sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

ENTREVISTA - JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO: POESIA QUE SE ESPALHA

Por Kátia Borges


Alagoano, José Inácio Vieira de Melo escolheu a Bahia para viver e batalhar a carreira literária. Hoje, morando em Jequié, coordena projetos poéticos e prepara novo livro (Entrevista concedida à jornalista e escritora Kátia Borges. Publicada parcialmente na revista semanal Muito #46, do jornal A Tarde, em 15 de fevereiro de 2009, em Salvador, Bahia. - Foto: Rejane Carneiro).

KÁTIA BORGES
– Como a poesia o encontrou nessa vida?

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – A poesia encontrou-me ainda na adolescência. Estava acampando com alguns amigos na Serra das Mãos, em Alagoas. Tomávamos chá de erva cidreira e capim santo. Um dos amigos tinha um radinho “consola corno” e sintonizou-o na Rádio Novo Nordeste, quando o Raimundo Fagner, muezim do Ceará, começou a berrar um poema de Patativa do Assaré. Foi um momento de descoberta, de epifania. A partir daquele momento, a minha comunhão com a poesia estava selada.

KB – Fazer 40 anos mudou sua poesia?

JIVM – Apesar de acreditar que a cada dia inauguramos uma nova idade – como nos ensina Alberto Caeiro: “Sinto-me nascido a cada momento/ para a completa novidade do mundo” –, entrar na casa dos 40 não foi nada fácil. Parece até que os meus fantasmas todos resolveram assomar de uma só vez e, permanentemente, fazer um labafero terrível no meu juízo. E a minha poesia mudou sim. E como mudou! Até outubro lançarei um livro intitulado "Roseiral", no qual os leitores poderão constatar essa mudança.

KB – E dar aulas sobre literatura? Muda a perspectiva?

JIVM – Lecionar literatura é uma satisfação e um grande aprendizado. Ao invés de mudar a perspectiva, potencializa-a e amplia as possibilidades. A cada aula, penso numa maneira mais prazerosa de fazer com que a literatura chegue ao sentimento dos alunos, assim como, também, busco fazer com que eles tenham uma compreensão do que é literatura.

KB – As críticas negativas tiram seu sono?

JIVM – As críticas negativas me deixam com um sorriso no canto da boca, pois surgem da parte de anônimos. A impressão que fica é que são pessoas muito carentes de atenção, que encontram prazer na difamação de outrem. Desde que publiquei meu primeiro livro, "Códigos do silêncio" "(2000), a minha poesia tem recebido uma atenção especial de um número considerável de críticos de várias partes do Brasil e até de outros países, como Portugal e Colômbia, de modo que esses ganidos anônimos não me incomodam. Na verdade são tão repetitivos e tão clichês que se tornaram enfadonhos.

KB – Nos eventos pelo interior, como a poesia se espalha?

JIVM – Desde 1998 que coordeno eventos literários na Bahia, tanto em Salvador como em algumas cidades do interior. E é impressionante como a resposta é diferente. Em Salvador, apesar de contar com o apoio das mídias (rádio, jornal impresso e televisão), o público é bem menor do que no interior. Coordenei durante quatro anos, em Salvador, o projeto Poesia na Boca da Noite (2004-2007), que apresentava sempre dois poetas. A maior platéia foi de 120 pessoas. Já na cidade de Maracás, com população estimada em 30 mil habitantes, participei, no ano passado, do Uma Prosa Sobre Versos, coordenado por Edmar Vieira. Durante todo o ano, o projeto conseguiu manter um público estimado em 600 pessoas, que compareciam ao auditório da cidade para ouvir um escritor e se deliciar com um belíssimo recital de poemas feito pelo Grupo Concriz, uma turma de jovens coordenada pelo poeta Vitor Nascimento Sá. O evento foi tão exitoso que já tem programação definida para 2009, cuja estreia vai ser no dia 13 de março, com a presença do poeta Ruy Espinheira Filho e, claro, do Grupo Concriz. Outro projeto a estrear também em março é o Travessia das Palavras, da Academia de Letras de Jequié, coordenado por Leonam Oliveira, presidente da instituição, e por mim. O primeiro convidado é o poeta Florisvaldo Mattos, que vai ter, também, seus poemas recitados pelo Grupo Concriz. A poesia é interior e se esparrama com fluidez pelos interiores.

KB – A meninada entende, gosta, procura a poesia?

JIVM – A meninada sente a poesia. E dentro desse sentir cabe o espanto, o estranhamento, o encanto, a beleza e a compreensão. Talvez, se os adultos tivessem o olhar da meninada, a poesia não seria, como diz o poeta Francisco Carvalho, “uma ribalta entregue às moscas”. O público desses eventos nem sempre é formado majoritariamente por crianças, mas por jovens entre 15 e 25 anos de idade.

KB – Verso medido ou livre, em qual você se sente mais à vontade?

JIVM – Sinto-me à vontade com os dois. Tanto os versos abundantes de Walt Whitman que se espraiam pelo espírito dos leitores, quanto o rigor das facas cabralinas, a deixar cicatrizes claras. Verso medido é uma liberdade que chega pelo conhecimento. Ao conhecermos a técnica, passamos a compreender que o verso livre também tem sua medida.

KB – Qual o espaço da poesia no mundo hoje?

JIVM – A poesia está em toda parte. O mundo é poesia. A maioria das pessoas é que está com o olhar preso na vitrine.

8 comentários:

Anônimo disse...

Entrevista de um poeta sincero, destemido e dedicado. Parabéns!

Camila Barbosa

Jaquelyne Costa disse...

Meu querido amigo!!
Vi um poema teu lá no site do jornal A Tarde.

Parabéns!!
Teus versos sempre me completam a vida!!

Abraços,

Jaquelyne A. Costa

Héber Sales disse...

Íncrivel essa notícia sobre a repercussão do evento em Maracás. No Rio, há o CEP 20.0000, que mistura poesia, teatro, música popular. Tem a cara da poesia marginal, pop, dos anos 1970. Atrai muita gente jovem. Imagino que algo do tipo em Salvador dê resultado também, ainda mais se for num espaço onde a garotada se junta.
Um abraço, José Inácio, e parabéns pela entrevista.

Anônimo disse...

Realmente, meu poeta, o mundo é poesia - mais ainda quando encontramos um Cavaleiro de Fogo que a conduz por toda parte. Beijos.

Lane Quinto disse...

Grande Poeta, gostei muito da sinceridade e expressividade em tuas respostas nessa entrevista. Parabéns!!!

A poesia guia teu caminhar.
E teu caminho é pura poesia.

"...vai tua vida, teu caminho é de paz e amor..."

Forte abraço,

Lane Quinto.

Anônimo disse...

Zé Inácio, vc é um poeta que sabe das coisas. Parabéns.

Jeovah Ananias

Anônimo disse...

Poeta, Estou com muita vontade de conhecer seu trabalho. Suas respostas são seguras e impregnadas de sinceridade, sem contar que sua poesia é de alto nível. Parabéns!

Miriam de Sales disse...

Amigo,vc é um marco no nosso mundo poético. Abç