domingo, 26 de junho de 2011

DOIS POETAS

Por Fernando Py

Roseiral: o mundo encarnado pela seiva das rosas escarlates, de José Inácio Vieira de Melo (São Paulo: Escrituras Editora, 2010; prefácio de Astrid Cabral e posfácio de Eliana Mara Chiossi). Roseiral é o quinto livro do poeta, alagoano radicado na Bahia. Compõe-se de 42 poemas divididos em cinco partes. Em sua poesia, o Nordeste sempre desempenhou papel fundamental, e o mesmo sucede neste livro. Porém, aqui o poeta resolve dar uma guinada em relação aos livros anteriores. O Nordeste continua a ser visto e revivido. No entanto, de maneira mais amadurecida, com todo o seu arsenal de visão telúrica e de suas vivências rurais do sertão, e ainda que mantenha a sua fidelidade às raízes primordiais da nossa terra, José Inácio mostra um erotismo desataviado, sem quaisquer disfarces. Seu erotismo está na base de sua ânsia de libertação dos padrões arcaicos da sociedade provinciana, da revolta contra preconceitos e abusos que perseguem e destroem o ser humano. Assim, em muitos poemas do livro, como “Vingança” (p. 62) e “Canibal” (p. 66) p. ex., nos defrontamos com a violência da linguagem que, de certo modo, indica uma nova atitude dentro de seu lirismo costumeiro. Por outro lado, o poeta se engrandece neste livro, com certeza o mais bem articulado em todas as suas partes e elaborado com toda a consciência da técnica do verso e da expressão da linguagem. É certo que, agora na casa dos quarenta anos, José Inácio Vieira de Melo alcança aqui o seu momento mais significativo, onde se ressaltam os poemas (sobretudos os sonetos brancos) das séries ‘A idade da pedra’ e ‘Roseiral’. Vale a pena uma leitura cuidadosa.

Verso para outro sentido, de Felipe Stefani (São Paulo: Escrituras Editora, 2010). Até agora, desconhecíamos inteiramente o poeta. Mas este livro nos chamou a atenção para o seu nome, principalmente pela inesperada floração de imagens naturalmente poéticas. É como se o poeta tratasse a sua linguagem, o seu vocabulário de modo a oferecer ao leitor um conjunto de termos de um simbolismo expressivo e vibrante (como acentua Nélson de Oliveira nas “orelhas” do volume). E esse simbolismo, se paga seu tributo a poetas como os franceses Corbière e Laforgue, ou o nosso Murilo Mendes, p. ex., nem por isso deixa de exibir notável cunho pessoal. Felipe Stefani poderá vir a ser um dos grandes poetas brasileiros dos anos 2020.

Texto publicado na Tribuna de Petrópolis, em 17 de junho de 2011

3 comentários:

Jeovah Ananias disse...

É com muita alegria que veja, a cada dia, o reconhecimento em torno de sua poesia, José Inácio. Diga-se de passagem, reconhecimento mais que merecido. Parabéns!

ANTONIO NAHUD disse...

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Ainda o sono agoniado
e o desatino de poeta
de coitos em noites de sortilégios
de urbes medievais inconquistáveis
e aventuras rosáceas

Ainda os encantos inventados
piratas, alienígenas e vampiros à espreita
o mistério da terra e da semente
o olhar dadaísta
e sustos cíclicos de menino

Ainda o mundo sem fim
o coração aos saltos
a alma líquida e insone
a dúvida lânguida
o céu e os rios, a chuva e o sol

E sobre os versos imperfeitos
o espírito inquieto
a melodia fraterna
a fauna invisível
o tempo que não volta mais

Ainda a alquimia da vida
o abraço sentido
núpcias de línguas de fogo
o desânimo de patas e focinhos
e a compaixão em um universo molusco

E nos subúrbios
na aridez do sertão
nas montanhas lá de longe
nos recantos obscuros
no fulgor das trevas:
fadigas e fragilidades
aranhas e formigas
insultos e armadilhas
a textura do amor que cega
nos cobrindo de beijos e cravos

Ainda o amor cálido se derramando
vestido de púrpura, de prata, de delicadeza
à espera do simples e do justo


ANTONIO NAHUD JÚNIOR

ANTONIO NAHUD disse...

Bacana!

O Falcão Maltês