uma força estranha, mas que ao mesmo tempo é tão familiar, é tão minha casa. Penso muito sobre as coisas do mundo e sobre a minha existência. Faço muitas reflexões que normalmente só me mostram a boca escancarada da estrada e como estou passando tão célere e tão sem sentido. Então, às vezes, esvazio-me dessas pré-ocupações, e sinto-me fazendo parte da paisagem. E da paisagem geográfica passo para outras paragens – as esferas do delírio – e aí começo a me recompor dentro dos cenários que vou inventando. Ultimamente, tenho preferido viver a poesia desses instantes mágicos a escrevê-la no papel e criar esse encanto que se chama ‘poema’. Tenho preferido sentir no corpo e no espírito a força da poesia e depois sentir o sabor de ficar quieto, sem buscar formas e imagens, apenas deixando-a passar por meu barulhos internos, ouvindo a voz do silêncio silenciar-me, sem nada pensar. Mas ao fazer um poema, depois do necessário distanciamento, volto para a sua arquitetura, e aí é a hora de fruir e sentir o ritmo, assim como de perceber a inteireza daquela peça, daquela obra. Então, nesse momento, uso muito do pensamento, uso muito da memória e acesso todas as minhas referências e busco a medida certa, a forma precisa que dê ao poema o sentido de unidade. Nessas horas penso o mundo, carrego o mundo nas costas. “Pensar é estar doente dos olhos”, dizia o poeta Fernando Pessoa, no heterônimo de Alberto Caeeiro, e é por isso que estou quase cego.

GISELE NATALI – Qual a relação do sagrado e do profano no feminino,  na sua poética?

JIVM – A sua pergunta me faz lembrar de imediato da obra da artista plástica potiguar Angela Felipe, sobretudo de uma série intitulada “O sagrado feminino”, que deu origem à exposição homônima. Quando vi os quadros da Angela fiquei encantado. São mulheres ternas, de origem campesina, que mesmo não tendo um rosto definido, conseguem expressar  mansidão e paz. Identifiquei-me profundamente com todo o universo da Angela, apesar de minha poesia ser bastante masculina, ao ponto de ser classificada de machista por algumas filósofas feministas de plantão, que estão na moda. Mas todo esse intróito não responde a sua pergunta. A relação entre o sagrado e o profano em minha poesia é de êxtase, de transcendência. E para alcançar tanto não faço concessões. No que se refere ao feminino, ao outro, a individualidade que é  referência, é também parte de um todo que deve ser identificado e louvado; é, na verdade, a parte que falta para a minha parte ser o todo e, por isso, desperta em mim uma sentido de unidade sem nome, uma unidade da carne que arde e clama por mais e mais chamas, até alcançar o delírio do Sol: e sermos – cada parte –  um só no entardecer. O meu pensamento e o meu procedimento são arcaicos. O sagrado no feminino, na minha poesia, só vai dar numa epifania amorosa, no “Cântico dos cânticos”.

O galope de Ulisses (Editora Patuá, 2014)

WHIRON DE CAMARGO FANZERES – Em “galopar na infância/ é a minha metafísica”, primeira seção de poemas do livro, pode-se sentir uma busca pela pátria-infância – assim como Rilke se refere em Cartas a um jovem poeta – nos dois versos finais do primeiro poema “Bênção”, “mas como uma árvore/ beija suas raízes.” e nos dois últimos versos de “Centauro Escarlate”, “há de existir um lugar/ onde teus mistérios possam descansar.” Poderia se dizer que O galope de Ulisses se inicia nesse sentido, rumando o solo-céu num regresso a raiz, até o momento em que “O homem chega dentro da criança,/ e o infinito cai e a casa começa”?

JIVM – Poderia se dizer qualquer coisa como ponto de partida. A minha poesia sai de um ponto qualquer – ou do mesmo e único ponto – para qualquer direção da Rosa dos Ventos. É claro que esta antologia traz uma diferencial para a minha poética, pois se trata de um livro que não foi organizado por mim, não tem a arrumação que teria se fosse eu o costureiro dessa colcha de retalhos. Mas como foi  boa essa experiência, que me fez perceber que o olhar do outro, com toda sua individualidade, pode mostrar o diferente naquilo que eu achava que já conhecia em plenitude. E como o poeta Igor Fagundes conseguiu me surpreender! Os dois poemas mencionados por você, são representativos de um ciclo que se encerra com a publicação do meu quarto livro, A infância do Centauro (2007), que corresponde aos sete primeiros anos de publicação. Entre outros desdobramentos, há uma intensa interação com o ambiente, com a paisagem em que estou inserido, no caso o Sertão, e, simultaneamente, o sentimento de perplexidade diante da imensidão, diante do abismo que o horizonte, tão bem delimitado por uma linha, provoca. Para quem passa o dia debaixo do Sol a pino, e de um lado ao outro só enxerga garrancho e pé de mandacaru, o azul do céu é tão grandioso que dá vontade de bater as asas e sair voando. Para quem cavalga nessa paisagem caatinga, cavalo e homem deixam de ser duas criaturas, pois uma unidade lhes é conferida, e a vontade que se tem é de invadir o campo do céu para tanger as vacas de nuvens, tão gordas e tão fartas, para que derramem seu leite-chuva na terra e volte a brotar o verde da vida. Sinto que a minha resposta está caminhando para uma prosa poética, mas é que sou assim mesmo. Pois bem, esse homem volta ao menino que nunca deixou de ser, pede bênção ao pai, para poder seguir. Para alcançar a imensidão é preciso primeiro se enraizar no chão e encontrar força na sua origem, fonte da energia que o impulsionará para a partida cósmica. E como é fundamental olhar para o menino de sete anos, pegar em sua mão e seguir em busca do “lugar onde os mistérios possam descansar”. Quantas vezes o céu foi meu solo firme? Quantas vezes andei pelo chão como quem pisa em nuvens? Mesmo depois que “o homem chegou dentro da criança”, ergui um templo para cultivar os delírios. E eis-me aqui no reino da Poesia.

ALAN CARDEC BORGES – Em O galope de Ulisses, Igor Fagundes traça um mapa de seu itinerário poético, refazendo o percurso pelo Sertão por onde cavalga o Cavaleiro de Fogo em busca do ser-tão. Ao abarcar e ser o elo entre a origem e o Cosmo, tudo o que gravita em torno do reino encantado da Pedra Só se torna mito, inclusive a sua biografia?

JIVM – A verdade, a verdade verdadeira é a imensidão do poema. Ou seja, a verdade poética é invenção, até mesmo nos poemas heroicos que tentam relatar acontecimentos históricos, recheados de datas e personagens marcantes de uma certa época e de uma determinada nação. Se não tiver essa dimensão mágica, se não tiver o ritmo, se não tirar o leitor do chão, pode ser qualquer coisa, menos poesia. Igor Fagundes é, acima de tudo, um poeta. O percurso em poética da filosofia, na arte dramática e na comunicação, alimentaram ainda mais a sua essência de poeta. E nas escolhas que fez para essa antologia fica bem claro, para mim, que ali está presente, o tempo todo, o olhar sensível e cuidadoso de um poeta. E como essa sensação me deixa feliz! Como você bem disse na pergunta, trata-se do reino ‘encantado’ da Pedra Só. E se é encantado já é mitológico. O lugar real está lá, bem enfincado nas brasas do Sertão. Esse encanto está apenas no olhar de quem o consegue perceber. Um fazendeiro de ‘progresso’, com olhar empresarial, quando vê uma árvore, imagina logo em quantas estacas ela pode se transformar e quanto elas podem render em dinheiro. Eu, quando olho para uma árvore, lá na Pedra Só, ou em qualquer lugar, vejo uma entidade, vejo uma verdade verde. E, apesar das contas continuarem a chegar por debaixo da porta, em envelopes, o que sinto é a alegria da carta que traz notícias de paragens distantes. Tudo o que gravita em torno da minha percepção pode se tornar mito. E a minha biografia mostra isso, Ulisses galopando nas veias do Cavaleiro de Fogo.

Igor Fagundes, responsável pela organização,
seleção e prefácio da antologia O galope de Ulisses

AIRTON SOUZA – Os poetas constroem, através de imagens, diversos mundos no mundo aparente. Igor Fagundes, através desta seleção, sugere algumas caminhadas por esses mundos, construídos pelo seu (JIVM) labor literário. Quais mundos os leitores encontrarão em O galope de Ulisses?

JIVM – E quem sou eu para saber quais mundos encontrão os leitores da minha poesia? O Igor fez uma belíssima arrumação. Eu jamais conseguiria estabelecer tal conformação. Sou muito apegado a alguns poemas que o Igor deixou de fora. E foi muito estranho para mim que encontrasse na antologia alguns poemas dos quais já nem me lembrava. Que costureiro fantástico é esse poeta Igor Fagundes! Conseguiu me apresentar uma poesia nova, sendo que foi feita por mim há 15, 10, 5 anos. Então, se eu que sou o ‘cavalo’ que recebeu esses versos, caminhei por searas que desconhecia, imagine o outro! Mas é claro que o ensaio introdutório do Igor, “O cacto das musas”, é o fio de Ariadne do meu labirinto, é o novelo que se desenrola mostrando o caminho da imensidão do Sertão ao Cosmo. E aí a viagem é cheia de infinitas possibilidades. E haja mundos!

GISELE NATALI – Qual a sensação que envolve o seu ser nessa epopeia da existência? Por que o José Inácio Vieira de Melo precisa galopar as vagas que correm em suas próprias veias como um Ulisses caatingueiro em busca do que não compreende, sonhando com a ilusão do sossego de Ítaca? E depois?

JIVM – Minha musa ruiva, qual pitonisa habitava sua alma ao me fazer tão incendidas perguntas? Eu não sei o que me tornou nesse ser tão perplexo. Não sei porque o medo se expandiu tanto dentro de mim até virar essa vaca mansa, de olhar materno, porém sempre assustada. Eu não sei porque a verdade que invento tem que relinchar o tempo todo, como um furacão equino em erupção, cuja lava transforma tudo em versos. É assim. Só isso. E saio por aí, sem saber onde chegar, mas inventando passos que logo em seguida são apagados da memória da Terra, mas que insistem em se perenizar no delírio de um vento errante. “Não sei sequer o caminho”, eis a  epígrafe da minha vida, que está lá na Bíblia, que está lá em Gerardo Mello Mourão, que está em tua escritura, grandiosa princesa do Rio Grande. Pois bem, não sei sequer o caminho e é por isso que saio por aí, inventando passos com minha escrita torta e com meus passos bêbados. Para quem amansou o medo com o chicote do arrepio, a sensação de existir é alcançar o inesperado, sem expectativas. E existe maior viagem do que um passeio pela paisagem, olhando para o mundo e para o além como quem olha para dentro de si? Tudo é agora. E a cada passou que dou, estou indo ao teu encontro. Tu, minha prinspa, que agora estás habitando a imensidão do firmamento, brilhas dentro do meu sentimento. Saudade.

COSME ROGÉRIO – O prefaciador Igor Fagundes fala em “deserto-sertão” para metaforizar o lugar e o tempo de sua poesia. Nessa corajosa travessia, de que forma as transformações sofridas pelo sertão afetaram o seu escrever-galopar?

JIVM – O Sertão é dentro. É sempre o mesmo e muda o tempo todo. O Sertão que vivencio é um Sertão profundo, como o dos mestres Elomar Figueira Mello, Ariano Suassuna e João Guimarães Rosa. É uma esfera mágica que está para além de uma mera geografia. Claro que o ponto de partida é um lugar real, onde vivi a infância e boa parte da minha juventude, no país das Alagoas e na nação baiana. Claro que cortei noites bebendo delírios no seio do luar do sertão. E os meus dias ainda são rasgados pelos garranchos da caatinga. Mas esse mundo que aparece no meu fazer poético é completamente idealizado, inventado, como há de ser sempre a arte. Agora, é certo que percebo as transformações que estão acontecendo. As tecnologias têm chegado com muita força ao Sertão, levando o jeito urbano às casas dos camponeses e despertando, na maioria, um sonho desgrenhado de cidade. É raro o jovem da roça que ainda sonhe em ter um cavalo bom de passada bem arreado. Hoje qualquer um quer ter uma motocicleta e óculos escuros. Eu sou de um tempo em que cavalo e vaqueiro formavam um único ser: o Centauro do Sertão. E esse espaço/tempo ainda existe, é o Sertão profundo que há dentro de mim.

 Foto: Ricardo Prado
JIVM: "O poeta que sou sabe que Deus não existe, porque compreende que foi Deus que criou a
existência. E tudo que existe, um dia perecerá, exceto o poema que disser o sem nome de Deus".

WHIRON DE CAMARGO FANZERES – Segundo Igor Fagundes, "acolher o deserto-sertão é o vislumbre do processo de individualização ao Uno Primordial", na contenda de que para tal é necessário "paciência e resistência", usando-se de Nietzsche "é preciso aprender a aguentar o deserto", ainda sobre as palavras de Igor "uma travessia de extrema solidão". Quais são os alimentos que nutrem o poeta nesta hora derradeira, se "Pão, antes de ser palavra, é vontade de comer" e este pão está nas nuvens? O deserto e a solidão do poeta seriam em si os alimentos, ainda que "a seca bebeu todas as águas", atravessar-se a si mesmo é uma forma de abranger fronteiras e chegar ao outro como sendo o reconhecimento de si?

JIVM – O eu se perde completamente nesta viagem sem bússola e sem roteiro. Mas quem está perdido está buscando; e muitas vezes sem nem saber o que se está buscando; mas, na verdade, o que importa é a busca. Dentro do silêncio e do deserto do Ser, uma multidão de vozes, num labafero medonho, busca a Unidade, busca chegar ao coro uníssono. O poeta é o solista. O poeta é identificado por sua singularidade, quando, na verdade, o que busca é se perder dentro da Unidade, quando o que busca é chegar ao poema que apague a chama da sua individualidade e o faça arder na Unidade. O poeta que sou busca o Nome, a Palavra. O poeta que sou não quer existir, quer alcançar a graça do amor cósmico. O poeta que sou sabe que Deus não existe, porque compreende que foi Deus que criou a existência. E tudo que existe, um dia perecerá, menos o poema que disser o sem nome de Deus. Mas eu sou apenas um animal do Sertão e tenho sede. O pão da minha poesia, que é o mesmo que dizer “o pão da minha existência” está nas nuvens, nas formas que os ventos da minha percepção vão lhe conferindo, até que caia a chuva de versos no meu ser. Até que eu encontre o Tao do Ser, que é também um Ser-tão perplexo e fora de si – fora do seu corpo – abraçando a imensidão do Cosmo e o brilho das estrelas. O que mais me alimenta é a fome. É do jejum que brota o fruto do delírio e a febre das palavras.

ALAN CARDEC BORGES – Na natureza alucinada do seu sertão, você cultiva delírios e transforma a imensidão em silêncio. Tem-se a impressão que a catarse se dá por uma espécie de epifania, que nos desvela o sagrado da natureza em detrimento do "mito do sagrado", é isso mesmo? E qual a sua relação cotidiana com o sagrado religioso?

JIVM – Rapaz, é cada pergunta que vem que preciso pedir ajuda às estrelas, para que tragam clareza para as minhas ideias. O silêncio da imensidão grita em minha alma o sentimento que se transforma em verso. E não resta dúvida, toda essa tempestade de emoções leva-me a uma epifania: algo solitário que, paradoxalmente, está ligado a todo o Cosmo, em busca da Unidade Primordial. E esse estar perdido em todas as coisas é que proporciona a sensação única, a expressão da unidade, a comunhão com o Uno, com o verso primevo que origina o meu modo de pensar e ser. Não sou filósofo, não tenho formação para fazer uma abordagem que sustente as bases do meu delírio, apenas sinto o que sinto. O que não existe e não sei, invento e descubro e nomeio. E quando a razão me diz que não é possível, aí é que eu acredito mais ainda e vou, num galope desembestado, por esses varedos do imponderável. O sagrado está em toda parte, é isso o que sinto. E ao perceber o mundo dessa maneira, vivo imerso num manancial de magia e de delírio. Às vezes tentando dessacralizar minhas escolhas e os caminhos que vou inventando. Mas de uns tempos pra cá, quase sempre, em comunhão com o que o Universo tem me oferecido.

Gisele Natali, poeta e artista plástica gaúcha, convidada a participar
da entrevista com duas perguntas, faleceu no dia 25 de setembro de 2014

AIRTON SOUZA – Selecionar é sempre algo arbitrário e difícil. Como o poeta José Inácio Vieira de Melo vivenciou esses 70 poemas que compõem a segunda antologia literária de sua produção poética, realizada a partir da óptica de outro poeta, o Igor Fagundes, nesse livro O galope de Ulisses, com uma linda edição da Editora Patuá? E o que podemos esperar de JIVM, de agora para frente?

JIVM – Toda escolha implica em abrir mão de algo. Melhor é não querer nada e tudo sentir. Não interferi em absolutamente nada nas escolhas feitas pelo Igor. E como foi bom esse distanciamento! Só assim pude ter a surpresa que um livro novo e diferente causa no leitor. O Igor é um artista de visão organizacional, senti isso em sua obra, desde seu livro Sete mil tijolos e uma parede inacabada, passando depois por Por uma gênese do horizonte até chegar em Zero ponto zero. Igor pensa os lugares das coisas do menos ao mais infinito. E a estrutura que deu para “O galope de Ulisses” está de acordo com os seus procedimentos e bem delineada no prefácio “O cacto das musas”. Igor, na verdade, escreve o prefácio/ensaio e depois arruma a casa, organiza o livro. Que coisa boa, para mim, contar com um artista e estudioso do porte de Igor Fagundes, dedicando um pouco de seu tempo e de seu talento para a minha obra. E quero deixar expressa, aqui, a minha gratidão. Quanto ao que esperar de mim, muitos paradoxos e o constante gesto de poesia pelos caminhos que os meus passos forem inventado. E esse pasmo que me sobressalta com a novidade que a vida proporciona nas mínimas coisas – de onde menos esperamos. Em 2015, pretendo publicar o meu sétimo livro, que se chama Sete e é composto de sete poemas, cada um dividido em sete partes. Olha aí o Igor Fagundes, assim como o João Cabral de Melo Neto, me influenciando a pensar  o livro como um ser vivo, estrutural, com espinha dorsal. Terminar essa entrevista não foi fácil. Um dos entrevistadores, a poeta gaúcha Gisele Natali, minha querida amiga, faleceu alguns dias depois de ter ditado sua derradeira pergunta para mim, por telefone. Faleceu depois de ter lutado por nove meses contra um câncer avassalador. Após sua partida perdi completamente o ânimo. Mas ela tinha deixado uma pergunta e era preciso responder, era preciso voltar a caminhar. E cá estou, sentindo o gesto de ternura de Gica passeando pelo Cosmo, no tempo e pelos tempos, e acenando para mim e dizendo meu nome dentro de um sorriso, bem assim: José...


COSME ROGÉRIO FERREIRA BRASIL, alagoano, é poeta, comunicador, ator e produtor cultural. Licenciado em Filosofia e mestre em Sociologia, foi secretário Municipal de Cultura, Turismo e Esporte de Palmeira dos Índios e diretor da Casa Museu Graciliano Ramos.

GISELE ALBA NATALI, poeta e artista plástica paulista do Rio Grande do Sul, graduou-se em Pedagogia e trabalhou na Secretaria de Assistência Social de Novo Hamburgo/RS. Publicou o livro Cores ocultas (2014) e teve poemas e telas publicados nas revistas eletrônicas Ellenismos e Confraria dos Poetas. Faleceu em 25 de setembro de 2014, aos 35 anos.

WHIRON DE CAMARGO FANZERES, poeta paulistano, participou da Antologia É Que Os Hussardos Chegam Hoje. Autor do livro Breviário Poético (2014) e da plaquete Enquanto Caminho 1 Possível Delírio Me Atrai (2014).



ALAN CARDEC BORGES nasceu em Torixoréu, no estado do Mato Grosso, e vive em Cuiabá. É autor de três livros: Alegorias encantadas: crianças, contos; O infiltrado e Fogo, poemas.




AIRTON SOUZA, paraense, é poeta, professor e produtor cultural. Licenciado em História, e Letras. Tem participação em mais de 60 antologias literárias. É coordenador do Sarau da Lua Cheia. Publicou alguns livros e tem outros inéditos.



Esta entrevista foi publicada em 11/2014 na revista virtual mallarmargens:
www.mallarmargens.com/2014/11/o-galope-poetico-de-jose-inacio-vieira.html