terça-feira, 29 de setembro de 2009

A PASSAGEM DO POETA ROBERVAL PEREYR POR JEQUIÉ - A CIDADE SOL



O poeta Roberval Pereyr esteve conosco em Jequié, na noite de 26 de setembro. Veio na companhia de sua esposa Bárbara. Sua participação no projeto Travessia das Palavras foi singular. Roberval é um poeta singular. Claro que o evento contou com a participação especialíssima do Grupo Concriz, da cidade de Maracás, que deu um brilho especial para a nossa noite de poesia. A foto acima é da participação do Roberval no projeto Uma Prosa Sobre Versos, em Maracás, no dia 11 de julho de 2008. Como podemos ver, Roberval está cercado de crianças e jovens, portanto está guarnecido pela mais pura poesia das crianças e pela imortalidade dos jovens. Vamos terminar esse bate-papo postando um dos belos poemas de Roberval Pereyr. Abraços.

JIVM


HERANÇA


Não trago mais que esta sede
de combinar erro e sonho
no mesmo triste compasso
no mesmo canto difuso

não trago mais que a saudade
do meu último (des)encontro
comigo e contigo (elo
selando a nossa desdita)

não trago mais que remorsos
de ter ferido ferido
meu mais íntimo reduto
em que o meu deus (santo e urso)
habitava (já não habita):

agora estou só: meu peito
é templo roto, ruído
e não sou mais que um soluço
sussurrado no deserto

(num deserto de sussurros)

e o medo com seus fantasmas
e o vento com seus enigmas
já me invadem, já me alarmam

e não trago mais que o estigma
dos que na vida perderam
a briga, os irmãos, a casa
e hoje perdidos vagam
por entre sombras e abismos.


ROBERVAL PEREYR

terça-feira, 22 de setembro de 2009

I SEMINÁRIO DA POESIA BAIANA NO OESTE DA BAHIA

Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Departamento de Ciências Humanas / Campus IX
Barreiras – 2009

I Seminário da poesia baiana no Oeste da Bahia


PROGRAMAÇÃO

23 / 09 / 2009

7:30 hs – Credenciamento

8:00 hs – Palestra de abertura: Nomes e temas da poesia baiana pelo Prof. Dr. Aleilton Fonseca, membro da Academia de Letras da Bahia e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana

9:30 hs – Lançamento do livro O Pêndulo de Euclides, de Aleilton Fonseca

10:00 hs – Bate papo com o autor: Aleilton Fonseca

14:00 hs – Oficinas:
– A poesia de Godofredo Filho;
– A poesia de Carvalho Filho;
– A poesia de Ruy Espinheira Filho;
– A poesia de Sosígenes Costa;
– Samba de roda: uma poética do recôncavo, de Fred Souza Castro

16:00 hs – Mesa Redonda: Painel da Poesia Baiana Contemporânea, com o poeta e jornalista José Inácio Vieira de Melo. Mediador: Aleilton Fonseca

17:00 hs – Lançamento do livro A infância do centauro, de José Inácio Vieira de Melo

24 / 09 / 2009

8:00 hs – Oficinas:
– A poesia de Godofredo Filho;
– A poesia de Carvalho Filho;
– A poesia de Ruy Espinheira Filho;
– A poesia de Sosígenes Costa;
– Samba de roda: uma poética do recôncavo, de Fred Souza Castro

10:00 hs Mesa Redonda: Uma rede poética: lirismo amoroso e criação verbal em Eurico Alves, com o prof., mestre e poeta Cleberton Santos. Mediador: José Inácio Vieira de Melo

14:00 hs – Oficinas:
– A poesia José Carlos Capinan;
– A poesia de Carlos Anísio Melhor;
– A poesia simbolista na Bahia;
– O Movimento Poetas na Praça;
– A poesia de Antonio Brasileiro
– A poesia feminina baiana: Miryam Fraga e Maria da Conceição Paranhos;
– A poesia de Aleilton Fonseca

15:30 hs – Lançamento do livro Lucidez Silenciosa, de Cleberton Santos

16:00 hs – Mesa Redonda: Encontro com poetas locais. Mediação: Cleberton Santos

19:00 hs – Conferência: O fazer poético, com Geraldo Maia


25 / 09 / 2009

8:00 hs – Oficinas:
– A poesia José Carlos Capinan;
– A poesia de Carlos Anísio Melhor;
– A poesia simbolista na Bahia;
– O Movimento Poetas na Praça;
– A poesia de Antonio Brasileiro
– A poesia feminina baiana: Miryam Fraga e Maria da Conceição Paranhos;
– A poesia de Aleilton Fonseca

9:30 hs – Comunicações com a participação dos poetas Ametista Nunes, Geraldo Maia e o Prof. Msc. Antonio de Pádua de Souza e Silva

10:00 hs – MPP: uma poética de ruptura e resistência, com os poetas Geraldo Maia, Ametista Nunes e o Prof. Msc. Antonio de Pádua de Souza e Silva

14:00 hs – Comunicações

16:00 hs – Lançamento de livros e recital de poesia com os poetas Geraldo Maia, Ametista Nunes, Prof. Msc. Antonio de Pádua de Souza e Silva e convidados

17: 00 hs - Encerramento

BIENAL DO LIVRO DO RIO - AURÉLIO SCHOMMER ENTREVISTA JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

Fotos: Carolina Castro





segunda-feira, 14 de setembro de 2009

JIVM NA XIV BIENAL DO LIVRO DO RIO

foto Ricardo Prado

Pois é, gente, estou na maravilhosa cidade do Rio de Janeiro. Mas que lugar bonito! Estou hospedado no hotel Othon Savoy, em Copacabana, ao lado do mar. A Bienal do Rio está acontecendo no Rio Centro. É uma viagem daqui de Copacabana para lá. Mas uma viagem muito agradável. Lancei meu livro A infância do Centauro ontem. Foi um momento muito legal. Recitei para um pequeno público alguns dos meus poemas e atraí várias pessoas para o stand dos autores baianos com a força da palavra poética. Tive o prazer de contar com as presenças do poeta carioca Cairo Trindade e do agitador cultural de Rondônia Selmo Vasconcellos, dos amigos Pedro Rivas e Marcos Siqueira, e da belíssima professora de dança Mariana Siqueira e de várias outras pessoas. Além de meu livro, foi lançada também a agenda Retratos Poéticos do Brasil, de 2010, da Escrituras Editora, que tem como tema os poetas baianos e que conta com a minha organização. Tenho motivos de sobra para estar satisfeito.
Tive também o prazer de encontrar, na bienal, com o jovem e talentoso poeta e crítico Igor Fagundes, e com o editor da revista Confraria, Márcio André.
Nos primeiros quatro dias de Bienal e de minha estadia aqui no Rio, tive a satisfação de contar com a companhia carinhosa e amiga de Elaine Hazin que me apresentou a várias pessoas interessantes, como os integrantes do grupo Moinho (Lan Lan, Emanuele Araújo e Nara Gil), Chicão (filho de Cássia Eller) e a luminosa figura de Marta, com quem tive uma afinidade espiritual. Também fiz passeios com o casal Junia Leite e Bruno Machado, pessoas ternas e de bem com a vida. Destaco também a feliz coincidência do encontro com o ator Jackson Costa na Gávea. Estávamos reunidos, um grupo de baianos formado por Sérgio Rivero, Elaine Hazin, Sérgio Hazin, Junia Leite, Bruno Machado e eu, encontramos Jackson e resolvemos assistir a peça Deus é química, de Fernanda Torres, com os atores Luís Fernando Guimarães, Francisco Cuoco, Jorge Mautner e a própria Fernanda Torres.
Outro momento de satisfação foi o reencontro com Helena Ortiz, na quinta à noite, no bairro de Santa Tereza, onde a minha amada amiga reside. Pena que no dia seguinte sua mãe tenha falecido e Helena viajou para o Rio Grande do Sul para despedir-se de seu ente querido.
Mas tem muita coisa pela frente, pois permaneço aqui no Rio até o dia 21. Já tenho encontros marcados com Astrid Cabral, Igor Fagundes e Helena Ortiz, assim como um recital para Pedro Rivas, Marcos Siqueira e um grupo de amigos seus que pretendem me apresentar. Por enquanto é só.
JIVM

ESCRITORES BAIANOS LANÇAM LIVROS NA BIENAL DO RIO

A visitação no stand dos autores baianos na Bienal do Livro do Rio tem sido bastante animadora. Os cariocas tem demonstrado interesse nas publicações dos autores da Bahia.
Uma prova disso foi o êxito dos lançamentos dos livros “Domingos Sodré, um sacerdote africano” (Companhia das Letras, 2007), do historiador João José Reis; e “A infância do centauro” (Escrituras Editora, 2007), do poeta José Inácio Vieira de Melo; nos dias 11 e 13, respectivamente.
Os autores falaram para uma platéia seleta na aconchegante sala do stand. João José Reis fez uma abordagem sobre temas como candomblé e islamismo na Bahia, apresentado ao público os conhecimentos de um pesquisador minucioso, além de falar da sua relação com o mercado editorial.
José Inácio Vieira de Melo, por sua vez, fez um animadíssimo recital que despertou a atenção do público passante. O poeta também tratou de temas como a poesia contemporânea da Bahia, a escassez de leitores de poesia e fez uma explanação sobre sua obra, que contempla a força mística e telúrica do universo campesino aliada ao conflito existencial do homem na pós-modernidade.
O próximo título a ser lançado será “Floração de Imaginários” (Via Literarum, 2008), livro de ensaios do escritor Jorge de Souza Araujo, que vai acontecer no dia 16, às 19 horas.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

ELIANA MARA CHIOSSI E SUAS FÁBULAS DELICADAS NA CIDADE DAS FLORES



P I E D A D E

Se eu amasse Hitler, seria uma santa. Ofereceria, para meu pobre ditador, todo o perdão. Em noites de frio, aguardaria sua chegada, com a sopa quente. Ofertaria o abrigo do meu colo. Se eu amasse Hitler, arranjaria um jeito de ser surda. E falaria com ele apenas de assuntos banais como a textura do morango e a beleza dos cristais. Para evitar pesadelos e higienizar minha memória, dos relatos do horror por ele praticado, eu iria me transformar, pouco a pouco. No estado de pedra dura e condensada, desejaria a morte, cada dia. Mas antes, a face de santa seria coberta pelas lágrimas de sangue. Se eu amasse Hitler, teria a vida de uma estátua. Chegaria o momento do extremo alívio, morte desejada. Na expressão do meu rosto, prévio monumento, haveria a gravação terrível da certeza: aquele homenzinho odioso era meu filho. E era humano.

ELIANA MARA CHIOSSI

*

Eliana Mara Chiossi vai se apresentar, no próximo dia 12 de setembro, no projeto Uma Prosa Sobre Versos, na cidade de Maracás, Bahia, coordenado por Edmar Vieira. Na ocasião, Eliana Mara vai lançar Fábulas delicadas, que é o seu primeiro livro, mas que surge com uma maturidade que é possível apenas para quem tem ouvido absoluto e compreende os ritmos inumeráveis das polifonias dos delirantes. O evento conta sempre com a participação especial do Grupo Concriz, que faz um belo recital com poemas do convidado (a). O Grupo Concriz é composto por 25 jovens da comunidade maracaense e coordenado pelos irmãos Marcelo Nascimento e Vitor Nascimento Sá.
Eliana, minha amiga, viva intensamente esse momento de glória da sua palavra poética. Leve suas fábulas delicadas para a Cidade das Flores e semeie as pétalas do seu sentimento mágico no coração da calorosa platéia que vai apreciar seu trabalho. Gostaria muito de estar com você, mas minha poesia também vai estar se espraiando por outras paragens – estarei na Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Mas, de alguma maneira, estaremos juntos, você, eu e os concrizes de Maracás. Beijos.
JIVM

terça-feira, 1 de setembro de 2009

SANGUE NOVO - VITOR NASCIMENTO SÁ



A POESIA COLOCA A VIDA EM DESORDEM – VITOR NASCIMENTO SÁ nasceu em 1982, no sudoeste da Bahia, em Maracás, também conhecida como Cidade das Flores, onde vive até hoje. Poeta e professor de literatura, formado em Letras na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) em Jequié, é co-diretor do Grupo Concriz – equipe de jovens recitadores e poetas que tem realizado diversos recitais no Estado, desde 2005. Vitor é um poeta cauteloso e fica um tanto arredio quando solicitado a mostrar seus versos. O clima frio de Maracás, que chega à temperatura de 10º entre maio e agosto, é propício para a maturação de sua poética e para que possa remoer o conflito que o perpassa: “Eu perco a paciência com a minha própria poesia e a deixo de lado na esperança de que eu seja de uma vez por todas livrado dessa praga. Em vão. Basta ler alguma coisa e novamente a poesia vem desfazer minha paz e colocar minha vida outra vez em desordem”.

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – O que o motiva a ser poeta? É tão importante assim?

VITOR NASCIMENTO SÁ – Eu não me sinto motivado a ser poeta. Eu sou poeta. Acredito que há algo em minha natureza que impõe isso independentemente do destino que eu mesmo procure dar à minha vida. Então, eu sou poeta. Se eu não tivesse contato com a literatura, talvez essa força tivesse se manifestado de uma outra forma, talvez em outra modalidade artística. Mas com certeza a atitude poética seria parte de minha essência de qualquer maneira. Essa força, ou natureza, é algo que até tento sufocar às vezes, porque tenho medo de me expor demais na escrita. É por essa razão que minha produção tem lacunas de meses. Eu perco a paciência com a minha própria poesia e a deixo de lado na esperança de que eu seja de uma vez por todas livrado dessa praga. Em vão. Basta ler alguma coisa e novamente a poesia vem desfazer minha paz e colocar minha vida outra vez em desordem. Por isso, repito, Inácio, sou poeta e ponto.
Na minha infância já me sentia atraído pela prática da escrita, mas a escrita de um modo geral. Por ser tímido e, às vezes, excessivamente introspectivo, sempre tive mais facilidade de comunicar meu pensamento por essa via. A fala sempre me foi um esforço para além de minha natureza e a busca pela possibilidade de recusá-la, de optar por algo que, pelo menos aparentemente, não me expusesse tão diretamente, me levou ainda na adolescência a arriscar os primeiros versos confessionais. Mas diria que de poético nesse caso só há a minha lembrança, que talvez não corresponda ao que de fato aconteceu, porque a memória do poeta está a todo instante sendo reescrita. O texto que eu produzia naturalmente não passava de um desabafo mal alinhavado. E não podia ser diferente: não se pode escrever poesia sem ler poesia. A arte poética propriamente dita foi algo a que tive um contato mais sólido somente no curso de Letras. Acho que há ainda uma deficiência na educação básica quando a missão é introduzir o estudante na literatura, em geral, e na poesia, em particular. E não posso dizer que tenha encontrado em minha família exemplos de bons leitores. Mas depois da faculdade o meu tardio contato com a poesia foi se intensificando. Acabou que aquela fascinação pueril pela escrita e o questionamento constante de minha própria existência me empurraram para esse abismo que é a poesia em minha vida de uma forma que ela passou a ser essencial. Não sei quantas vezes tentarei novamente sufocá-la, quantas vezes fugirei desse abismo. Mas sei que não posso viver negando a minha essência o tempo inteiro. Um dia terei que assumir esse compromisso de modo mais efetivo.

JIVM – O poeta desempenha algum papel na sociedade? O poeta tem alguma função? A poesia serve para que?

VNS – Função, talvez sim. Incomoda-me muito o fato de alguns acadêmicos desejarem dar ao poeta uma utilidade. Ele não precisa disso. A poesia, como qualquer outra forma de arte, é arte justamente por se contrapor ao que é utilitário. Não discutirei obviamente as relações que se podem fazer entre o artístico e o utilitário em outras manifestações, como a arquitetura ou a moda. Mas a idéia que a humanidade construiu de arte ao longo dos séculos a põe do lado oposto de qualquer coisa que sirva para algo. A poesia e a literatura como um todo não servem, nem podem servir, para nada. Até porque somos nós que nos colocamos a seu serviço, não o contrário.
O papel que o escritor de literatura desempenha na sociedade, portanto, é algo muito questionável. Em primeiro lugar, porque literato de verdade não escreve para uma sociedade, não escreve pensando no que será útil, agradável ou aceitável para o público. Para fazer esse tipo de coisa já temos a turma da auto-ajuda. Em segundo lugar, porque a sociedade muda e o texto escrito não. Um poeta que nos parece idiota hoje poderá ser o gênio injustiçado do próximo século. Então quem escreve hoje pode não desempenhar nenhum papel na sociedade de hoje, mas mudará as próximas gerações. O contrário também é verdade: quem se coloca na literatura pensando desempenhar um papel importante no cenário social de seu tempo poderá ser um grande esquecido talvez daqui a cinco anos.
A poesia renova a linguagem. Mas não sei se isso é a função da poesia. Parece-me que essa renovação é apenas uma conseqüência da poesia. Porque, afinal de contas, não é a intenção do poeta (pelo menos pelo que me parece) renovar a linguagem. A intenção do poeta é a própria poesia, é a arte e a palavra. O resto é periférico, é secundário.

JIVM – Fale sobre o que é, o que faz e o que pretende o Grupo Concriz. E fale também da participação do Concriz nos projetos de poesia da Bahia.

VNS – Em Maracás há uma turma envolvida com literatura que, liderada pelo poeta Edmar Vieira, desde o ano 2000, pelo menos, fazia recitais esporádicos, principalmente para lançamentos de livro de poesia e para eventos organizados pela secretaria de educação. Mas não era um grupo fixo. Era um monte de amigos que se renovava a cada oportunidade de apresentação. Também não eram apresentações regulares, eram pontuais. Tenho notícias de diversos recitais. O primeiro que participei foi em 2005. Dois anos depois, foi realizado o recital de lançamento de A Infância do Centauro em Maracás e Edmar Vieira me convidou para dirigir com ele. Depois disso, começaram a surgir outras oportunidades de modo mais regular, como o projeto Pétalas, lançamentos de livros em outras cidades e participações em fóruns e alguns eventos da educação. Por isso é que surgiu a idéia de fazer um grupo que se consolidasse. Depois escolhemos o nome. Concriz é um pássaro muito comum no sertão que tem um canto muito belo. É conhecido também como sofrê.
Em 2008, participamos do projeto Uma Prosa Sobre Versos em Maracás e fizemos sete recitais de poetas diferentes. No mesmo ano, fizemos dois recitais em Jequié, um em Lafaiete Coutinho, um em Iramaia e outro em Santa Inês. Todas essas cidades são próximas de Maracás. Em 2009, estamos realizando o segundo ano de Uma Prosa Sobre Versos e participamos também de um projeto bem parecido em Jequié, o Travessia das Palavras. Mas, sem sombra de dúvidas, a nossa melhor participação foi na Bienal do Livro de Salvador. Fizemos um recital no stand da Secretaria da Cultura e dois recitais na Praça de Cordel e Poesia.
O grupo se renova o tempo inteiro e praticamente não tem limite de idade: Edmar Vieira, o mais velho, já passa dos trinta; o componente mais novo tem seis anos. Desde que a criança saiba ler e goste de poesia, pode fazer parte do Concriz, respeitando-se obviamente um limite máximo de participantes, porque não podemos dirigir tanta gente ao mesmo tempo. Hoje a direção do grupo é dividida entre mim, Edmar Vieira e o também poeta Marcelo Nascimento, meu irmão. E todos nós temos também outros compromissos, porque nossa atividade no Concriz não é remunerada. Agora, o grupo tem vinte e cinco recitadores. Concordamos que não dá pra aceitar mais ninguém, por enquanto.
No futuro, pretendemos elaborar um recital de vários poetas baianos, possivelmente privilegiando algum tema, e produzir esse recital em nosso território, o Vale do Jiquiriçá. Incomoda-nos o fato de produzir um recital para ser apresentado apenas uma vez. Outra ambição do grupo, que talvez se concretize ainda esse ano, é gravar um CD de poesias, também de autores baianos. Há outros projetos em estudo, principalmente em lançamento de livros de poesia no Vale do Jiquiriçá.

JIVM – Quais foram as leituras que mais lhe marcaram? Quais os autores referenciais?

VNS – A que mais me marcou foi a obra completa de João Cabral de Melo Neto. Deu-me uma visão bem diferente, muito mais madura, da literatura e me fez afastar da idéia de poesia como pura confissão e emotividade. Com Cabral, consegui aproximar-me do conceito de poesia enquanto construção. Mas considero indispensáveis a leitura de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Ferreira Gullar. Acho que isso é o básico e é o que tenho em maior estima. Não posso esquecer de outros que leio esporadicamente como Cecília Meireles, Vinícius de Moraes e Fernando Pessoa. Hoje estou lendo Federico García Lorca, com o meu espanhol sofrível. Mas, em matéria de leitura, não tenho predileção por essa ou aquela poesia, por isso é que entrei em contato também com Leminski e, posteriormente, com os Campos e Pignatari, embora não me sinta muito atraído pelo Concretismo. Enfim, sou professor de literatura; preciso conhecer um pouco de cada coisa da tradição à renovação. Mas minhas referências são, além dos autores do modernismo que já citei, os poetas do meu tempo: Ruy Espinheira Filho, Florisvaldo Mattos, Kátia Borges, Carlos Barbosa e você, José Inácio Vieira de Melo. Acho importante para o poeta de hoje, ler os poetas de seu tempo. Não dá para ficar só na tradição. Afinal de contas, a poesia só existe porque se reinventa e todos nós precisamos acompanhar essa reinvenção.

JIVM – A sua poesia caminha em que direção? Há algum livro em andamento? E o que mais?

VNS – Não sei se minha poesia tem uma direção. Também não tenho projeto de um livro. Vou escrevendo poemas, só isso. Há semanas que produzo muito e, na semana seguinte, jogo tudo fora. Depois passo meses sem escrever. E é isso. Não tenho muita disciplina e também não tenho pressa de publicar. Vou escrevendo na esperança de que o momento certo chegue, o momento em que terei certeza de que posso publicar sem arrependimentos futuros.
No mais, Inácio, resta agradecer pelo espaço, pelos conselhos, pela amizade. A poesia baiana precisa de pessoas generosas como você, pessoas que se dedicam à causa da poesia e não medem esforços para guiar os mais novos nesse caminho. O seu blog é um lugar de reuniões. Todas as pessoas da literatura da Bahia passam por aqui para dar uma olhadinha, deixar um comentário e conhecer gente nova. Sua produção poética já é em si um legado. Mas você faz mais. Você faz a diferença. Obrigado.

TRÊS POEMAS DE VITOR NASCIMENTO SÁ


Ilustração: Gilvan Samico




















CARONTE


Na primeira vez que vi Caronte,
minha vida pareceu mais acabada.

Mas passadas quase três eternidades,
mirando sua face na saída,
pareceu-me a única amiga
a que eu já tinha observado.

Na terceira vez que Caronte encontrei,
já trazia o coração despedaçado:

nem o cumprimentei, pobre barqueiro.
Paguei e ordenei que atravessasse,
eu, lamentando ter morrido de infarto
e com paixão mandando no meu peito.

Caronte, agora, encontro todo dia:
é porteiro do prédio onde trabalho.

Com bom dia o saúdo logo cedo;
vem trazer o meu jornal meio amassado.
E, ao sair, digo assim, meio com medo:
boa noite, meu barqueiro desgraçado.



ESCAPULÁRIO


Eu, o escapulário e um copo d’água.
Então me vejo caminhar de longe,
vento no cabelo encaracolado.
E a sombra cerca uma coivara e some.

Espanto-me com tiros pelas costas.
No chão, sinto a poeira pela cara.
E digo que a verdade agora é posta:
eu, o escapulário e um copo d’água.

Deus, água de coco e Azerbaijão:
um homem-bomba bufa em restaurante.
Por mais que se queira pleno futuro,

se sabe que o passado é mais que fruto,
pra forçar que nosso presente pare:
eu, o escapulário e um copo d’água.



CORTEJO DO FOGO


Ontem, o passado me visitou quase inteiro,
como uma procissão de São Roque
nas ruas de terra de Maracás.

Minha mãe sentada – a parede nua às suas costas –
me espiava baixinho e ordenava
ficar de olho no caminho pra que ela não caísse.
E balbuciava como quem grita:
menino, por que você não olha por onde anda?

Mas como poderia eu olhar,
se minha mãe nascera cega
em pleno dia de Santa Luzia
e passava a enxergar aos poucos
como na história sagrada
que parcamente lia?

Terra, cuspe e barro de Nosso Senhor
na face pequena de minha mãe
e o sorriso de minha avó
contando histórias perto do fogão a lenha.

Aí eu achei graça do pudor
com que olhei pela primeira vez
a pelagem rala na boceta jovem de minha prima
tomando banho de cuia no banheiro de palha.

Fogo!

Meu passado é brincadeira perigosa.
Mas me apareceu em formato de chapéu
e, surpreendentemente, a cabeça ainda
me servia como nos meus quatorze anos.
Mas estava à venda a preços
que, na época, não se praticavam.

E minha tia morta ordenando a todos
que saíssem como não pudessem,
que saíssem mesmo a qualquer custo.

Afinal, o meu passado será sempre
brincadeira de fogo, perigosa.