quinta-feira, 7 de outubro de 2021

O CANTADOR QUE É POETA

Por Denise Emmer 


Denise Emmer: "Com mais essa admirável obra,
Garatujas Selvagens, José Inácio Vieira de Melo se consolida
no time das grandes vozes da poesia brasileira contemporânea." 


José Inácio Vieira de Melo é poeta cantador das terras de Elomar. Em seu novo livro Garatujas Selvagens, ele inventa claridades de rara poesia escrita, mas que pode ser cantada. O seu sertão é risonho, banhado de sol e pedra com “cheiro de vida / alegria de pássaro / que voa na caatinga”. Está inserido na natureza para criar um mundo agreste que resplandece e faz-se vida presente, como um rio que corre caudaloso. 

No belo poema de abertura, Ofício, reinventa as forças naturais pois, ao “cunhar abalos sísmicos” ele “mergulha no sonho” e revela novas matizes que se desdobram em pura música de palavras, como também nos remete a versos de grande beleza e inventiva linguagem. Mergulha, em busca do incriado, e, em outra estrofe, “E como é estranho / o luminoso minério / que surge assim precipitado”. 

O espanto causado pelas grandezas do mundo é o mesmo da poesia, quando o poeta assume ser o mensageiro do que ainda não foi visto, tampouco percebido. Nessa imersão, nas coisas do natural, mora o seu universo onde ele enxerga até o fantástico em inusitadas imagens, como essas dos versos do poema que dá título ao livro “Há um tigre dentro do relógio / correndo por entre os sonhos / e atravessando a savana do tempo”. 

Revela o sertão das ideias, também das garatujas, e por mais selvagens que sejam ele as transcende e recria. E conhece tanto o mistério da poesia quanto o labirinto dos caminhos sem nunca se perder, tendo como norte seu próprio âmago, quando no poema Trilhas, ele nos guia: “somente / perdido / nos caminhos / o andarilho / está / em casa”. 

José Inácio é poeta das paragens, lá onde as estrelas caem para acender os seus versos. Tem o dom do cantador: quando, de forma pungente e plena de verdade, declama seus poemas, encanta qualquer plateia, mesmo a mais sonolenta. 

É alta, a sua poesia. Das melhores de hoje em dia. E ele afirma a sua inventividade no poema Via das palavras ao escrever: “cada palavra tem sua via. / É tudo imprevisto a cada linha”... E mostra que sua poética é aquela dos autênticos, e não dos versejadores que afiançam ser poema qualquer agrupamento de linhas. 

E assim, o poeta canta alto: “a palavra é o de repente, / é o desprevenido instante, / e tudo se alinha no seu rompante”. E o canto do agreste faz-se universal, pois que é o de todos e a todos comunica com dicção imprevista, por isso, de fala intrínseca. Com mais essa admirável obra, José Inácio Vieira de Melo se consolida no time das grandes vozes da poesia brasileira contemporânea. 


(Texto das orelhas do livro Garatujas Selvagens (Arribaçã Editora, 2021) de José Inácio Vieira de Melo) 


Denise Emmer
é poeta, compositora, cantora, violoncelista e escritora. É carioca, formada em Física e é também montanhista. Publicou vários livros, entre poesia e romance. Foi laureada com importantes prêmios literários do país, tais como APCA (poesia), Olavo Bilac-ABL (poesia), Prêmio PEN do Brasil (poesia e romance), JOSÉ MARTI-CASA CUBA BRASIL (poesia), entre outros.

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