terça-feira, 30 de dezembro de 2008

JIVM - A MORTE PROMETE JARDINS


A MORTE PROMETE JARDINS
Para Luís Antonio Cajazeira Ramos


Este teu brilho de agora
são cacos – rastros errantes
que persistem na busca inútil
da tua primeira semente.

Este teu brilho de agora
é a sombra do que foste,
e se ainda és girassol celeste
é que a morte promete jardins.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO


LA MUERTE PROMETE JARDINES


Este tu brillo de ahora
son trozos – rastros errantes
que persisten en la busca inútil
de tu primera semilla.

Este tu brillo de ahora
es la sombra de lo que fuiste
y si todavía eres girasol celeste
es que la muerte promete jardines.


TRADUÇÃO PARA O ESPANHOL:
CLAUDINA RAMIREZ


LA MORT PROMET DES JARDINS



Cet éclat présent qui est le tien
ce sont des brisures - des traces errantes
qui persistent dans la quête inutile
de ta semence première.

Cet éclat présent qui est le tien
c'est l'ombre de ce que tu fus,
et si tu es encore un tournesol céleste
c'est parce que la mort promet des jardins.


TRADUÇÃO PARA O FRANCÊS:
PEDRO VIANNA

domingo, 21 de dezembro de 2008

ENTREVISTA - FRANCISCO CARVALHO: POESIA É SALTO NO ESCURO

Por José Inácio Vieira de Melo


A entrevista abaixo foi feita em fevereiro de 2005, quando passei uma semana em Fortaleza, na época do carnaval. Fui até a casa do poeta Francisco Carvalho, onde fui muito bem recebido pelo poeta e por sua esposa, dona Dora, uma bela cearense de olhos verdes e palavras firmes. Conversamos bastante e o poeta deu-me de presente vários livros seus. Aproveitei a ocasião e fiz a entrevista que está reproduzida logo abaixo, e que foi publicada no suplemento de cultura do jornal A Tarde, o A Tarde Cultural, em Salvador, exatamente no dia do meu aniversário de 37 anos, 16 de abril de 2005. Então, vamos à entrevista:


Francisco Carvalho:
“Poesia é salto no escuro”


Aos 77 anos, cinqüenta dedicados ao fazer poético, o poeta cearense Francisco Carvalho lança a antologia Memórias do Espantalho, reunião de poemas escolhidos de 19 livros dos 29 publicados. Apesar de ter vencido a 1ª Bienal Nestlé de Literatura Brasileira, com o livro Quadrante Solar (1982) e de obter o prêmio da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, com Girassóis de Barro (1997), o poeta da cidade de Russas é praticamente um desconhecido no País. Nesta entrevista, Francisco Carvalho fala de como aconteceu sua recente parceria com o cantor Raimundo Fagner e do descaso geral para com a arte poética: “É preciso reconhecer que a poesia é hoje um teatro sem platéia. Uma ribalta às moscas.”.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Francisco Carvalho, há 50 anos deu-se a sua estréia na poesia. De 1955 para cá são 29 livros publicados. Fale um pouco de sua caminhada poética.

FRANCISCO CARVALHO – Visto que não sou uma pessoa com QI excepcional, minha estréia na poesia foi bastante ruim. Os quatro primeiros livros (Cristal da Memória, Canção Atrás da Esfinge, Do Girassol e da Nuvem, O Tempo e os Amantes), escritos numa fase de aprendizagem, são mais do que péssimos. Há muito tempo os considero excluídos da minha bibliografia. Não se pode privar o autor do direito de renegar a má literatura que produziu numa época de imaturidade, quando lhe faltavam as condições intelectuais indispensáveis ao pleno exercício da escrita literária. Só os gênios escrevem grandes livros no início da carreira. Mas os gênios não se encontram nas esquinas...

JIVM – Em 1982 você conquistou o prêmio de poesia da 1ª Bienal Nestlé de Literatura Brasileira, com o livro Quadrante Solar. Em 1997, obteve o prêmio da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, com Girassóis de Barro. Premiações dessa natureza consolidam a trajetória de um poeta?

FC – Prêmios literários não passam de estímulos eventuais. Seguramente não contribuem para consolidar “a trajetória de um poeta”. Até porque, como se sabe, os critérios dessas premiações não estão isentos de interferências alheias à natureza da obra literária. As comissões julgadoras, por sua vez, são bastante sensíveis a questões ligadas à hierarquia social dos concorrentes, como também à imagem por eles projetada nos espaços midiáticos. Os fatores de ordem geográfica têm igualmente peso importante na decisão final dos membros das comissões. Em artigo publicado na revista VEJA, certo poeta fez comentários desairosos à minha premiação pela Bienal Nestlé de Literatura. Criticou o desempenho da comissão julgadora e limitou-se a citar dois versos de um poema que não lhe soara bem aos ouvidos de esteta refinado. Por trás disso, todavia, estava o seu desconforto pelo fato de a comissão haver premiado um poeta nordestino completamente desconhecido, num universo de mais de sete mil candidatos.

JIVM – A literatura, sobretudo a poesia produzida nos estados do Nordeste, não sai de suas províncias. Em recente entrevista ao Jornal A Tarde, o escritor Ivan Junqueira, Presidente da Academia Brasileira de Letras, afirmou que a melhor poesia feita no Brasil está no Nordeste. Qual, então, o motivo do confinamento?

FC – O grande poeta Ivan Junqueira, também ensaísta e tradutor de renome, é uma pessoa com autoridade suficiente para dizer que no Nordeste se faz a melhor poesia do Brasil. Mas os poetas nordestinos não devem generalizar o ponto de vista desse respeitado intelectual brasileiro. Acredito que ele quis se referir a um grupo de poetas do Nordeste que, no seu entender, podem ser colocados no mesmo nível dos poetas de expressão nacional. No que se refere ao motivo do confinamento, a explicação é muito simples: os intelectuais do Centro-Sul partem da premissa de que uma região sem desenvolvimento econômico e social não tem condições de produzir literatura de boa qualidade. Repito agora o que já disse anteriormente: as elites do Sul do país, para o bem ou para o mal, continuam a ditar a moda das roupas e dos poemas.

JIVM – A antologia Memórias do Espantalho, sua mais recente produção, reúne poemas escolhidos de 19 livros. Numa obra tão volumosa e prestigiada, qual o critério para a seleção?

FC – Não existem critérios metodológicos para uma seleção dessa natureza, uma vez que no fundo de todas as avaliações prevalece a subjetividade. Tenho nítida consciência de que não escolhi necessariamente os melhores poemas dentre os que se encontram no livro Memórias do Espantalho. Isso é compreensível quando se trata de uma tarefa desse porte, realizada ao longo de seis meses de trabalho exaustivo, a podar excessos e reescrever poemas. Com todos os equívocos que possa ter cometido, penso que consegui passar a imagem exata do que tenho sido ao longo da vida: um poeta da medianidade.

JIVM – Raimundo Fagner incluiu cinco poemas seus, por ele musicados, em seu novo CD, Os Donos do Brasil (2004). Como aconteceu essa parceria e em que medida contribuiu para a divulgação de sua obra?

FC – A pedido de amigo meu, jornalista Vicente Alencar, e por intermédio deste, enviei um exemplar de Memórias do Espantalho para o cantor e compositor Raimundo Fagner, que manifestara interesse em conhecer minha poesia. Passado algum tempo, recebi copia de uma gravação do poema O Bicho Homem, do livro Raízes da Voz. Algum tempo depois, me foi entregue copia de CD do Fagner, com cinco faixas dedicadas a poemas de minha autoria. O próprio Fagner fez a escolha dos poemas, sem qualquer interferência de minha parte. A partir do lançamento do CD no mercado, o Fagner fez excelente trabalho de divulgação da minha poesia nos centros urbanos mais importantes do país. Obviamente, não espero que essa iniciativa, positiva sob todos os aspectos, me torne num poeta conhecido nacionalmente. Mas teve, inegavelmente, o mérito de expor o meu nome e meu trabalho fora dos muros da tribo.

JIVM – Muitos são os motivos da sua lírica. Do rural ao religioso, do metafísico ao surrealista, assim como você transita do verso medido ao verso livre. Como se movimentar por varias temáticas e diferentes formas e manter o estilo?

FC – A poesia lírica tende geralmente para a diversidade temática. Cada autor tem uma forma peculiar de encarar o fenômeno poético. Alguns preferem captar o poema em meio ao ritmo avassalador das sonoridades do cotidiano. Outros, pelo contrário, preferem mergulhar nos labirintos da subjetividade. Sempre escrevi poemas de modo a contemplar uma faixa temática a mais abrangente possível. O rural, o social, o religioso, o metafísico, o erótico, e até mesmo o surrealismo. Todas essas dimensões, que de alguma forma se entrelaçam ou se bifurcam na memória cósmica do ser humano, no que ele tem de mais profundo e abissal. Também sempre usei de muita liberdade nessa questão de escolha pelo verso medido ou o verso livre. Uma questão que me parece exclusivamente de ordem pessoal. Não existe verso livre quando se pretende fazer um bom trabalho. É o que nos ensina T.S. Eliot, um dos ícones da poesia norte-americana de todos os tempos. O verso branco, o verso rimado, o verso toante, o verso medido, o verso assimétrico – todas essas alternativas são válidas e eficazes se o poeta tem talento e erudição bastante, se aprendeu as lições dos grandes mestres do passado, antes de fazer sua opção pelo chamado discurso da modernidade. Também nessa matéria, “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” (FP). Quando se tem a “alma pequena” (e como é grande o número de “almas pequenas”!), o melhor que se tem a fazer é trocar a caneta esferográfica por um desses brinquedos eletrônicos de fabricar moedas...

JIVM – Gilberto Mendonça Teles destacou sua obra poética juntamente com Jorge de Lima, Murilo Mendes e Augusto Frederico Schmidt. Esses autores são referencias em sua obra? E quais as outras?

FC – Isso realmente aconteceu. Gilberto Mendonça Teles acha que a minha poesia, sob o prisma religioso, tem pontos de referência com a poesia de Jorge de Lima, Murilo Mendes e Augusto Frederico Schmidt. Em certa época de minha vida, os dois primeiros poetas exerceram influência marcante sobre minha escritura poética. Notadamente o primeiro. Cheguei a escrever um livro de poemas (frustrado, diga-se passagem), fortemente impregnado pela estética visionária de Invenção de Orfeu, livro fundamental da literatura brasileira. Outras influências, igualmente poderosas, ofuscaram o meu horizonte de poeta embrionário. Sem formação cultural capaz de impor minha individualidade literária, fui condoreiro com Castro Alves, romântico com Alvares de Azevedo, simbolista com Cruz e Souza, parnasiano com Olavo Bilac, etc., etc. Depois foi a vez de Augusto dos Anjos, Manuel Bandeira, Camões, Fernando Pessoa, Antônio Nobre, Cesário Verde, Jorge de Lima, Drummond de Andrade, Saint-John Perse, Neruda, Garcia Lorca e vários outros... Essa questão de influência literária é uma patologia que atinge a maioria dos poetas iniciantes. Com o passar do tempo, vai-se diluindo aos poucos até que os poetas alçam vôo sem precisar das asas dos outros. De modo geral, as influências são benéficas, desde que não ultrapassem certos limites.

JIVM – Tem-se produzido muita poesia no Brasil, e poucos são os leitores. O que você acha da nova poesia? O que tem a dizer aos novos poetas?

FC – Nunca se produziu tanta poesia no Brasil como ocorreu a partir da revolução modernista de 22. Mas é bom que se diga que essa produção, deflagrada sob a égide do versilibrismo, foi em grande parte prejudicada pelos excessos e turbulências da primeira hora. Poetas acostumados à vassalagem do verso medido davam a impressão de haver descoberto o mapa da mina. O que importava, realmente, era a implosão do Monte Parnaso, esse lugar mágico onde se concentrariam, segundo os mais radicais, todos os males e deformações da poesia brasileira que se desenvolveu desde o final do Séc. XVIII até o primeiro quartel do Séc. XIX. Mas nem tudo era convincente na retórica dos modernistas. O tempo se encarregou de corrigir os excessos. É preciso reconhecer que a poesia é hoje um teatro sem platéia. Uma ribalta às moscas. Os poetas que se leiam a si mesmos. A pobreza, a fragilidade social, o desemprego, a violência urbana, a política de confiscos salariais, as desigualdades regionais – tudo nos afasta da poesia e da literatura de um modo geral. Pode-se viver sem poesia, mas não se pode viver sem proteínas. E o custo da proteína está pelos olhos da cara. Nada a dizer aos novos poetas, senão que a opção pela poesia é um salto no escuro. Em matéria de poesia, ninguém ensina nada a ninguém. A poesia é um caminho solitário que pode não chegar a lugar nenhum. A este assunto também se ajusta a sentença bíblica segundo a qual “muitos serão os chamados e poucos os escolhidos”. Os famosos conselhos de Rilke a um jovem poeta do seu tempo estão completamente fora de moda.

JIVM – Qual a sua definição de poesia? O poeta exerce algum papel na sociedade?

FC – Penso que a melhor definição de poesia é o próprio poema. De qualquer forma, respondo à pergunta da seguinte maneira: 1) poesia é a sistematização de códigos verbais por meio da qual a linguagem escrita (no caso o poema) é transformada em objeto estético para usufruto do leitor hedônico; 2) fazer poesia é ver as coisas como as coisas não são; 3) fazer um poema é estar em conflito com os dedos da mão. A estas acrescento uma definição de Lawrence Durrel, autor do Quarteto de Alexandria: “A poesia acontece quando uma ansiedade encontra uma técnica”. Esta me parece uma das melhores e mais perfeitas definições de poesia que tenho lido. Que me perdoem a franqueza nada diplomática, mas o poeta exerce o papel de besta na sociedade, que lhe nega o devido apreço nem retribui condignamente o seu trabalho. Mas os poetas continuam resistindo a todas as tentativas de expulsá-los da República, como pretendia certo filósofo da antigüidade.

JIVM – Fale um pouco mais sobre os novos poetas. Quais os seus novos projetos? Algum livro em vista?

FC – É fora de dúvida que existe atualmente uma nova geração de poetas com bastante visibilidade no terreno escorregadio da literatura nacional. Poetas de uma faixa etária que vai dos 30 aos 45 anos de idade vêm expressando, com grande determinação, um discurso lírico compatível com os padrões estilísticos da modernidade literária. Prova disso é a recente antologia organizada pelo poeta José Inácio Vieira de Melo (Concerto Lírico a Quinze Vozes), na qual figuram l5 poetas de várias tendências ideológicas, a respeito dos quais gostaria de transcrever estas palavras do prefaciador do livro, Aleilton Fonseca: “A grande maioria já demonstra o talento, a consciência e a dedicação necessários à construção de um estilo, de uma poética, de uma lírica”. Só o tempo, segundo ele, indicará os poetas “que terão a força e o espírito suficientemente fortes para se impor aos recortes da crítica e da história” (p.3l). Gostaria ainda de fazer um destaque especial sobre Vanessa Buffone, carioca radicada na Bahia. Ela participa de outra antologia (Os Outros Poemas de que Falei), juntamente com outros seis autores. Sua expressão literária manifesta-se num discurso de fortes acentos pessoais e de apreciável densidade lírica. Desconfio que na minha idade seria paradoxal falar de “novos projetos”. Todavia, como os redatores da Carta não decidiram ainda que é proibido sonhar, gostaria de publicar, antes dos oitenta, uma última coletânea de poemas. O ideal é que isso pudesse ser feito sob a chancela da Academia Brasileira de Letras, ainda que eu tivesse de arcar com os custos da edição. Mas tudo isso não passa de uma utopia de poeta marginal.


H E R Ó I


Herói não é o que vai irrigar as lavouras
da morte nos campos de batalha.
Não é o que volta das trincheiras minadas
de explosivos com medalhas no peito
mutilações no corpo e na alma.

Herói não semeia tulipas de sangue
ramalhetes de napalm e rosas de átomo.
– Não é o aventureiro que fez xixi na lua.

– Herói é o que vai todas as tardes à padaria
mais próxima buscar o pão ainda morno
para testemunhar o mistério da vida.


FRANCISCO CARVALHO

FRANCISCO CARVALHO - MITO DE SÍSIFO



MITO DE SÍSIFO


Não me queixo de Deus.
Sou o que fiz de mim.
As nuvens são negras ou azuis
porque minha ilusão as quis assim.

Não me queixo de Deus.
Seco-me aos ventos do desamparo.
Semeei caminhos e encruzilhadas.
O futuro é uma senda do homem.

Sísifo conduz uma pedra pelos declives do abismo
sem que o céu se importe com isso.
Também nós carregamos uma pedra,
acorrentados à liberdade.


FRANCISCO CARVALHO

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

JIVM - A SAGRAÇÃO DO MITO



A SAGRAÇÃO DO MITO
Para Foed Castro Chamma


Eu preciso de um espelho:
olhar no fundo dos olhos
e ver bem dentro de mim:
quero beijar minha sombra,

ir no cerne dos desejos
e perceber cada célula
com o frenesi que sinto
na agulha do peitoral.

Sou a criação de Deus:
barro que sonha odisséias.
Em minha íris o Cosmo:
os mitos vestem meu nome.

Sou a pedra, o barro, a lama.
Estrelas, soprem em mim
e assim estenderei meus
nomes nos passos do vento,

e em todo lugar o sonho
do Ser estará presente.
Sou o símbolo de tudo,
um sonho sem fim, o mito.

Estou em frente ao espelho,
e em minha íris o Cosmo:
todos os meus estilhaços,
todos os eus consagrados.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO