Quando terminei a leitura das crônicas de Se um viajante numa Espanha de Lorca, de Antonio Naud Júnior, além de ter satisfação por ler textos bem escritos, despojados, sem serem pretensiosos, senti uma vontade danada de viver, de apenas viver. Textos como “Que alegria de viver!” despertam para a vida. O jovem poeta é um desses andarilhos que, embora não esqueça das suas origens, não se condiciona às geografias e bota o pé na estrada pela necessidade de andar e descobrir coisas, enquanto vai se revelando para o leitor e para si próprio.
Consciente da individualidade do ser, Naud Júnior, em um dos primeiras crônicas do livro, lembra que “A aventura começa dentro de nós”. E em Tarifa, Andaluzia, rememora quando, desconhecido de todos, transitava pelas ruas de Marrocos a se indagar sobre as várias faces do seu eu: “Qual o meu nome? Sou tantos.” É inevitável não lembrar do célebre romance de Gerardo Mello Mourão, O Valete de Espadas, no qual um viajante, Gonçalo Falcão de Val-de-Cães, passa de um lugar para outro sem perceber: amanhece em um hotel que não conhece, perambula pelas ruas da cidade, também sua desconhecida e, ao dormir novamente, acorda em um navio, do qual não sabe nome nem destino. É assim o Naud Júnior em suas crônicas, o homem no mundo perplexo com tudo que o cerca, o sujeito que está sempre aberto para o desconhecido, em busca de.
Paradoxal, o nosso viajante afirma no título da crônica: “Eu só conheço esse caminho do Paraíso”, para em seguida informar que “Não conheço ninguém, ninguém me conhece. Como não conheço ninguém e ninguém me conhece, é quase como não existir”. O não existir para certas esferas, parece condição para uma ligação com o Paraíso, para trilhar pelos caminhos do Coração, assim como queria el brujo Dom Juan, em A erva do diabo, de Carlos Castaneda: “Para mim só existe percorrer os caminhos que tenham coração, qualquer caminho que tenha coração. Ali viajo, e o único desafio que vale é atravessá-lo em toda a sua extensão. E por ali viajo olhando, olhando, arquejante.”
Ainda em O Valete de Espadas, num diálogo, há uma definição que se aproxima da expressão do autor de Se um viajante numa Espanha de Lorca: “– Quem é este rapaz? – É um peregrino. Peregrino das próprias entranhas.” Antonio Naud Júnior é um peregrino dos mistérios do eu. Seus sentimentos, suas dores, suas alegrias – a parte as suas peculiaridades – são as de todas as pessoas, pois somos massa do mesmo barro; o mesmo sopro lírico que energiza o poeta, movimenta a humanidade – e esse é o motivo da identificação imediata do leitor com o cronista.
Diante da unidade do conjunto de crônicas de Se uma viajante numa Espanha de Lorca, as seções subseqüentes “Dois personagens” e “Um relato”, que apresentam, respectivamente, dois estudos e um conto, ficam fora do clima das narrativas. A impressão que deixa é de que deveriam ter aguardado um momento mais propício para publicação, ao lado de outros trabalhos do autor, de gêneros correspondentes. Por outro lado, a inclusão desses textos dá uma mostra da diversidade criativa de Antonio, escritor profícuo que transita com desenvoltura pelos mais diversos gêneros.
Percorrer os caminhos da Espanha de Antonio Naud Júnior é percorrer as searas do coração, e todos os seus textos abrem portas para o livre estradar. A Espanha de Antonio não é territorial, é dentro do Antonio, é dentro de mim, e dentro de você, meu caro leitor. Assim, invoco todos os santos poetas e todos os poetas malditos para celebrar este acontecimento literário, e convoco todos os peregrinos da vida para trilhar por essas veredas. “E res mès / E nada mais”.
Resenha publicada no jornal literário ABXZ n°7, na cidade de Itabuna, Bahia, em março de 2006.
Um comentário:
Olá Amigo
Tenho uma resenha deste livro
Se desejar ver, pode pesquisar na web ou me escrever
Silas
poesilas@terra.com.br
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