segunda-feira, 23 de junho de 2008

A JUVENTUDE DO CENTAURO

Izacyl Guimarães Ferreira

Fazedor do próprio caminho, José Inácio Vieira de Melo
é também um dialogador nato e cultivado

O nome do livro é A infância do centauro, do jovem ainda (pois não está na faixa dos quarenta, que se costuma chamar de “meia idade”) poeta José Inácio Vieira de Melo.
Um livro que tem na contra-capa as palavras de Gerardo Mello Mourão e nas orelhas saudações de nomes como Lêdo Ivo e Ruy Espinheira Filho, entre outros ilustres leitores escritores (essa raça perigosa dos que estão em ambos os lados dos espelhos), não requer mais recomendações, que todas serão supérfluas.
E veja-se ainda a lista de sua fortuna crítica, com dezenas de entradas, entre as quais me descubro entre celebridades.
Centauro. Homem e cavalo. Figura mítica. Mas o poeta, que é do sertão, cavalga o animal com a segurança de quem pisa a terra do sertão em que nasceu e olha o céu da Bahia onde vive, céu em que as estrelas parecem brilhar mais, não fosse ela terra de santos de dois mares, poetas de mil vozes, todos aqueles cheiros de bem comer, bem dançar, bem lutar, bem viver.
Com tudo isso dialoga este poeta, um dialogador nato e cultivado, leitor atento dos mestres e fazedor de seu próprio caminho.
Algo que muito me agrada em seus poemas é que neles nada se esconde. A realidade que vê e vive está inteira, sem máscaras além das permitidas pela poesia, esta realidade superior dada a tão poucos. Além do real que se vê nos seus versos, está a clareza de água limpa de quem tem o que dizer e sabe como dizer.
Dou exemplos:
O primeiro, abre o livro neste quarteto e diz:

Teu centauro te espera,
monta em seu dorso
e vê o mundo pelos olhos da esfinge:
és o enigma, não o decifrador.

Eis, de pronto, o clima criado para a fruição do mistério maior da poesia. O poema termina assim:

Há de existir um lugar
onde os teus mistérios possam descansar.

Adiante nos dirá, confessando por todos nós:

não há deus que me comunique por inteiro.

ILUMINAÇÃO – Mas, dizia eu, este poeta está pisando um chão real e fala a língua geral dos homens, poetas ou leitores, cantadores de feira (que conhece bem...) e sua audiência, e nos comove com esta quase trova doméstica (que, me perdoem, me ecoa de longe eu ter dito em similar celebração “dona de si” num poema de título “Dona Sylvia”):

Dona-de-casa

Os sentimentos areados,
o cristal dos olhos polidos,
o terreiro tão bem varrido.
Minha mãe – senhora de si.

Continuando neste ver e dizer:

Morder o infinito
e sentir o gosto da criação.

// Não sei ser quase.

Acima falei de diálogos. Nem sempre dialogar é raciocinar, i.e. trocar idéias. Pode ser, e por certo será mais diálogo, quando transcende a razão e penetra na área da iluminação, como neste poema para Cecília Meireles

Cecília não é nome para se colocar em filha.
Cecília é única. Uma deusa que conheço.
..................................................................
Cecília é um templo dentro do poeta que sou.

Outra qualidade deste poeta do real da vida e da magia da palavra é, forte, a mescla destas duas faces da existência: o dia-a-dia, que sabe celebrar com naturalidade e ternura, e a noturnidade que nos cerca, aquela esfinge pronta a devorar os famintos de verdades ocultas. Entre o dia claro do real e a noite nem sempre estrelada de destinos, por onde andamos todos, José Inácio não parece perder-se além do suportável – mistério de bicho homem/centauro? – e em romaria, palavra de seu primeiro livro e peregrinação de sua poesia, celebra. Celebrar é o que nos cabe, já ensinava Rilke, poeta de ombros que anjos, Orfeu e mulheres souberam tocar, que um deus (qual?) soube tocar.
Fico a pensar, diante de uma poesia tão segura de si, se esta é a infância ou a juventude do centauro, como cavalgará o poeta décadas adiante?


Artigo publicado no A Tarde Cultural, em 14 de julho de 2007, em Salvador, Bahia. Fotógrafo: Ricardo Prado

Izacyl Guimarães Ferreira escreve, traduz e comenta poesia. Edita a revista “O Escritor” e o portal
www.ube.org.br, da União Brasileira de Escritores, em São Paulo, entidade da qual é Presidente do Conselho. Tem 15 livros publicados, entre eles "Discurso urbano" (2007), vencedor do Prêmio de Literatura 2008 da Academia Brasileira de Letras , categoria poesia.

JIVM - TEMPLO



T E M P L O
Para Cecília Meireles


Cecília não é nome para se colocar em filha.
Cecília é única. Uma deusa que conheço.

Ela habita nas esferas do delírio.
Seus versos são de veludo e acariciam os meus sentidos.
O olor que exala de suas estrofes é um bálsamo para o meu ser.

Cecília é um templo de muitas faces.
As canções que estão na sua poética são luminosas.
Cecília é um templo dentro do poeta que sou.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

ANTÔNIO TORRES RUMO À ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

O escritor Antônio Torres é um dos candidatos à cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras, vaga desde a morte da memorialista Zélia Gattai. É importante lembrar que a cadeira 23 vem sendo ocupada por escritores baianos há 78 anos, passando por Otávio Mangabeira, Jorge Amado e Zélia Gattai. Acredito ser importante para a literatura brasileira que Antônio Torres ocupe essa vaga, não apenas para manter uma tradição que perdura a 78 anos, mas pela valiosa contribuição que vem dando à nossa cultura com a publicação de seus livros, como podemos constatar em sua biografia, logo abaixo.
JIVM

ANTÔNIO TORRES nasceu na pequena cidade de Junco (hoje Sátiro Dias), no interior da Bahia, no dia 13 de setembro de 1940. Ainda menino, mudou-se para Alagoinhas para fazer o Ginásio, mais tarde foi parar em Salvador, capital baiana, onde se tornou repórter do Jornal da Bahia. Aos 20 anos transferiu-se para São Paulo, empregando-se no diário Última Hora. Lá, mudou de ramo e passou a trabalhar em publicidade. Viveu por três anos em Portugal e atualmente mora no Rio de Janeiro, onde passou a se dedicar exclusivamente à atividade literária. É casado com Sonia Torres, doutora em literatura comparada, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), e tem dois filhos,Gabriel e Tiago.
Aos 32 anos, Antônio Torres lançou seu primeiro romance, Um cão uivando para a Lua, que causou grande impacto, sendo considerado pela crítica “a revelação do ano”. O segundo Os Homens dos Pés Redondos, confirmou as qualidades do primeiro livro. O grande sucesso, porém, veio em 1976, quando publicou Essa terra, narrativa de fortes pinceladas autobiográficas que aborda a questão do êxodo rural de nordestinos em busca de uma vida melhor nas grandes metrópoles do Sul, principalmente São Paulo.
Hoje considerada uma obra-prima, Essa terra ganhou uma edição francesa em 1984, abrindo o caminho para a carreira internacional do escritor baiano, que hoje tem seus livros publicados em Cuba, na Argentina, França, Alemanha, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Israel, Holanda, , Espanha e Portugal. Em 2001 a Editora Record lançou uma reedição comemorativa (25 anos) de Essa Terra. Torres, porém, não restringiu seu universo ao interior do Brasil. Passeia com a mesma desenvoltura por cenários rurais e urbanos, como em Um cão uivando para a Lua, Os homens dos pés redondos, Balada da infância perdida e Um táxi para Viena d’Áustria.
Em 1997, Torres decidiu retornar ao tema e aos personagens do consagrado Essa terra. Vinte anos depois, narrador e protagonista voltam à pequena Junco em O cachorro e o lobo, para encontrar uma cidade já transformada pela chegada do progresso. É um romance de fina carpintaria literária que foi saudado pela crítica, tanto no Brasil como na França, onde foi publicado em 2001.
Foi condecorado pelo governo francês, em 1998, como “Chevalier des Arts et des Lettres”, por seus romances publicados na França até então (Essa terra e Um táxi para Viena d'Áustria). Em 2000, ganhou o Prêmio Machado de Assis 2000, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da sua obra. Em 2001, foi o vencedor (junto com Salim Miguel por Nu na escuridão) do Prêmio Zaffari & Bourbon, da 9a. Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, RS, por seu romance Meu querido canibal, no qual Torres se debruça sobre a vida do líder tupinambá Cunhambebe, o mais temido e adorado guerreiro indígena, para traçar um painel das primeiras décadas de história brasileira. Dando seqüência às suas pesquisas históricas, ele escreveu o romance O nobre seqüestrador, que trata da invasão francesa ao Rio de Janeiro em 1711, comandada por René Duguay-Trouin, o corsário de Luis XIV, que sequestrou a cidade durante 50 dias, até que lhe fosse pago um alto resgate para que ela fosse devolvida a seus habitantes. O nobre seqüestardor foi finalista no Prêmio Zaffari & Bourbon de 2003. Em 2006, Antônio Torres publicou o romance Pelo fundo da agulha, com o que fechou uma trilogia iniciada com Essa terra e prosseguida com O cachorro e o lobo. Este livro foi um dos vencedores do Prêmio Jabuti e finalista do Prêmio Zaffari & Bourbon, da Jornada Literária Nacional de Passo Fundo. Em resumo: autor premiado, com várias edições no Brasil e traduções em muitos países, Antônio Torres é um dos nomes mais importantes da sua geração, com um obra expressiva que abrange 11 romances, 1 livro de contos, 1 livro para crianças, 1 livro de crônicas, perfis e memórias. além de dois projetos especiais (O centro das nossas desatenções, sobre o centro do Rio de Janeiro - e que rendeu um documentário para a TV Cultura, São Paulo -, e O circo no Brasil, da série História Visual, da Funarte, Fundação Nacional de Arte). Para outras informações: www.record.com.br

domingo, 22 de junho de 2008

ALUVIÃO POÉTICO

Ronaldo Cagiano

Embora longe do grande público, em razão das dificuldades de divulgação de suas edições independentes e sem distribuição, e conseqüentemente, à margem do processo editorial por residirem fora do hegemônico eixo Rio-São Paulo, há uma geração de escritores em diversas regiões do País produzindo poesia e ficção de qualidade. Principalmente no Nordeste, cada dia temos notícias de autores que publicam, ora com parcos recursos pessoais, ora revelados por algum concurso literário, que vêm despontando em sua região com um trabalho bem recebido pela crítica local, apesar de inalcançáveis pela mídia do Sudeste-Sul.
Entre esses autores, José Inácio Vieira de Melo, alagoano radicado em Salvador, autor de Códigos do Silêncio (2000) e Decifração de Abismos (2002) se destaca tanto como agente cultural, dirigindo o projeto “Poesia na Boca da Noite”, como divulgando sua produção individual. Seu novo livro, A Terceira Romaria (Aboio Livre Edições, 2005, 126 pgs., R$ 20), mostra toda a força lírica e metafórica de uma poesia que traz na sua concepção o coloquial e o erudito, o apelo à intertextualidade e alguns influxos metalingüísticos e paródicos.
A versatilidade desse poeta sintonizado com suas raízes e marcado pelas dores de seu povo, constata-se tanto nos versos de “Bodas de sangue” (Ah Cristina Hoyos, deusa de Espanha,/ vem bailando em nuvens e em versos de Garcia Lorca,/ vem com teus punhais para a minha peixeira de 12 polegadas,/ pois as nossas bodas só podem ser de sangue.) e “Dois momentos” (Entro no poema como quem come cuscuz/ e sai dia afora para encarar a existência) como em “Epitáfio para Guinevere” (Para tu, que trazias os céus dentro dos olhos,/ o relinchar da paixão pagã/ dos cavalos que trago dentro de mim) e “Do pensamento” (O mistério me leva à estrada/ e a estrada revela/ a poeira que sou.// O espanto me conduz à reflexão/ e a reflexão revela/ a peneira que sou.). A sua linguagem incorpora o conhecimento da literatura clássica e os valores de uma poética polissêmica, assimilados no contato com a tradição oral do sertão, marcadamente os mitos religiosos e os signos profanos e no trânsito com outros autores e vertentes.
Nesse aluvião poético, extrai da memória, da infância e do tempo elementos para estabelecer um diálogo com a realidade e a compreensão da natureza de todas as coisas, além de um lirismo que traz candentes abordagens de amores e frustrações. Uma poesia que extravasa o grito interior do homem sufocado por valores anacrônicos, cioso por extrapolar seus limites rurais, inscrevendo um certo questionamento existencial. O autor acaba por instaurar uma catarse espiritual e psicológica a partir de universos lúdicos, de um retorno às suas experiências de vida e uma visita ao homem e à terra castigados do sertão, explorando toda sua carga rítmica e seu potencial mi(s)tico, sem artificialismo ou exageros, porque fruto de rigorosa cuidado e pesquisa da linguagem. E em momentos de profunda confissão, como nestes “Exercícios crísticos” (Trago comigo todos os pecados do mundo/ e sou o cordeiro imolado que alimenta o delírio,/ por isso a glória e a humilhação do vinho:/ não é nada fácil ser juiz da própria loucura.), José Inácio desabafa, expondo seu sentimento do mundo e trazendo fôlego novo à poesia brasileira.


Esculturas: Ramiro Bernabó.

Resenha publicada no Jornal do Brasil, no caderno B - Livros, em 25 de outubro de 2005, no Rio de Janeiro.

Ronaldo Cagiano é poeta, contista e ensaísta. Nasceu em Cataguases (MG) e vive em Brasília desde 1979. Publicou vários títulos, dentre eles “Canção dentro da noite” (poesia, 1999), “Dezembro indigesto” (contos, 2001) e “Concerto para arranha-céus” (contos, 2004).

JIVM - EPITÁFIO PARA GUINEVERE

Ilustração:Renato de almeida

EPITÁFIO PARA GUINEVERE


Cavalos já foram pombos
de asas de nuvem.
Domingos Carvalho da Silva


Meus cavalos choram por ti, égua de olhos azuis.
Não mais invadirei o vento montado no teu galope.

Que fique inscrito na tua lápide
o verso de lágrimas dos meus cavalos.

Para tu, que trazias os céus dentro dos olhos,
o relinchar da paixão pagã
dos cavalos que trago dentro de mim.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

domingo, 15 de junho de 2008

JOSÉ ALCIDES PINTO, POETA SANTO

O poeta José Alcides Pinto era um santo lá do Ceará. Ele fazia milagres por onde passava, milagres em forma de versos que entravam no sentimento das pessoas e as curavam de suas aflições imediatas. Tive o prazer de conhecer esse vate em 2006, quando fui convidado para participar da Bienal Internacional do livro do Ceará. Já conhecia a sua obra e mantínhamos uma correspondência irregular, ou seja, quando em vez trocávamos cartas, sempre enviando livros um para o outro. Mas foi em 20 de agosto de 2006 que apareci em sua casa. Fui recebido como um príncipe pelo poeta e por sua bela filha Jamaica. Conversamos muito, o poeta deu-me alguns de seus livros, leu uns poemas meus, ficou encantado com uns poemas do poeta baiano Affonso Manta, que recitei para ele. Na hora de partir, lembro bem do conselho de José Alcides: “Poeta, seja fiel à sua lira, não deixe que nada atrapalhe o seu caminho, faça sua poesia de acordo com a sua consciência poética, mesmo quando todos disserem que está errado”. Essas palavras têm sido um estímulo grande nessa minha jornada.
José Alcides Pinto deu prova maior de sua santidade ao escrever a Trilogia da Maldição ou ainda os extraordinários Poemas para Lúcifer ou ainda Fúrias do Oráculo. Seu Relicário Pornô é uma espécie de catecismo que não pode faltar aos devotos do prazer. José Alcides Pinto nasceu em São Francisco do Estreito, em Santana do Acaraú, mas nunca vi coração tão largo, tão abrangente. José Alcides Pinto é o meu São Francisco, suas orações estão gravadas no meu imaginário de poeta, no meu sentimento mais humano. José Alcides Pinto agora está encantado, aboiando seus versos na fazenda Equinócio, espraiando sua loucura sagrada no sertão do Acaraú.
JIVM

VERÔNICA DE VATE: JOSÉ ALCIDES PINTO

JOSÉ ALCIDES PINTO, ficcionista e poeta, nasceu em São Francisco do Estreito, distrito de Santana do Acaraú, no Ceará. Filho de José Alexandre Pinto, capitão de tropa de cigano, e de D. Maria do Carmo Pinto, descendente dos índios Tremembés, que se fixaram na povoação de Almofala, no Acaraú, no fim do século XVII.
Diplomou-se em Jornalismo pela Faculdade Nacional de Filosofia da antiga Universidade do Brasil e em Biblioteconomia pela Biblioteca Nacional. Fez o curso de especialização em Pesquisas Bibliográficas em Tecnologia no Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (IBBD) e o Curso de História da Américas ela Universidade do Brasil.
Jornalista profissional, tendo ingressado na imprensa muito jovem. Colaborou nos Suplementos Literários do "Diário Carioca",' "O Jornal", "Diário de Notícias", "Correio da Manhã", revista "Leitura" e em toda a imprensa de Fortaleza Pertence à Associação Brasileira de Imprensa (ABI), ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro e Sindicato dos Jornalistas Liberais do referido Estado.
Romancista, crítico literário, teatrólogo e poeta, tem livros publicados nesses gêneros, participando de várias antologias nacionais e estrangeiras. Recebeu o Prêmio José de Alencar da Universidade Federal do Ceará referente a obras no gênero Romance e Conto (1969). Coube-lhe, ainda, o Prêmio Categoria Especial para Conto (1970), concedido pela Prefeitura Municipal de Fortaleza. É o principal responsável pela introdução do Movimento Concretista no Ceará. Em 1972 foi incluído na Enciclopédia Delta Larousse.
Participou de antologias nacionais e estran­geiras. Ganhador de vários prêmios, entre eles o Prêmio Nacional da Petrobrás, na categoria conto, 1988, e o Grande Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), 1999. Foi pro­fessor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universida­de Federal do Ceará. Tem livros publicados na área do romance, novela, conto, teatro, poesia e crítica literária. É considerado um poeta de vanguarda e experimental.
José Lemos Monteiro, escri­tor e professor da UFC, escreveu um longo estudo sobre sua obra poética, intitulado O universo mí(s)tico de José Alcides Pinto publica­do pela Imprensa Universitária, em 1979, e que se constitui a pri­meira fonte importante de pesquisa de sua poesia, ao lado do livro A voz interior em José Alcides Pinto, do psiquiatra e poeta Carlos Lopes. Fortaleza. Edição do Autor, 1989; bem como um longo ensaio de Nelly Novaes Coelho – Erotismo, satanismo, loucura, na poesia de José Alcides Pinto Fortaleza, IOCE, 1984. Em 1996, o es­critor Floriano Martins organizou uma antologia crítica da obra de José Alcides Pinto - Fúrias do oráculo, editada pela Universidade Federal do Ceará. Também o professor e escritor Paulo de Tarso (Pardal), publicou um ensaio crítico intitulado O espaço alucinante de José Alcides Pinto, Edições da Universidade Federal do Ceará, 1999. A Editora GRD, Rio, editou em 1996 Cantos de Lúcifer (Poemas Reunidos), com prefácio de Cassiano Ricardo; e a Im­prensa Oficial do Ceará (IOCE), em 1984 lançou Antologia Poé­tica, organizada pelo crítico Rogaciano Leite Filho.
BREVE MEMÓRIA:
10/9/1923 - José Alcides Pinto nasce em São Francisco do Estreito, distrito de Santana do Acaraú, Ceará.
1945 - Muda-se para o Rio de Janeiro, onde trabalha como bedel de aluno. Diploma-se em Jornalismo pela Faculdade Nacional de Filosofia e em Biblioteconomia pelo Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação.
1950 - Em parceria com Ciro Colares e Raimundo Araújo, lança o livro Antologia dos Poetas da Nova Geração.
1952 - Lança seu primeiro livro individual, Noções de Poesia e Arte.
1957 - Volta para Fortaleza, onde lança o Manifesto Concretista.
1964 - Publica seu primeiro romance, O Dragão.
1974 - Publica Os Verdes Abutres da Colina e João Pinto de Maria - Biografia de um Louco, que, junto com O Dragão, formam a chamada Trilogia da Maldição.
1977 - Desliga-se da Universidade Federal do Ceará, onde dava aulas no curso de Comunicação Social. Veste um hábito franciscano e vai morar numa fazenda no sertão cearense.
1986 - Ganha o Prêmio Nacional Petrobrás de Literatura. 2000 - Ganha o Prêmio da Crítica da Associação Paulista de Críticos de Arte.
2003 - A Editora G.R.D publica uma coletânea de poemas de José Alcides Pinto, intitulada Poemas Escolhidos.
03/06/2008 - Morre em conseqüência de um acidente de motocicleta. Estava pronto para lançar dois livros inéditos de poesia, Diário de Berenice e O Algodão dos teus Seios Morenos com o selo Jamaica Editora, nome de uma das filhas.


R É Q U I E M


Eu sou uma capela de andorinhas mortas
um altar destruído.
Eu não escrevi Os verdes abutres da colina
(mas quem o escreveria senão eu?)
Os patrupachas chegam de parte alguma
sentam-se no chão do rancho.
Acaraú é um rio uma cidade um vale uma região?
(aqui jazo)

Os galos urinam nas manhãs
são os nossos pecados.
Meu corpo, partindo em banda, daria uma canoa
um caixão mortuário, uma guitarra.
Pe. Arteiro Antônio Tomás Araken da Frota
de que luz são feitos os meus testículos?
Eu sou mais louco do que um louco?

Por essa tarde de chuva, essa tristeza imensa,
essa agonia: por Rimbaud Baudelaire Poe Artaud
Lautréamont Fernando Pessoa Augusto dos Anjos
por todos e por mim: adeus para sempre – amém!


JOSÉ ALCIDES PINTO

JOSÉ ALCIDES PINTO - EU


E U

Eu sou eu. Íntegro e inviolável dentro
de mim mesmo.
O que não se descobre. Anônimo sob
minha própria espinha.
Atual em minha sombra incorpórea, sem
faltar um só de meus gestos físicos.
Eu sou eu. O fantasma de preto escanchado
no arame do quintal,
sob a sombra das árvores e sob a
sombra da lua
misteriosamente colhendo o silêncio com
as mãos invisíveis e
tecendo uma mortalha com o nó dos dedos
para vestir o próprio corpo.
Eu sou eu. O retrato destituído de vida.
O gesto estático.
O que está no limiar e afogado no abismo.
O que anda vestido e nu, sendo louco e poeta.
Eu sou eu e sozinho. Diverso sobre mim
e sob eu mesmo.
Oculto e visível como a lua caída no poço.
Proclamado como o homem dentro da praça,
no meeting,
sacudindo com os gestos da boca palavras
secas nos olhos da multidão.
Intocável e impossível como o que não se
conhece e não morre.

JOSÉ ALCIDES PINTO

OS ABUTRES DA LOUCURA

José Inácio Vieira de Melo

Uma das obras mais estranhas e instigantes da literatura brasileira contemporânea, Trilogia da Maldição, de José Alcides Pinto, escritor cearense multifacetado, volta ao mercado editorial depois de anos de completo silêncio. Os livros que compõem a TrilogiaO Dragão, Os Verdes Abutres da Colina e João Pinto de Maria (Biografia de um louco) – foram publicados individualmente nas décadas de 60 e 70. São variações sobre a mesma história, mas que não seguem uma seqüência linear ou mesmo cronológica, daí o leitor poder optar em ler na ordem determinada pelo autor ou não.
O que une esses três livros é o espanto, e, sobretudo, a aldeia de Alto dos Angicos de São Francisco do Estreito, uma espécie de Macondo situada nos confins do Ceará. O clima de pesadelo perpassa toda Trilogia, onde fatos disparatados acontecem a todo instante da maneira mais natural possível. Há, também, uma tensão narrativa que caminha para o delírio, para a loucura original. Lá encontramos padres irados com uma comunidade de morrinhas que vive a roubar bodes; um coronel dono de muitas terras e pai de toda aquela gente – como um patriarca bíblico –, e que deita com filhas e netas, seguindo apenas os preceitos das sagradas escrituras: “Crescei e multiplicai e enchei a terra”.
Alto dos Angicos é um lugar onde todas as pessoas, afora as que morrem de acidentes, vivem mais de um século, e só morrem aos pares; um lugar vigiado pelo diabo, os verdes abutres da colina, e que está na iminência do apocalipse. Esse é o universo de José Alcides Pinto, o poeta maldito do sertão do Acaraú.
O Dragão é a célula fundamental da saga de Alto dos Angicos, terra de origem do autor, onde se desenrola o processo romanesco que transforma o espaço histórico-geográfico da aldeia em espaço mítico, e o real passa a ser irreal e o natural, sobrenatural. Desenvolve-se em torno da figura do Padre Tibúrcio, um dos personagens principais dos três romances, que vai destrinchando a vida esquisita daquela povoação amaldiçoada.
Os Verdes Abutres da Colina conta a mesma lenda de O Dragão, perpassada por um aprofundamento que causa a inserção do leitor naquele mundo escatológico e mágico. É a história de Alto dos Angicos, fundada pelo coronel Antônio José Nunes, o garanhão luso. Embora viva um período de desenvolvimento no tempo dos aleatas e peripatas, a maldição continua a rondar o lugar. A sombra dos verdes abutres paira sobre a povoação, anunciando o inevitável: o fim dos tempos. Mas Alto dos Angicos parece fadada à eternidade, pois do nada, ou melhor, das cinzas, tal qual fênix, renasce, assim como a sua comunidade de seculares.
João Pinto de Maria, personagem titular do terceiro romance, é neto do garanhão luso. É homem que acredita no trabalho árduo e na honestidade, é um ser humano movido a trabalho. Sua religião é o trabalho. João Pinto viaja para o Amazonas. Ao voltar para Alto dos Angicos, compra todas as terras da região e passa a ser o homem mais poderoso. Mesmo com poder e prestígio continua na lida árdua. Nunca quis nada de ninguém, em contrapartida esperava que nada pedissem da sua fortuna. João Pinto de Maria vivia para juntar. E aí estava a sua loucura, mas uma loucura que caminhava para a santidade, pois pecava por desconhecer o que fosse pecado.
Autor de obra multiforme, José Alcides Pinto, poeta do escatológico e do surrealismo, comunga com Baudelaire, Lautréamont e Rimbaud. Na ficção, compartilha da forma de Gabriel Garcia Márquez, Jorge Luis Borges e Júlio Cortazar, mestres latinos da literatura fantástica. Isso diz muito pouco sobre o autor de Trilogia da Maldição, apenas a leitura de sua obra é que pode esclarecer o seu gênio criador. Trilogia da Maldição é uma bênção dentro da literatura brasileira contemporânea. Deixar de ler a saga de Alto dos Angicos de São Francisco do Estreito é que pode ser uma verdadeira maldição.


Resenha publicada no jornal Mercatto, em Salvador, em fevereiro de 2003.

JIVM - DILÚVIO


D I L Ú V I O


O olho daquele pingo de chuva que vem caindo
revela a minha convicção: acredito no dilúvio.

Não tem mais jeito, para toda árvore que olho
só vejo tábuas para construir a arca da salvação.

Sei que todos riem de mim, fazem galhofa
e acham mesmo que estou com um chocalho no juízo.

Mas é que tive um sonho: um ser vestido de água
inundava o meu dia a minha noite a minha vida.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

segunda-feira, 2 de junho de 2008

FOTOGRAFIA: RICARDO PRADO

NOVOS OLHARES DA BAHIA
Por Adriana Jacob

Ritos, festas, pessoas e paisagens do cotidiano
inspiram a arte do fotógrafo
Ricardo Prado


Do ritual de fé das ialorixás na Festa do Bembé do Mercado, em Santo Amaro da Purificação, até o cansaço estampado no rosto dos passageiros do trem do subúrbio ferroviário de Salvador. Do brilho amarelo do sol refletido no mar, à escuridão misteriosa das águas do Dique do Tororó. As manifestações culturais e religiosas que compõem a identidade baiana inspiram o trabalho do fotógrafo Ricardo Prado.

“Tento mostrar a beleza das pessoas de maneira espontânea, para que a fotografia revele a dignidade desses homens e mulheres”, explica o artista mineiro, radicado há 18 anos em Salvador. É assim com o semblante pensativo da irmã da Boa Morte. É assim com o menino que brinca, de cabeça baixa, na areia do Rio Vermelho, no registro batizado por Prado como Abaporu Nagô.

Caçador de imagens, o artista captura cenas do cotidiano ou de rituais sagrados sempre de forma natural, sem qualquer tipo de interferência sobre o objeto ou pessoa observada. “Busco registrar um olhar com novas cores sobre a realidade. Mas são sempre cores reais, por isso prefiro não interferir no cenário, apenas mostrar um novo ângulo ou horizonte”, afirma o fotógrafo.

A cidade de Salvador é outro dos focos do olhar de Ricardo Prado. Seja através de imagens aéreas da orla da capital baiana ou do entardecer no Porto da Barra, há luzes e movimentos que povoam cada cenário do lugar escolhido pelo fotógrafo para viver. Um de seus bairros preferidos, o Rio Vermelho, foi tema da exposição Odoiá – Mãe do Rio, realizada em dezembro de 2007, no Teatro Gamboa Nova, e em fevereiro de 2008, no Bar e Restaurante Póstudo. A mostra reuniu fotografias de vestígios de Iemanjá no cotidiano do bairro boêmio.

Em busca de representações da divindade considerada a mãe da grande maioria dos orixás, Ricardo Prado mergulhou no simbolismo presente nas praças, ruas, nas areias e no mar do bairro. “Em cada canto, é possível ver a própria representação da orixá, tanto em forma de esculturas da deusa, como na atividade dos pescadores, nos peixes, nas cores e formas da água e das pessoas que passam por ali”, descreve o fotógrafo, que trabalha agora na produção de um banco de imagens da Bahia. Contato: (71) 9959 0621.


Adriana Jacob é jornalista.

Matéria publicada na revista Festa & Folia #20, Salvador, Bahia, em abril de 2008.

domingo, 1 de junho de 2008

JIVM - FOTOGRAFIA DE UM POEMA


FOTOGRAFIA DE UM POEMA

Para Ricardo Prado



De óculos escuros
o homem se aproxima
e me pede um poema.

Olho em suas lentes e indago:
– O mundo é uma cena?



JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

JIVM - REGISTRO DA FALA DO SILÊNCIO



REGISTRO DA FALA DO SILÊNCIO



O que mais tem falado em mim é o silêncio,
mas um silêncio plural – de fogo –
que com sua língua escarlate abrasa as palavras
e as queima antes de serem.

Um silêncio de lá, de longe – das plagas interiores –
que fala o tempo todo sem dar nome ao dito.

Em sonho é imagem: e vejo, inebriado,
a sua cara – semblante formidável:
tão formoso quanto pode ser um deus.

O silêncio, este que fala e de que tanto falo,
é um hieroglífico poema,
e estes versos: tradução e codificação.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO