terça-feira, 27 de maio de 2008

POEMÁRIO DE UMBURANAS-DE-CHEIRO

José Inácio Vieira de Melo

Antonio Carlos de Oliveira Barreto, conhecido cordelista baiano, estréia na chamada poesia discursiva com o livro Flores de umburana (Selo Letras da Bahia, 2006). Ao contrário de boa parte da sua produção cordelística, que trata dos fatos cotidianos da sua província e dos acontecimentos do mundo globalizado, Flores de umburana segue por outro caminho – a trilha das ausências. Seus versos trazem as sensações de quem olha para as coisas e os seres e consegue experimentar o pasmo que há neles e a relatividade do seu trânsito ("o menino a contemplar/ as lágrimas de Heráclito// e o bem-te-vi/ anunciando ausências").
Flores de umburana é um livro que recende a aromas silvestres e a seiva nativa das caatingas. Traduz a força telúrica do seu autor, andarilho dos sertões. Barreto é um pastor de cantos a conduzir seus poemas pelas mesmas pastagens daquele guardador de rebanhos lusitano que apregoava na sua poética que “pensar é estar doente dos olhos”.
Mesmo quando caminha pelas formas fixas, como nos sonetos “Agalopado” e “Soneto do amor banal”, o primeiro vazado em hendecassílabos e o outro em heptassílabos, consegue ser leve e fluente como a brisa que povoa as paragens de onde provém, os sertões de Santa Bárbara, e nos transporta para dentro das imagens que evoca, não para pensarmos sobre elas, “mas para olharmos para elas e estarmos de acordo”, como nos ensina Fernando Pessoa por intermédio de seu heterônimo Alberto Caeiro, o já citado guardador de rebanhos.
A maneira descritiva e o poder de sugestão de seus versos, levam o leitor para dentro da paisagem que vai inventando, convertendo-o em parte desse cenário, ou seja, tornando-o parte daquela ordem, um elemento componente daquela organização.

O fogo dos ventos soprando do norte,
a noite azulada tangendo os abismos.
Na dança da flecha se vão os aforismos:
paisagens, caminhos, sertões, um galope.


Mais do que uma metamorfose, esse movimento pode ser compreendido como uma aceitação do processo natural e espontâneo da vida, pois apesar de descobrir “que a vida/ é puro arco-íris de/ interrogações”, sabe que “Ao meu controle foge o leme do destino/ tal o poema escapa de minhas mãos”. Essas impressões proporcionam um sentimento de integração com o Cosmo, e, nesse sentido, estamos diante não apenas de um poeta telúrico, mas também de um poeta holístico.
Em outros momentos, apresentar quadros de vivências, utilizando-se da linguagem suave que lhe é peculiar, a exemplo do belo poema “Primeira comunhão”, que trata das descobertas da infância e nos remonta ao primeiro alumbramento do mestre Manuel Bandeira:

A língua do vento
suspende a saia
da indefesa mocinha

O garotinho,
mais-que-surpreso,
rompe a timidez:

que linda Flor Negra!

E, como não poderia deixar de ser, Antonio Carlos de Oliveira Barreto, cantador de boa cepa, conclui esse poemário de umburanas-de-cheiro, que aponta para promissores caminhos poéticos, “Cordelizando”:

Sou do seio das catingas
Lá das bandas do sertão
Trago na veia a essência
Dos acordes do azulão
Do assum preto o sustenido
Da cigarra o alarido
Da coruja a solidão.


Resenha publicada na revista O Escritor n°116, da UBE, em agosto de 2007, em São Paulo. Revista editada por Izacyl Guimarães Ferreira.

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