Embora longe do grande público, em razão das dificuldades de divulgação de suas edições independentes e sem distribuição, e conseqüentemente, à margem do processo editorial por residirem fora do hegemônico eixo Rio-São Paulo, há uma geração de escritores em diversas regiões do País produzindo poesia e ficção de qualidade. Principalmente no Nordeste, cada dia temos notícias de autores que publicam, ora com parcos recursos pessoais, ora revelados por algum concurso literário, que vêm despontando em sua região com um trabalho bem recebido pela crítica local, apesar de inalcançáveis pela mídia do Sudeste-Sul.
Entre esses autores, José Inácio Vieira de Melo, alagoano radicado em Salvador, autor de Códigos do Silêncio (2000) e Decifração de Abismos (2002) se destaca tanto como agente cultural, dirigindo o projeto “Poesia na Boca da Noite”, como divulgando sua produção individual. Seu novo livro, A Terceira Romaria (Aboio Livre Edições, 2005, 126 pgs., R$ 20), mostra toda a força lírica e metafórica de uma poesia que traz na sua concepção o coloquial e o erudito, o apelo à intertextualidade e alguns influxos metalingüísticos e paródicos.
A versatilidade desse poeta sintonizado com suas raízes e marcado pelas dores de seu povo, constata-se tanto nos versos de “Bodas de sangue” (Ah Cristina Hoyos, deusa de Espanha,/ vem bailando em nuvens e em versos de Garcia Lorca,/ vem com teus punhais para a minha peixeira de 12 polegadas,/ pois as nossas bodas só podem ser de sangue.) e “Dois momentos” (Entro no poema como quem come cuscuz/ e sai dia afora para encarar a existência) como em “Epitáfio para Guinevere” (Para tu, que trazias os céus dentro dos olhos,/ o relinchar da paixão pagã/ dos cavalos que trago dentro de mim) e “Do pensamento” (O mistério me leva à estrada/ e a estrada revela/ a poeira que sou.// O espanto me conduz à reflexão/ e a reflexão revela/ a peneira que sou.). A sua linguagem incorpora o conhecimento da literatura clássica e os valores de uma poética polissêmica, assimilados no contato com a tradição oral do sertão, marcadamente os mitos religiosos e os signos profanos e no trânsito com outros autores e vertentes.
Nesse aluvião poético, extrai da memória, da infância e do tempo elementos para estabelecer um diálogo com a realidade e a compreensão da natureza de todas as coisas, além de um lirismo que traz candentes abordagens de amores e frustrações. Uma poesia que extravasa o grito interior do homem sufocado por valores anacrônicos, cioso por extrapolar seus limites rurais, inscrevendo um certo questionamento existencial. O autor acaba por instaurar uma catarse espiritual e psicológica a partir de universos lúdicos, de um retorno às suas experiências de vida e uma visita ao homem e à terra castigados do sertão, explorando toda sua carga rítmica e seu potencial mi(s)tico, sem artificialismo ou exageros, porque fruto de rigorosa cuidado e pesquisa da linguagem. E em momentos de profunda confissão, como nestes “Exercícios crísticos” (Trago comigo todos os pecados do mundo/ e sou o cordeiro imolado que alimenta o delírio,/ por isso a glória e a humilhação do vinho:/ não é nada fácil ser juiz da própria loucura.), José Inácio desabafa, expondo seu sentimento do mundo e trazendo fôlego novo à poesia brasileira.
Esculturas: Ramiro Bernabó.
Entre esses autores, José Inácio Vieira de Melo, alagoano radicado em Salvador, autor de Códigos do Silêncio (2000) e Decifração de Abismos (2002) se destaca tanto como agente cultural, dirigindo o projeto “Poesia na Boca da Noite”, como divulgando sua produção individual. Seu novo livro, A Terceira Romaria (Aboio Livre Edições, 2005, 126 pgs., R$ 20), mostra toda a força lírica e metafórica de uma poesia que traz na sua concepção o coloquial e o erudito, o apelo à intertextualidade e alguns influxos metalingüísticos e paródicos.
A versatilidade desse poeta sintonizado com suas raízes e marcado pelas dores de seu povo, constata-se tanto nos versos de “Bodas de sangue” (Ah Cristina Hoyos, deusa de Espanha,/ vem bailando em nuvens e em versos de Garcia Lorca,/ vem com teus punhais para a minha peixeira de 12 polegadas,/ pois as nossas bodas só podem ser de sangue.) e “Dois momentos” (Entro no poema como quem come cuscuz/ e sai dia afora para encarar a existência) como em “Epitáfio para Guinevere” (Para tu, que trazias os céus dentro dos olhos,/ o relinchar da paixão pagã/ dos cavalos que trago dentro de mim) e “Do pensamento” (O mistério me leva à estrada/ e a estrada revela/ a poeira que sou.// O espanto me conduz à reflexão/ e a reflexão revela/ a peneira que sou.). A sua linguagem incorpora o conhecimento da literatura clássica e os valores de uma poética polissêmica, assimilados no contato com a tradição oral do sertão, marcadamente os mitos religiosos e os signos profanos e no trânsito com outros autores e vertentes.
Nesse aluvião poético, extrai da memória, da infância e do tempo elementos para estabelecer um diálogo com a realidade e a compreensão da natureza de todas as coisas, além de um lirismo que traz candentes abordagens de amores e frustrações. Uma poesia que extravasa o grito interior do homem sufocado por valores anacrônicos, cioso por extrapolar seus limites rurais, inscrevendo um certo questionamento existencial. O autor acaba por instaurar uma catarse espiritual e psicológica a partir de universos lúdicos, de um retorno às suas experiências de vida e uma visita ao homem e à terra castigados do sertão, explorando toda sua carga rítmica e seu potencial mi(s)tico, sem artificialismo ou exageros, porque fruto de rigorosa cuidado e pesquisa da linguagem. E em momentos de profunda confissão, como nestes “Exercícios crísticos” (Trago comigo todos os pecados do mundo/ e sou o cordeiro imolado que alimenta o delírio,/ por isso a glória e a humilhação do vinho:/ não é nada fácil ser juiz da própria loucura.), José Inácio desabafa, expondo seu sentimento do mundo e trazendo fôlego novo à poesia brasileira.
Esculturas: Ramiro Bernabó.
Resenha publicada no Jornal do Brasil, no caderno B - Livros, em 25 de outubro de 2005, no Rio de Janeiro.
Ronaldo Cagiano é poeta, contista e ensaísta. Nasceu em Cataguases (MG) e vive em Brasília desde 1979. Publicou vários títulos, dentre eles “Canção dentro da noite” (poesia, 1999), “Dezembro indigesto” (contos, 2001) e “Concerto para arranha-céus” (contos, 2004).
2 comentários:
Olá!
Eu achei aquele poema na internet e sem o nome do autor. Coloquei no blog por tê-lo achado bonito.Sempre costumo colocar o nome dos autores, como vc pode observar em outras postagens que fiz.Vou retificar.
Um abraço e minhas desculpas!
Coloquei o teu blog na minha lista de links indicados.
Uma ótima semana para você!
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