Escrevi este texto quando o poeta Gerardo Mello Mourão completou 90 anos, mais especificamente, em 8 de janeiro de 2007, atendendo a um pedido do poeta Florisvaldo Mattos, editor-chefe do jornal A Tarde, de Salvador. A essa altura, Gerardo já estava em coma. O texto só foi publicado no dia 10 de fevereiro e teve uma grande repercussão, sendo reproduzido em vários outros jornais, sites e blogs, do Brasil e de outros países. No dia 9 de março de 2007, praticamente um mês depois, o Vate de Ipueiras viria a falecer, vítima de falência múltipla de órgãos.
Gerardo Mello Mourão chega aos 90 anos – completados no dia 8 de janeiro – como uma das vozes mais representativas da Literatura Brasileira contemporânea. Um poeta de expressão singular, considerado por vários críticos e muitos escritores – entre eles Carlos Drummond de Andrade, Wilson Martins, José Cândido de Carvalho e Octavio de Faria – como o poeta maior do Brasil.
Nascido em 1917, no pé da serra do Ibiapaba, em Ipueiras, sertão do Ceará, Gerardo teve uma vida bastante acidentada e cheia de aventuras. Sua obra tem merecido, ao longo de mais de meio século, a atenção de grandes nomes da Literatura Ocidental, como Ezra Pound, Octavio Paz, Jorge Luis Borges e Robert Graves.
Aos 11 anos foi para o Seminário São Clemente, em Congonhas do Campo, Minas Gerais, onde permaneceu até os dezoito, período em que aprendeu nove idiomas e traduziu, num exercício diário, textos do grego e do latim, de Homero e Píndaro, Virgílio e Horácio, Ovídio e Propércio.
Abandonou o convento em 1935, poucos meses antes de proferir os votos de pobreza, castidade e obediência. Começou a estudar direito, mas abandonou. Logo em seguida, aderiu ao Integralismo, assim como Câmara Cascudo e Adonias Filho, conduzido para o movimento pelo crítico Tristão de Athayde.
Foi preso 18 vezes durante as ditaduras do Estado Novo e Militar. Numa delas, ficou no cárcere cinco anos e dez meses (1942 – 1948), quando escreveu o célebre romance O Valete de Espadas e dez elegias de perdição reunidas no livro Cabo das Tormentas. Viajou por toda a Europa, América e Brasil.
O país em que viveu mais tempo, no exterior, foi o Chile, onde deu aulas na Universidade Católica de Valparaíso. Na década de 1980 morou em Pequim, na China, onde foi correspondente do jornal Folha de São Paulo. Mais precisamente, foi o primeiro correspondente brasileiro e sul-americano na China. Escreveu, até pouco tempo, crônicas diárias para os principais jornais do Brasil.
SIBILA
(Último oráculo)
Perdido nas veredas das palavras
tapa os ouvidos - canto sibilino
não se escuta: olha apenas estes olhos
apaga teus sentidos - só nos olhos
acharás o caminho; sem meus olhos,
somente os meus - redondos neste rosto -
morrerás entre os ínvios labirintos.
Sibila sou - Sibila, a Sâmia, a Délfica
poetas e pontífices me seguem
olha meus olhos - não te perderás
olha meus olhos e estarás perdido
perdido neles morrerás de amor
e os que morrem de amor não morrem nunca
olha meus olhos - me verás inteira
em teus olhos de morto estarei viva
e minha vida espantará da tua
a morte para sempre - e para sempre
em tua vida há de viver a minha.
GERARDO MELLO MOURÃO
3 comentários:
Gerardo é um poeta admirável. Poucos conseguiram atingir sua dimensão poética. Sem sombra de dúvida, Mello Mourão é o nosso Dante.
Parabéns, José Inácio, por sua iniciativa em divulgar a alta poesia, sendo você, também, um belo poeta, um dos mais promissores da sua geração, no Brasil.
Francisco Munduruca
Muitas coisas me impressionam na obra de Gerardo Melo Mourão, sobretudo a sua impecável técnica - que o coloca ao lado dos maiores nomes na literatura brasileira - e o seu profundo conhecimento do universo da antiguidade clássica. Parabéns, Inácio, pela iniciativa de espalhar a voz desse nosso profeta.
Poeta nasce.
Poeta não morre.
Gerardo é o nome do Poeta.
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