Por
Myilena Queiroz
"Essas
terras são minhas
sobre
elas hei lavrado a escritura de meu canto"
Gerardo
Mello Mourão
"No
começo Deus criou o céu e a terra. A terra era um vazio, sem nenhum ser
vivente" e depois, todo sertanejo achava que a bíblia quase que retratava
a nossa gente.
A obra
de José Inácio Vieira de Melo é populada por inúmeros personagens, dentre eles
tantos bíblicos. Isso porque seu vasto conhecimento, sua formação poética ora
erudita ora popular (e combinação mais bela que essa não há), não o
desvencilhou da referência católico-sertaneja que o ambiente de onde veio
propõe. Vaqueiros e cangaceiros não poderiam deixar de também lá estar, afinal
"nosso heroísmo é trágico" como diz o verso do poema Caligrafias, e
há nisso muita história a ser contada. E assim, sua poesia nos chama:
"Vamos cantar um galope / no coração da caatinga"
Ainda
aos 15 anos já havia lido a bíblia de "cabo a rabo" e se Gerardo de
Melo afirma que o sertão é a Grécia, JIVM afirma que "a bíblia é o
sertão" e diz mais: "A bíblia é toda feita em um sertão desgramado,
em um sol de lascar o cano. O povo criando cabra, bode. É a mesma coisa. Um
mundo arcaico de deus"
Nesse
mundão de deus, sendo o poeta também inspirado por Patativa do Assaré e Luiz
Gonzaga, há Toada para o Tempo, há Aboio, há lugar para "A glória de
Aquiles, Intrépido guerreiro", há lugar para Corisco e também para Davi,
como canta em seu livro Pedra só:
"As
mulheres cantam, ao redor da fogueira,/ a glória das estrelas no reino da pedra
só./ E o cangaceiro Corisco dança um estranho xaxado./ E Davi, o rei pastor, com
seu esquisito balé."
O
poeta das pedras traz a poesia propriamente cantada. Ritmada. Aboiada. Que
galopa pelo seco chão. É um cabra macho e cabra da peste das palavras. E é
mais:
"Um
matuto sem eira nem beira,/ labutando com palavras,/ vaquejando boiadas de signos/ por caatingas labirínticas/ numa peleja sem fim."
É
pelejador. E da poesia vê-se dor, da dor faz-se poesia. E da pedra sai cantoria
e honraria.
Texto
publicado no site Obvius, em 8 de janeiro de 2014 (http://lounge.obviousmag.org/astronauta/2014/01/entre-as-palavras-do-sertao-ha-um-elo-a-poesia-de-jose-inacio-vieira-de-melo.html)
Nenhum comentário:
Postar um comentário