domingo, 30 de janeiro de 2011

JIVM - NERO



NERO


Botei fogo no mundo, botei sim!
Um vento forte soprava do norte,
peguei o facho em chamas e ateei fogo
nas coivaras ao meio-dia em ponto.

A caatinga é uma fogueira só:
que coisa mais linda a língua do fogo
lambendo tudo que é garrancho e pau,
estalando e chiando no imo verde

dos espinhos dos pés de quiabento!
Oh, bom pastor, somente a luz do fogo
para purificar os quiabentos.

Agora, meu pastor, que as sarças ardem,
que estou na brasa do meu sentimento,
toco minha lira em louvor de Nero.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

SANGUE NOVO - VANNY ARAÚJO



PARTILHA DE DEVANEIOS – VANNY ARAÚJO nasceu em 19 de março de 1991, em Aracaju, Sergipe, e mudou-se para a capital baiana aos 10 meses. Sempre teve inclinação para as artes e desenvolveu uma paixão específica pela literatura, por ter vivido cercada de livros. Mantém desde 2007 o blog A vida é beijo doce em boca amarga (http://www.sophianonima.blogspot.com/), o que a permite compartilhar os seus devaneios e atenuar as suas angustias, através dos personagens que cria. Ingressou em 2009 no curso de Letras Vernáculas da Universidade Federal da Bahia. Tem como projeto de vida uma carreira voltada para publicações literárias. Vamos ouvir o que tem a dizer a mais nova Sangue Novo, a caçula do grupo.

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Vanny, por que inventar de ser poeta? Ou já se nasce poeta? E o que é ser poeta? E o que é a poesia?

VANNY ARAÚJO – Acho que a gente já nasce sendo poeta. Com aquela marca característica de quem nasce assim, cabeça das nuvens, mania de pensar demais, de amar demais todas as coisas. Mas isso não significa que uma pessoa não possa se descobrir poeta ao longo da vida. Um analfabeto pode ser um poeta fantástico. Poesia não é só meia dúzia de palavras numa folha. Poesia pode ser até uma folha em branco. Poesia é sentimento. E ser poeta é compreender esse sentimento e enxergá-lo nas pequenas coisas.

JIVM – Quais são os poetas que lhe fazem delirar e que lhe acompanham nos seus sonhos? O que lhe inspira? Que autores são referenciais? O que anda lendo no momento?

VA – Ah, não saberia viver sem eles! Paulo Leminski, Alice Ruiz, Mário Quintana, Florbela Espanca, Elisa Lucinda. Gosto muito de poesia feita por mulheres. O que me inspira? Acho que o mundo me inspira. A tristeza do mundo. A angústia. Gosto de escrever prosa sobre seres humanos em situações limites. Porém, paradoxalmente, gosto de poesias doces, felizes, amáveis. Me identifico muito com o fantástico Caio Fernando Abreu. Acho que fomos parentes numa outra dimensão...
Ando lendo um livro que ganhei do namorado, A Casa da Mãe Joana, de Reinaldo Pimenta. Curiosidades sobre a origem das palavras. Gosto muito de etimologia e ele é super gostoso de ler.

JIVM – Você escreve prosa, poesia e prosa poética. O que diferencia cada uma dessas linguagens?

VA – Adoro histórias. Adoro escrever sobre pessoas que eu nunca poderei ser. Por isso gosto muito de escrever contos. Histórias curtas, na medida certa, sobre personagens às vezes não tão interessantes assim. Mas não consigo me dissociar da poesia enquanto escrevo em prosa. Por isso a maioria dos meus escritos se tratam de prosa poética. Com muitas imagens, ritmo, e metáforas fáceis de se visualizar. Acho que a diferença está mais no ler do que no escrever. Conseguiríamos versar qualquer texto se quiséssemos. E como eu falei anteriormente, poesia está em tudo que se vê...

JIVM – Como é fazer poesia em um tempo que privilegia a velocidade e especialização constantes, em um tempo de parafernálias tecnológicas que nos aproximam virtualmente e, muitas vezes, enfraquecem os encontros, os contatos físicos?

VA – Não acho que a tecnologia atrapalhe em nada, acho até que aproxima. Se nascesse no século passado, provavelmente morreria sem que uma só alma lesse meus textos. O blog me proporcionou uma vontade maior de mostrar o que eu mais gosto de fazer. O problema todo está na cabeça das pessoas. Uma tela não substitui um rosto, um teclado não substitui um aperto de mão, uma caixa de som não é a mesma coisa que a voz. Mas pode parecer tão mais fácil se esconder atrás de uma máquina!

JIVM – E você, moça de 19 anos, o que pretende com a sua escrita? Algum livro no prelo? Qual a novidade em estar vivo? E o que mais?

VA – Seria audácia minha dizer que pretendo viver disso. Mas, quem sabe? Sinceramente não me vejo fazendo outra coisa. Que o universo e todas as estrelas do céu conspirem a favor disso!
Não tenho nenhum outro projeto literário em vista, até o presente momento. Mas novamente, quem sabe? O que pintar, eu faço. Termino com uma frase de Caetano: "Se eu tivesse mais alma pra dar, eu daria, isto pra mim é viver".

TRÊS POEMAS DE VANNY ARAÚJO

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AMARÁS


Meu coração outonou, meu destino soprou: amarás, amarás, amarás.
Até o último ato; até o último pranto.
É que eu nasci para amar.
E tenho como destino o triste, como sina, me entregar demais, me entregar total. Eu nasci para amar, e cada pedacinho de mim é amor; cada poro, cada pêlo.
Eu nasci pra ver o amor no espelho, amor diário, amor nas quinas e esquinas dos meus olhos, num suspiro sincero de alma.
Desde então, vou vivendo e vendo o desgastar das cordas do meu coração, amando mais, e sempre, e pronto, e só, e fim.
E no meu peito vibra tenso o aviso, a sorte: amarás, amarás, amarás.



EPOPEIA DRAMÁTICA DE UMA DONZELA BURLESCA


Minha vida sendo um romance
Seria daqueles bem mamão-com-açúcar
Daqueles que vendem em banca, sabe?
Eu a mocinha indecisa
Ele o rapaz ansiado
A gente passaria a maior parte separado
Eu vivendo com outros, ele distraindo outras
Se batendo e se desencontrando

Ou pior:

A gente poderia se amar, e não conseguir ficar juntos
Sabe-se lá por quê!
Eu seria bem sofrida, minha vida sendo um romance
E veria complicação em tudo
Seria tudo muito complicado
- Oh, meu amado! Eu te amo, mas não podemos ficar juntos!
Frescura, frescura, frescura...
Sabe do que mais?
Minha vida sendo um romance
Eu pularia logo pras últimas páginas
Pra me ver ficando pra sempre com você
Sem complicações
Sem desencontros
Sem controvérsias

Mas pensando bem, que graça teria?
Objetividade é pós-moderno demais
Eu sou romântica

- Até demais, até demais...



QUIMERA


Minha vida é procurar incansavelmente por uma metade.
Cada rosto que eu vejo, cada olhar que eu fito, o faço na vã esperança de reconhecer aquele que um dia chamarei de meu.
Um par.
Mas espero em vão... espero, e esperar tornou-se minha metade temporária.
É triste perceber isso, perceber que perco meu tempo ansiando por algo que não sei ao certo o que é. Ou se existe.
Mas é essa ânsia que me sustenta, que me afaga, que me consola. A ânsia de chamá-lo de meu bem, a ânsia de reconhecer nele a parte que faltava em mim.
Enquanto espero, e ah, como eu espero, vou contando os passos, os dias e as horas. Vou contando as nuvens eternas que me observam no azul do céu.
Invento amores platônicos, escrevo rimas insensatas, canto melodias inexistentes.
E guardo as histórias que lerei pra ele um dia, e ele rirá delas, ele rirá de mim enquanto diz que eu pareço um esquilo.
Eu serei o esquilo dele e ele meu menino-sol. E nós caminharemos nas calçadas de mãos dadas, enquanto chove fininho, ele recitando Neruda e eu bebendo coca-cola.
E seremos assim, dois-em-um, pra sempre. Minha vida sendo colorida pelos seus lápis, cada dia de uma cor.
"Serei...serás...seremos"
E meus poemas terão, enfim, sentido.
E minha vida terá, enfim, sentido.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

SANGUE NOVO - EDSON OLIVEIRA



CAPTAR O MUNDO ATRAVÉS DA PALAVRA – EDSON OLIVEIRA nasceu em Feira de Santana (BA) em 28 de julho de 1982. Vive e sempre viveu na pequena cidade de Santo Estevão, no interior da Bahia. É formado em Letras, especialista em Estudos Literários e Mestre em Literatura e Diversidade Cultural, e atualmente é professor língua espanhola e literaturas hispânicas da Universidade Estadual de Feira de Santana. Edson Oliveira é um poeta intuitivo, que embora jamais tenha publicado entende a poesia como a forma mais plena e espinhosa de existir. Indagado sobre a função da poesia, Edson acredita que seja “mexer os ponteiros de nossas vidas e desfazer à noite as verdades que construímos durante o dia”. Conheçamos um pouco mais suas idéias.

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Qual a importância que a poesia tem na sua vida? Por que ser poeta? Onde você pretende chegar com a sua poesia? Enfim, para que serve a poesia?

EDSON OLIVEIRA – Penso que a poesia nos conduz a outra órbita, não ordinária, incomum, mas ao mesmo tempo vulgar e cotidiana. E se é possível falar em alguma função atribuída à poesia, imagino que seja mexer os ponteiros de nossas vidas e desfazer à noite as verdades que construímos durante o dia. Há quem diga que não tem função alguma a poesia, mas talvez esteja ai sua “funcionalidade”; não servir a nada nem para nada e perturbar aquele que a põe em movimento. E nesses movimentos que vão de um ponto a outro do hemisfério, sonho com uma poesia que um dia me leve sorrateiramente a mim.

JIVM – Que tempo de sua vida você dedica à poesia? Você é um leitor assíduo de poesia? Para você, é importante ter uma leitura de poesia? E o que anda lendo, atualmente? Tem recordação do primeiro livro de poemas que leu? E quais escritores são suas principais referências?

EO – Não sou um leitor assíduo de poesia, e nem tão pouco um poeta de ofício que tem escrivaninha, caneta e papel a seu serviço. Sou poeta intuitivo, que vê, sente, rumina, pára e escreve. Não sonho com os melhores versos do mundo, nem com um Prêmio Nobel de Literatura em minha estante; quero apenas captar o mundo, o meu mundo, através desse filtro imperfeito que é a palavra. E nessa busca me são úteis todos os poemas que já foram escritos ou aqueles que passeiam pelas ruas à espera de um sopro de vida. Leio Drummond, Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Gerardo Mello Mourão, Fernando Pessoa, Adélia Prado, Florbela Espanca, José Inácio Vieira de Melo, Sandro Ornellas, Lupeu Lacerda, Eliana Mara Chiossi, mas também me comove a poesia das cenas vulgares. E isso aprendi com o mestre Quintana, primeiro poeta dos meus olhos, cujos versos jamais esquecerei.

JIVM – Você é mestre em Literatura e Diversidade Cultural. Qual foi a contribuição que a academia trouxe para a sua criação? Como é que a poesia é tratada na academia? Há, realmente, poesia e prosa de ficção na Faculdade de Letras?

EO – Ainda luto contra esse título de mestre e todo o peso que sua liturgia acadêmica demanda. Meu avô está vivo há 101 anos, e este, sim, é que julgo mestre, de fato. Os outros são colecionadores de papéis e de diplomas, inclusive eu. Diante disso, embora o academicismo das letras tenha importância e materialidade para a formação de professores de literatura imagino que ele nos prive de acompanhar sem vícios o nascedouro efervescente das artes, neste caso a poesia; sem falar na blindagem que os grandes centros de pesquisa em letras apresentam quanto à chegada de nomes estranhos ao grande cânone literário.

JIVM – Qual a influência das outras linguagens artísticas – artes plásticas, cinema, música, dança, teatro, prosa, etc – na sua criação poética? Você também escreve prosa? Pratica alguma dessas manifestações artísticas citadas?

EO – Entendo que todas as artes estão conectadas. Elas dialogam entre si, se alicerçam mutuamente e ganham forma, cada qual, nos contornos de outra linguagem artística. Também é assim com a poesia, e ainda que eu não transite enquanto autor por outros campos da arte imagino que todos eles são evocados quando escrevo meus poucos versos.

JIVM – E o que anda aprontando o jovem Edson Oliveira? Quais projetos o movem? O primeiro livro já está esboçado? Algum projeto de publicação? E que mais?

EO – Não tinha maiores planos quanto à publicação de meu primeiro livro. Mas agora me chegou às mãos a oportunidade de integrar o projeto Sangue Novo - 21 poetas baianos do século XXI. Sem dúvidas, essa será uma grande vitrine, e eu espero saber aproveitá-la da melhor maneira possível. Tenho aprontado poemas pra essa coletânea (rs...).

TRÊS POEMAS DE EDSON OLIVERIA
















À MUSA


Minha musa
é uma égua de dentes largos
a romper-me os bagos em noites girassóis

Com cabelos de ferrugem e olhos cor de anum
a filha da puta
sussurra verso seco
em meus ouvidos

Sinto arder a pena
se a ninfa preta
cruza
e geme palavras turvas

Quando canta,
vejo tremer a carne da cadela
Na sua cauda, escuto o fogo que escorre de mim.

Ah! Como é bom morrer...

Mas depois do gozo, a mariposa encolhe as asas
guardo minhas pernas no armário
e fico triste de tanto vomitar.

Dói-me o peito perder-te, musa.



ODE AO POETA


Tua língua
dança sobre a lâmina
teu sangue sujo
passeia pelas curvas
de teu corpo
e inunda as ruas da cidade.

Vejo o mundo explodir
de tuas veias, e

as pedras
os bancos
os pássaros e
as bicicletas

são da cor
do teu verso, e
o teu verso
é da cor do mendigo
que enfeita as esquinas.



QUANDO EU MORRER


Quando eu morrer
não quero flores brancas e amarelas
ou verso doce em meus ouvidos
não quero sinos e estrelinhas
nem o pranto de um amor sofrido

Quero a risada insana
quando eu morrer
e a dança leve
dos lírios antigos

Quero mãos livres do peito aberto
e a terra pesada
sobre meu jazigo

Quando eu morrer
quero morrer devagarzinho
pra lembrar dos sonhos das noites frias
e da paixão de ter vivido.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

SANGUE NOVO - BERNARDO ALMEIDA



UM CAMINHO NATURAL – BERNARDO ALMEIDA nasceu em Salvador (BA), no ano de 1981. Passou a infância em Recife, mudando-se para São Paulo na década de 1990. Em 2001, retornou à cidade natal, onde vive até o momento. É poeta, fotógrafo digital [desenvolve imagens artísticas sob o conceito da hibridez], escritor de contos, roteiros e tiras, compositor e livre pensador. Mantém o site http://www.bernardoalmeida.jor.br/, no qual expõe poesias, reflexões e imagens híbridas. Estreou em 2005 com dois livros, Achados e Perdidos/Crimes Noturnos (poesia) e Acorde Violento (contos). Participou das antologias poéticas Labirinto de espelhos (2007), Caderno Literário Impresso (2008), O Imaginário do Mar e do Navegador (2009), entre outros. Quando criança Bernardo Almeida escrevia seu nome em versos, portanto ser poeta foi um caminho natural. Vamos ver o que pensa o escritor fluido que sente a poesia como uma fratura exposta.

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Para o poeta Schiller “a poesia é uma força divina e misteriosa, que age de maneira incompreendida”. E para você, o que é a poesia? E por que ser poeta? É algo imprescindível em sua vida?

BERNARDO ALMEIDA – Eu sinto a poesia como uma fratura exposta. É quando a pele rompe, o osso brota e o sangue jorra que enxergamos, de fato, o que há dentro de nós. É uma forma de autoconhecimento bastante impiedosa, apesar de eu não acreditar que a dor seja necessariamente a única fonte de inspiração de um poeta. É uma experiência sublime, bastante íntima, e, ao mesmo tempo, comum a todos – seja como criador, seja como leitor. No entanto, também acredito que a poesia possa ser o momento anterior a essa fratura, quando ainda não sabemos o que se esconde sob a pele e ficamos a imaginar.
Sobre ser poeta, acho que foi um caminho natural. Simplesmente, segui o fluxo e desemboquei nisso. Não consigo me enxergar apartado da poesia. Ser poeta muitas vezes incorre em baixas no campo de batalha da vida, mas isso não me intimida. Ao contrário, traz mais lenha à fogueira.

JIVM – Como a poesia chegou na sua vida? Lembra do primeiro livro de poesia que leu? E agora, qual livro está lendo? E quais são seus autores referenciais?

BA – Acredito que o meu primeiro contato com os versos aconteceu quando estava aprendendo a escrever o meu nome completo. Eu insistia em escrevê-lo versificado. Agora, livro de poesia, lembro-me de um, quando morava em Recife ainda na década de 1980, que trazia poesias de Manuel Bandeira, Drummond e Cecília Meireles. Mas, não recordo o título da obra.
No momento, estou lendo Poemas e Ensaios, de Edgard Allan Poe, Outono Transfigurado, de Georg Trakl, Ode ao Vento Oeste e Outros Poemas, de P. B. Shelley, além de alguns poemas de Nietzsche, em A Gaia Ciência. Estou terminando também a leitura de um livro do Marquês de Sade chamado “Escritos filosóficos e políticos” no qual achei uma poesia bastante interessante dele. Fora esses que citei, sempre mantenho no meu criado-mudo alguns autores, que são como companheiros de bar. No entanto, ficam ao lado da cama em forma de livro, e o máximo que chegam perto do álcool é através dos respingos da minha saliva ao ler em voz alta seus textos. São eles: Baudelaire, Bukowski, Pablo Neruda, Allen Ginsberg, Lawrence Ferlinghetti, Augusto dos Anjos, Genaro de Vasconcelos, Castro Alves, Antero de Quental... Ficam divididos em duas pilhas ao lado da cama junto com outros títulos em prosa. Tenho mania de ler vários livros ao mesmo tempo... Meus autores preferidos, para não cometer injustiças, são aqueles cujas obras ainda estão na minha biblioteca – seja física ou virtual (Rimbaud, Dylan Thomas, Maiakóvski, Leminski, Vinícius de Moraes, Walt Whitman, Fernando Pessoa, Sylvia Plath, Ediane do Monte, Leonard Cohen, Elizeu Moreira Paranaguá e mais uma galera).

JIVM – Como você analisa o cenário literário da Bahia? Principalmente de Salvador, que é a cidade em que você vive? E a população de Salvador tem conhecimento dos seus autores contemporâneos? Em caso negativo, o que poderia ser feito para que os poetas, e os escritores em geral, fossem mais lidos e, consequentemente, mais conhecidos e seus livros vendessem mais?

BA – Na Bahia, o cenário literário é bastante plural. Percebo que há muita gente escrevendo, mas não há estrutura editorial aqui. Então, boa parte do que se publica tem interferência do Estado, através dos editais. Acho importante a existência desse tipo de auxílio, mas o artista perde muito com essa vinculação, que representa um modelo bastante ultrapassado. A arte, para mim, teve um papel libertador. De acordo com esse ponto-de-vista, não compreendo como a associação de um escritor e sua obra com as estruturas governamentais de poder de uma sociedade possam contribuir para a manutenção desse caráter intrínseco à arte. Os artistas sempre estiveram do outro lado quando governos de direita e esquerda tentaram oprimir e desrespeitar ainda mais os direitos humanos.
A população de Salvador conhece pouco sobre quem são seus autores contemporâneos. De uma forma geral, para um número significativo de pessoas, tivemos apenas Castro Alves, Gregório de Matos, Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro. Talvez eu esteja exagerando. No entanto, isso não reflete o grau de interesse das pessoas daqui pela literatura, que é razoável para um País como o nosso - repleto de analfabetos.
Acredito que se os educadores tivessem mais interesse pela literatura, sobretudo pela poesia, teríamos um número maior de apreciadores. Acho também que o formato dos eventos literários precisa mudar. Infelizmente, tudo o que não tem cara de shopping center, tudo o que não envolve espetacularização, atrai menos público nos dias atuais. No final de dezembro, fui a um evento de literatura no Teatro Castro Alves que fazia dó. A platéia era composta basicamente pelos expositores.

JIVM – Qual a contribuição que as novas tecnologias trouxeram para literatura? E o livro, está com seus dias contados? Um novo suporte mais prático poderá aumentar o número de leitores?

BA – As novas tecnologias facilitaram a disseminação de obras e autores de uma maneira fantástica. É um canal de comunicação poderoso, sobretudo para escritores independentes. Quando liberei gratuitamente no meu site (www.bernardoalmeida.jor.br) dois arquivos de poesia, Achados e Perdidos e Crimes Noturnos, não imaginava que chegaria em 2010 com mais de 20 mil downloads. A internet nos tornou menos reféns de editoras. Penso que os leitores de e-books têm tudo para se popularizarem no Brasil, e isso vai espelhar o interesse dessa nova geração pela leitura. No entanto, não acredito que o livro esteja com os dias contados. Talvez, o formato livro, em alguns casos, sim. Vejo muitas pessoas baixando e-books, gratuitos ou pagos, e imprimindo eles depois. Por outro lado, eu mesmo tenho muitos e-books no computador os quais comprei, posteriormente, uma cópia em papel. Dá para conviver sem que o autor sofra com isso. Na verdade, ele só tem a ganhar porque cada formato está ligado a um tipo de público. Então, o que acontece é uma adequação para que mais pessoas possam ter acesso a obras literárias.

JIVM – E o que mais? Quais projetos? Já pensa em publicar o primeiro livro?

BA – Na verdade, eu já publiquei um primeiro livro, mas foi de maneira independente. Depois, quando vendi os exemplares em papel, distribui os arquivos gratuitamente na web. Penso em publicar outro livro em papel, sim. Ainda em 2011. O que não falta é poesia, mas vida de sagitariano não é muito ordenada – são as paixões, antes dos planos, que nos guiam.

TRÊS POEMAS DE BERNARDO ALMEIDA
















PALAVRA


Uma palavra pode ser proferida
E esquecida com o tempo
Outra pode ser aquecida e sentida
Além da eternidade
Uma palavra pode ser mantida
Pode ser vencida
Pode ser transformada
Pode ser omitida
Pode ser deturpada
Pode ser lembrada
Uma palavra
Afasta o homem da ignorância
Aponta a saída do labirinto
Fantasiosa ou realista
Carrega vida em seu sentido
Uma palavra
Quando lançada
Não tem rumo
Não tem caminho certo
Trilha ao impulso do vento
E na velocidade do pensamento
Segue firme, vaga e veloz
Como uma flecha
Pode destronar uma certeza
E como uma chama
Pode transformar corações em brasa
Uma palavra
Simples e inútil
Pode mudar o mundo
Pode ultrapassar uma crença
Pode desatar nós e preconceitos
Pode vencer uma guerra
Aquela mesma palavra
Esquecida em meio a tantas outras
Na página amarelada de um livro qualquer
Pode ser a salvação
Ou a perdição
Na vida de alguém
Uma simples e imperfeita
Palavra



MOLHO REQUENTADO


Um brinde à morte
Esta idônea rapariga
Que de tão especial que é
Restringe-se a aparecer
Uma única vez em cada e toda vida



DE TODOS OS DECANOS INSANOS E PROFANOS


Na minha casa destampada
Baratas surgem das panelas
Rugem nas madrugadas
Têm tamanho de ratos
Na sala, morcegos rondam
Cadeiras aleijadas e abajures sem luz
Tateiam, bêbados, os prantos do escuro
Em círculos incompletos – devoram o absurdo
Os pisos não participam do festim
Pedem apenas para ser trocados
Súplica negada!
No prédio, não há janelas
Mas televisões
Cujas telas são auditórios
Em que o palestrante profere
Um discurso pornô
Em sincronia
Com os reais ruídos
Do amor
Aqui, nas madrugadas
Da Bahia, em Salvador
Não existem santos
Talvez cheguem como tais
Mas morrem sempre mundanos
Nada a expiar, somos todos perdidos
Processo de canonização interrompido
Pelos eflúvios sexuais
Pela efusão da libido
Embebidos em êxtase
Peristálticos excessos
Na cidade que é mãe
E amante do poeta
Que é tia e mãe
Das minhas netas
Devotos do prazer
Todos os santos amuados
Converteram-se em vivazes peregrinos
Em busca do deus humano do orgasmo
Que redime o pecado
Sem tentar curar ou glorificar
Aquilo que já está salvo e satisfeito
Ceifado, deglutido, envenenado e celebrado
Pela carne nua da hóstia
Banhada nos mares hostis
Relutantes e resolutos
Da pia batismal oceânica
Na qual deitou a cabeça
Do nome de nascença
Dessa terra lúbrica
Que se fez povoar
Pela indiferença

domingo, 9 de janeiro de 2011

JIVM - EXERCÍCIOS CRÍSTICOS



Poema de José Inácio Vieira de Melo, recitado pelo próprio autor, na Fliporto 2010, em Olinda, para o Portal de Poesia Íbero-americana, site criado por Antonio Miranda, escritor e diretor da Biblioteca Nacional de Brasília.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

JIVM - ROSEIRAL


Foto: Ricardo Prado

ROSEIRAL


Este roseiral vem pelos ares.
Suas cores, nas tintas da chuva
e no canto dos raios solares.

Matizes da terra batizada
surgem nas rosas em carne viva,
como sangue, seiva, sêmen, lágrimas.

É, sim, o jardim da imensidão.
São tão magníficas suas flores
que o vermelho coroa a visão.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO