Completar um cinqüentenário é sempre motivo de comemoração. E é nesse clima que o poeta Luís Antonio Cajazeira Ramos tem vivenciado seus 50 anos. Uma prova disso é a publicação do seu novo livro, Mais que sempre (Rio de Janeiro: 7Letras, 2007), uma edição bem cuidada que faz jus ao conteúdo que envolve.
Além de trazer 24 sonetos inéditos no capítulo de abertura, Mais que sempre faz uma viagem pela obra de Luís Antonio, reapresentando poemas de seus três livros anteriores, distribuídos em cinco capítulos, arrumação esta que exigiu do poeta o cumprimento da árdua tarefa de escolher.
Assim, os poemas do livro Temporal temporal (2002), vencedor do Prêmio Nacional Gregório de Matos, da Academia de Letras da Bahia, encontram-se nos capítulos “Temporal temporal” e “Lucidez insana”. Os elegidos de Como se (1999), nas seções “Estos do estio” e “Veia Vernal”. Na seção final, “Fiat breu”, estão os poemas do livro homônimo, de 1996.
Destacar este ou aquele poema dessa antologia coesa é querer padecer do sofrimento que o autor experimentou ao fazer a sua seleção.
É certo que sonetos como “Pantomima”, “Véspera do dia dos mortos”, “O amor de minha vida” e “Religião poética” têm-se tornado emblemáticos dentro da trajetória de Luís Antonio. Mas o seu tom é tão marcante, que, ao se ler o livro, fica a impressão de que estamos diante de um único poema.
Isso acontece porque o poeta vai cerzindo seus poemas um no outro, chegando a usar o verso final de um poema logo no início do seguinte, como numa coroa de sonetos.
Outras vezes, o título de um soneto aparece bordado no âmago de outro, como é o caso de “Na solidão do campo de narcisos”.
DIVINDADE – Luís Antonio Cajazeira Ramos é um poeta terrível, como terríveis são os anjos de Rilke. O sarcasmo que perpassa seu conjunto de sonetos é de deixar qualquer leitor espantado. Não que sua lira cause aversão, mas é que ele canta tão bem e tão profundamente a miséria humana, que nos coloca na pele do poema e, por conseguinte, da miserável condição que nos é implícita.
Ler a poesia de Cajazeira Ramos é ser o Cajazeira Ramos. Deslizar pela lama de sua métrica perfeita e sentir o cheiro da origem, uma vez que somos o barro que sonha odisséias, mas que não sai do pântano.
Luís Antonio, um demiurgo gozador, ri de tudo.
Ao contrário do que possa parecer, a sua atitude poética não é de indiferença, mas de compreensão do humano. Diante do caos que o rodeia, só pode entender o grito da criação como um “fiat breu”. E o seu clamor se estende para uma divindade – não aquela de onipotente ausência, mas a que arrasta as suas asas negras sobre nós, à maneira de um Baudelaire, quando este invoca: “Oh Satã, tu que és o rei dos anjos, tenha piedade de nossa longa miséria!” Mas estas afirmações não fazem do poeta dos temporais um cantador de aberrações e das trevas.
Pelo contrário. Luís Antonio fala, o tempo todo, do amor, da solidão, do eu e da dor. Seus poemas nada têm de lúgubres, sombrios, pesados.
A grande faceta desse poeta é dizer essas coisas claramente, atribuindo a cada verso leveza e espanto, quase tudo dentro de uma forma que elegeu (ou que o elegeu): o soneto.
Que conforto é para o apreciador de poesia se deparar com um poeta da estatura de Luís Antonio Cajazeira Ramos, que dialoga com a tradição, mas que, sobretudo, com voz própria e firme, atualiza e renova o discurso poético e inova no soneto, dando uma contribuição singular para essa forma dentro da poesia brasileira contemporânea.
Resta, então, ao leitor, experimentar a intensidade dessa poesia, caminhar “na solidão do campo de narcisos” e perceber que o seu tempo, leitor, já passou e que você nem se deu conta. Diante desse lirismo tão irônico, no entanto, não é preciso atormentar-se. A voz do poeta, que penetrou na sua ferida, agora vem e “enquanto a nuvem se exauria aflita”, “enquanto o bom pastor toca sua flauta”, “enquanto eu busco, imperfeito, a poesia”, “um novo amor convido para a dança”.
Resenha publicada no jornal A Tarde Cultural em 5 de maio de 2007, em Salvador.
Além de trazer 24 sonetos inéditos no capítulo de abertura, Mais que sempre faz uma viagem pela obra de Luís Antonio, reapresentando poemas de seus três livros anteriores, distribuídos em cinco capítulos, arrumação esta que exigiu do poeta o cumprimento da árdua tarefa de escolher.
Assim, os poemas do livro Temporal temporal (2002), vencedor do Prêmio Nacional Gregório de Matos, da Academia de Letras da Bahia, encontram-se nos capítulos “Temporal temporal” e “Lucidez insana”. Os elegidos de Como se (1999), nas seções “Estos do estio” e “Veia Vernal”. Na seção final, “Fiat breu”, estão os poemas do livro homônimo, de 1996.
Destacar este ou aquele poema dessa antologia coesa é querer padecer do sofrimento que o autor experimentou ao fazer a sua seleção.
É certo que sonetos como “Pantomima”, “Véspera do dia dos mortos”, “O amor de minha vida” e “Religião poética” têm-se tornado emblemáticos dentro da trajetória de Luís Antonio. Mas o seu tom é tão marcante, que, ao se ler o livro, fica a impressão de que estamos diante de um único poema.
Isso acontece porque o poeta vai cerzindo seus poemas um no outro, chegando a usar o verso final de um poema logo no início do seguinte, como numa coroa de sonetos.
Outras vezes, o título de um soneto aparece bordado no âmago de outro, como é o caso de “Na solidão do campo de narcisos”.
DIVINDADE – Luís Antonio Cajazeira Ramos é um poeta terrível, como terríveis são os anjos de Rilke. O sarcasmo que perpassa seu conjunto de sonetos é de deixar qualquer leitor espantado. Não que sua lira cause aversão, mas é que ele canta tão bem e tão profundamente a miséria humana, que nos coloca na pele do poema e, por conseguinte, da miserável condição que nos é implícita.
Ler a poesia de Cajazeira Ramos é ser o Cajazeira Ramos. Deslizar pela lama de sua métrica perfeita e sentir o cheiro da origem, uma vez que somos o barro que sonha odisséias, mas que não sai do pântano.
Luís Antonio, um demiurgo gozador, ri de tudo.
Ao contrário do que possa parecer, a sua atitude poética não é de indiferença, mas de compreensão do humano. Diante do caos que o rodeia, só pode entender o grito da criação como um “fiat breu”. E o seu clamor se estende para uma divindade – não aquela de onipotente ausência, mas a que arrasta as suas asas negras sobre nós, à maneira de um Baudelaire, quando este invoca: “Oh Satã, tu que és o rei dos anjos, tenha piedade de nossa longa miséria!” Mas estas afirmações não fazem do poeta dos temporais um cantador de aberrações e das trevas.
Pelo contrário. Luís Antonio fala, o tempo todo, do amor, da solidão, do eu e da dor. Seus poemas nada têm de lúgubres, sombrios, pesados.
A grande faceta desse poeta é dizer essas coisas claramente, atribuindo a cada verso leveza e espanto, quase tudo dentro de uma forma que elegeu (ou que o elegeu): o soneto.
Que conforto é para o apreciador de poesia se deparar com um poeta da estatura de Luís Antonio Cajazeira Ramos, que dialoga com a tradição, mas que, sobretudo, com voz própria e firme, atualiza e renova o discurso poético e inova no soneto, dando uma contribuição singular para essa forma dentro da poesia brasileira contemporânea.
Resta, então, ao leitor, experimentar a intensidade dessa poesia, caminhar “na solidão do campo de narcisos” e perceber que o seu tempo, leitor, já passou e que você nem se deu conta. Diante desse lirismo tão irônico, no entanto, não é preciso atormentar-se. A voz do poeta, que penetrou na sua ferida, agora vem e “enquanto a nuvem se exauria aflita”, “enquanto o bom pastor toca sua flauta”, “enquanto eu busco, imperfeito, a poesia”, “um novo amor convido para a dança”.
Resenha publicada no jornal A Tarde Cultural em 5 de maio de 2007, em Salvador.
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