José Inácio Vieira de Melo
Nos 40 poemas que compõem Lucidez Silenciosa, Cleberton Santos apresenta uma lira cheia de vigor. Não é uma poesia de fáceis arroubos, mas contida, disciplinada, que preza pela linguagem e que mostra que seu autor sabe os rumos que deseja trilhar – passos semelhantes aos de um Baudelaire: “ir ao fundo do desconhecido para encontrar o novo”.
Nesse seu livro de estréia, Cleberton não está preocupado em seguir vertentes literárias, não desperdiça tempo com este ou aquele grupo de vanguarda, desse ou daquele lugar. O seu compromisso é com a arte poética, é com a estética da palavra.
O livro está dividido em quatro partes. Em todas elas, é perceptível a busca da síntese no dizer, do condensar as palavras, no que resulta uma poesia substantiva e substancial.
Em Bestiário Inútil, primeira parte, há uma paisagem e um calango que espreita o mundo. Cleberton Santos é um poeta ofuscado pelos delírios, um cego – um Homero, um Patativa, um Borges – que enxerga o mundo pelos olhos desse calango e confere existência à paisagem. Sente cravado no peito o silêncio. Não um silêncio qualquer, mas aquele que executa, a todo instante, um “Concerto para ninar calangos” e despertar matizes:
Silêncio tecido de dor e violinos
crava em meu peito
concerto estapafúrdio
para ninar calangos opalinos.
Além dos calangos, são invocados escorpiões, pardais, galos e ossos de um antigo Minotauro. O poeta retorna ao tempo dos pardais e o chão é céu, onde nuvens de carambolas e de goiabas maduras despertam os primeiros desejos e o fazem ruborizar (“Sonhos e pardais”).
Em Mitos e Formas, segundo capítulo deste opúsculo do poeta sergipano da Bahia, tudo é metamorfose. O “Minotauro” ressuscita do Bestiário Inútil. Teseu, personificação do poeta, embora agonizante, sabe que o alimento dos galos que cria, em sua morada, são os mitos e as formas – grãos imprescindíveis para os cantores da aurora. Teseu, esfaqueado e lúcido, renasce na aurora, seu sangue é o arrebol, é o novo. A manhã traz no âmago o germe da tarde e a tarde é conseqüência do dia, a tarde é noite que se aproxima a anunciar o “Amanhã”:
Contemplar o amanhã sem detê-lo
em sua voracidade de amanhecer.
Lucidez Silenciosa é a matriz do livro de Cleberton. Nesta terceira seção, o poeta homenageia Florbela Espanca e Pablo Neruda, dialoga com outras referências, como em “Poema ocasional”, em que estão justapostas as vozes aveludadas de Alphonsus Guimaraens e de Cruz e Souza, baluartes do Simbolismo no Brasil.
Mas o momento culminante deste capítulo é o poema “Amor”. Dos recônditos lugares do silêncio, das alturas da lucidez, Cleberton Santos erige – em arquitetura exata – o templo do amor. Em sua partitura, não há arrodeios nem floreios. É o que é, seja qual for a circunstância:
O vestido preto
está dançando na esquina.
O amor é uma festa
mesmo em dia de luto.
O Canto Quase Memória, derradeira parte de Lucidez Silenciosa, começa com um poema que despeja nas retinas do leitor o Sísifo que todo ser humano é. E assim, condenado pelo destino, o poeta segue a empurrar, montanha acima, “a pedra infinitamente pedra”. Mas, aprendiz do velho Vicente, amola suas facas na pedra, que é seu fardo e sina, para, em seguida, esgrimir seus versos e compor a sua lira.
Cleberton demonstra ser um poeta que dedilha a chuva dos versos na flauta dos dias. Ciente do caminho que tem a percorrer, olha para frente e – com olhos de calango na “Paisagem em movimento” – enxerga nos longes, lá em 2050, e sabe o que o espera. E tranqüilamente toca a sua “Composição para flauta”:
Faço versos com retalhos de vida
fios de cabelos que apascento nos dedos.
Lucidez Silenciosa anuncia os vastos horizontes que aguardam pelo seu criador. Em outra época, outro jovem poeta, Castro Alves, sintetizou em um verso a sua ânsia em alçar vôo: “Eu sou pequeno, mas só fito os Andes”. Como o poeta condoreiro, Cleberton Santos sabe da sua condição efêmera, mas mira o infinito e brada para o Cosmo a sua necessidade de Beleza.
Prefácio do livro Lucidez Silenciosa, de Cleberton Santos, publicado, também, no jornal A Tarde Cultural, em 26 de novembro de 2005, em Salvador.
Nos 40 poemas que compõem Lucidez Silenciosa, Cleberton Santos apresenta uma lira cheia de vigor. Não é uma poesia de fáceis arroubos, mas contida, disciplinada, que preza pela linguagem e que mostra que seu autor sabe os rumos que deseja trilhar – passos semelhantes aos de um Baudelaire: “ir ao fundo do desconhecido para encontrar o novo”.
Nesse seu livro de estréia, Cleberton não está preocupado em seguir vertentes literárias, não desperdiça tempo com este ou aquele grupo de vanguarda, desse ou daquele lugar. O seu compromisso é com a arte poética, é com a estética da palavra.
O livro está dividido em quatro partes. Em todas elas, é perceptível a busca da síntese no dizer, do condensar as palavras, no que resulta uma poesia substantiva e substancial.
Em Bestiário Inútil, primeira parte, há uma paisagem e um calango que espreita o mundo. Cleberton Santos é um poeta ofuscado pelos delírios, um cego – um Homero, um Patativa, um Borges – que enxerga o mundo pelos olhos desse calango e confere existência à paisagem. Sente cravado no peito o silêncio. Não um silêncio qualquer, mas aquele que executa, a todo instante, um “Concerto para ninar calangos” e despertar matizes:
Silêncio tecido de dor e violinos
crava em meu peito
concerto estapafúrdio
para ninar calangos opalinos.
Além dos calangos, são invocados escorpiões, pardais, galos e ossos de um antigo Minotauro. O poeta retorna ao tempo dos pardais e o chão é céu, onde nuvens de carambolas e de goiabas maduras despertam os primeiros desejos e o fazem ruborizar (“Sonhos e pardais”).
Em Mitos e Formas, segundo capítulo deste opúsculo do poeta sergipano da Bahia, tudo é metamorfose. O “Minotauro” ressuscita do Bestiário Inútil. Teseu, personificação do poeta, embora agonizante, sabe que o alimento dos galos que cria, em sua morada, são os mitos e as formas – grãos imprescindíveis para os cantores da aurora. Teseu, esfaqueado e lúcido, renasce na aurora, seu sangue é o arrebol, é o novo. A manhã traz no âmago o germe da tarde e a tarde é conseqüência do dia, a tarde é noite que se aproxima a anunciar o “Amanhã”:
Contemplar o amanhã sem detê-lo
em sua voracidade de amanhecer.
Lucidez Silenciosa é a matriz do livro de Cleberton. Nesta terceira seção, o poeta homenageia Florbela Espanca e Pablo Neruda, dialoga com outras referências, como em “Poema ocasional”, em que estão justapostas as vozes aveludadas de Alphonsus Guimaraens e de Cruz e Souza, baluartes do Simbolismo no Brasil.
Mas o momento culminante deste capítulo é o poema “Amor”. Dos recônditos lugares do silêncio, das alturas da lucidez, Cleberton Santos erige – em arquitetura exata – o templo do amor. Em sua partitura, não há arrodeios nem floreios. É o que é, seja qual for a circunstância:
O vestido preto
está dançando na esquina.
O amor é uma festa
mesmo em dia de luto.
O Canto Quase Memória, derradeira parte de Lucidez Silenciosa, começa com um poema que despeja nas retinas do leitor o Sísifo que todo ser humano é. E assim, condenado pelo destino, o poeta segue a empurrar, montanha acima, “a pedra infinitamente pedra”. Mas, aprendiz do velho Vicente, amola suas facas na pedra, que é seu fardo e sina, para, em seguida, esgrimir seus versos e compor a sua lira.
Cleberton demonstra ser um poeta que dedilha a chuva dos versos na flauta dos dias. Ciente do caminho que tem a percorrer, olha para frente e – com olhos de calango na “Paisagem em movimento” – enxerga nos longes, lá em 2050, e sabe o que o espera. E tranqüilamente toca a sua “Composição para flauta”:
Faço versos com retalhos de vida
fios de cabelos que apascento nos dedos.
Lucidez Silenciosa anuncia os vastos horizontes que aguardam pelo seu criador. Em outra época, outro jovem poeta, Castro Alves, sintetizou em um verso a sua ânsia em alçar vôo: “Eu sou pequeno, mas só fito os Andes”. Como o poeta condoreiro, Cleberton Santos sabe da sua condição efêmera, mas mira o infinito e brada para o Cosmo a sua necessidade de Beleza.
Prefácio do livro Lucidez Silenciosa, de Cleberton Santos, publicado, também, no jornal A Tarde Cultural, em 26 de novembro de 2005, em Salvador.
Um comentário:
ESTRELA AMARELA
Estamos na temporada de chuvas
Ainda que seja primavera, na centelha
De tristes relembranças curtidas
Em sal e vinagre de maçã vermelha
No entanto, Jesus Maria José
Já sinto o cheiro de dezembro
Com suas belas luzes coloridas
E cheiro da infância, de Itararé
Estou em estado de música
Elétrico - como uma página de relâmpago
O coração com paletas coloridas
E a alma reviçando muito além
das lágrimas de um recente inquerer
Passei tempo de exílio, ainda lembro
O carvão da tristeza, no sofrer
O Natal chegará iluminando duras lidas
No presépio amargurado do meu ser
Espero que a vida devolva sem seqüela
O historial íntimo do meu lado sentidor
Assim, no novo mês de dezembro
Muito além de ressentimentos e feridas
No Natal - como uma estrela amarela
Estarei finalmente enfeitado de Amor!
-0-
Silas Correa Leite, Itararé-SP, Brasil
E-mail: poesilas@terra.com.br
Blogues: www.portas-lapsos.zip.net
Ou: www.campodetrigocomcorvos.zip.net
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