terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

ENTRE AS PALAVRAS DO SERTÃO HÁ UM ELO: A POESIA DE JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

Por Myilena Queiroz

"Essas terras são minhas
sobre elas hei lavrado a escritura de meu canto"
Gerardo Mello Mourão

Iluminogravura de Ariano Suassuna 
Educado poeticamente pelas pedras de João Cabral de Melo Neto, pelos caminhos à Grécia apontados por Gerardo Mello Mourão, e outros ilustres, o poeta alagoano é antes de tudo sertanejo, homem das terras e dos cantos.

"No começo Deus criou o céu e a terra. A terra era um vazio, sem nenhum ser vivente" e depois, todo sertanejo achava que a bíblia quase que retratava a nossa gente.
A obra de José Inácio Vieira de Melo é populada por inúmeros personagens, dentre eles tantos bíblicos. Isso porque seu vasto conhecimento, sua formação poética ora erudita ora popular (e combinação mais bela que essa não há), não o desvencilhou da referência católico-sertaneja que o ambiente de onde veio propõe. Vaqueiros e cangaceiros não poderiam deixar de também lá estar, afinal "nosso heroísmo é trágico" como diz o verso do poema Caligrafias, e há nisso muita história a ser contada. E assim, sua poesia nos chama: "Vamos cantar um galope / no coração da caatinga"
Ainda aos 15 anos já havia lido a bíblia de "cabo a rabo" e se Gerardo de Melo afirma que o sertão é a Grécia, JIVM afirma que "a bíblia é o sertão" e diz mais: "A bíblia é toda feita em um sertão desgramado, em um sol de lascar o cano. O povo criando cabra, bode. É a mesma coisa. Um mundo arcaico de deus"
Nesse mundão de deus, sendo o poeta também inspirado por Patativa do Assaré e Luiz Gonzaga, há Toada para o Tempo, há Aboio, há lugar para "A glória de Aquiles, Intrépido guerreiro", há lugar para Corisco e também para Davi, como canta em seu livro Pedra só:
"As mulheres cantam, ao redor da fogueira,/ a glória das estrelas no reino da pedra só./ E o cangaceiro Corisco dança um estranho xaxado./ E Davi, o rei pastor, com seu esquisito balé."
O poeta das pedras traz a poesia propriamente cantada. Ritmada. Aboiada. Que galopa pelo seco chão. É um cabra macho e cabra da peste das palavras. E é mais:
"Um matuto sem eira nem beira,/ labutando com palavras,/ vaquejando boiadas de signos/ por caatingas labirínticas/ numa peleja sem fim."
É pelejador. E da poesia vê-se dor, da dor faz-se poesia. E da pedra sai cantoria e honraria.

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