sexta-feira, 13 de novembro de 2009

ENTREVISTA – ALEXANDRE BONAFIM: BRASIL É ARQUIPÉLAGO DE POETAS

Por Kátia Borges


Em passagem rápida por Salvador, o poeta Alexandre Bonafim, considerado um dos melhores autores contemporâneos no gênero, foi entrevistado na seção Orelha. Leia trechos inéditos da entrevista. (Entrevista concedida à jornalista e escritora Kátia Borges. Publicada parcialmente na revista semanal Muito #78, do jornal A Tarde, em 27 de setembro de 2009, em Salvador, Bahia. - Foto: João Alvarez).

KÁTIA BORGES – Qual a avaliação que você faz do panorama literário atual, especialmente na área de poesia?

ALEXANDRE BONAFIM – O Brasil é um arquipélago de poetas. Temos um panorama rico e múltiplo. Ainda sinto que a divulgação espoca, infelizmente, com maior força no eixo Rio-São Paulo. Mas a boa poesia, a despeito de qualquer empecilho, prospera mesmo contra as maiores adversidades. Do Amazonas ao Rio Grande do sul, há uma constelação de grandes escritores. Nesse sentido, sites como Estante Virtual nos ajudam a conseguir as obras raras, divulgadas apenas regionalmente. Faltam ainda iniciativas editorias capazes de difundir a poesia do nosso país. Como leitor, sou um combatente, um pesquisador incansável. Tento ler a poesia de todos os rincões de nossa pátria.

KB – Li um conto seu numa revista eletrônica, a prosa é algo que o atrai?

AB – A minha prosa nasce da poesia. Talvez eu tenha buscado a narrativa como um instrumento capaz de transbordar em mim a palavra. Sou amante da prosa de Proust. Daí a nostalgia de muitos dos meus contos, nos quais tento buscar as epifanias perdidas na infância. Tenho um livro pronto, ainda não publicado, de contos, chamado O Cavalo Azul. Essa imagem do Cavalo Azul extraí da famosa revista publicada pela poeta Dora Ferreira da Silva. Esse animal solar, da cor do céu, é um símbolo etrusco. Tais animais levavam os mortos ao reino das alturas. Enfim, a poesia é para mim um cavalo azul, ser encantado capaz de nos guiar para uma dimensão maior da vida.

KB – Como vê a movimentação de autores na internet?

AB – A internet é um importante meio de divulgação da poesia atual. Como se tornou quase impossível publicar livros, devido ao alto custo, a internet surgiu como excelente oportunidade. Eu mesmo sou um blogueiro apaixonado pelo mundo virtual. Quando criei meu blog, Arquipélago do silêncio, minha escrita, inclusive, amadureceu. O fato de você ver seu livro on-line, em um blog, torna-o concreto e isso ajuda o escritor a burilar seu texto, a perceber-se melhor enquanto escritor. Enfim, a internet permitiu democratizar a poesia.

KB – Como constrói seus poemas, que sentimentos o fazem escrever?

AB – O querido amigo, o poeta José Inácio Vieira de Melo, disse certa feita que eu era um poeta de epifanias. Creio que ele tinha razão. A poesia, para mim, nasce de um mistério íntimo, lugar em que nos irmanamos com o transcendente. Eu precisei ler um importante livro do Rudolf Otto, intitulado O sagrado, para descobrir que a poesia nasce do “Tremendum”, ou seja, nasce de um sentimento visceral, feito corte de relâmpago a vergastar nossos sentidos, presença enfim do sagrado terrível. Eu sinto que a poesia insurge desse fascínio, dessa força motriz da vida, incompreensível, mas belíssima. O lirismo é um mergulho na noite do silêncio, essa noite de onde irrompemos e para onde seremos levados pela morte. Rilke, poeta imprescindível para mim, escreveu suas famosas Elegias de Duíno a partir de um chamado transcendente. Eu procuro essa voz escondia nos resquícios do cotidiano, nos pormenores da vida. Essa é a grande aventura da escrita: estar sempre a mercê de um arroubo, de um estertor pulsante.


Eu sempre fui o pastor do teu riso,
a infância de tua morte,
a eternidade de tua voz.
Eu sempre fui o grito de tua nudez,
as vestes de teu pensamento,
a música de tua carne.
Em ti dissolvi o mar,
as constelações,
as mais ásperas paisagens.
Em ti respirei os abismos,
as interditas palavras,
as horas mais efêmeras.

Fomos dois punhais surdos
a cortarem o silêncio das pedras.


ALEXANDRE BONAFIM

5 comentários:

Georgio Rios disse...

Boa, e instigante entrevista.O poema também fala muito.

Georgio Rios disse...

Instigante e escalrecedora. O Arquipélago de poetas é sem dúvidas a melhor definição para a situação atual da poesia no Brasil.

Alexandre Bonafim disse...

Querido José, sinto-me honrado por estar em seu Blog. Receba o meu abraço, com toda a amizade, Alexandre Bonafim.

Alexandre Bonafim disse...

Pessoal, se o José Inácio me permitir divulgar o livro no seu blog, o que já de antemão agradeço, o livro pode ser encomendado pelo site da editora: www.biblioteca24x7.com.br
Abraço para todos.

Clara disse...

Inácio, querido, parabéns pelo blog, está muito lindo!