UM CAMINHO NATURAL – BERNARDO ALMEIDA nasceu em Salvador (BA), no ano de 1981. Passou a infância em Recife, mudando-se para São Paulo na década de 1990. Em 2001, retornou à cidade natal, onde vive até o momento. É poeta, fotógrafo digital [desenvolve imagens artísticas sob o conceito da hibridez], escritor de contos, roteiros e tiras, compositor e livre pensador. Mantém o site http://www.bernardoalmeida.jor.br/, no qual expõe poesias, reflexões e imagens híbridas. Estreou em 2005 com dois livros, Achados e Perdidos/Crimes Noturnos (poesia) e Acorde Violento (contos). Participou das antologias poéticas Labirinto de espelhos (2007), Caderno Literário Impresso (2008), O Imaginário do Mar e do Navegador (2009), entre outros. Quando criança Bernardo Almeida escrevia seu nome em versos, portanto ser poeta foi um caminho natural. Vamos ver o que pensa o escritor fluido que sente a poesia como uma fratura exposta.
JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Para o poeta Schiller “a poesia é uma força divina e misteriosa, que age de maneira incompreendida”. E para você, o que é a poesia? E por que ser poeta? É algo imprescindível em sua vida?
BERNARDO ALMEIDA – Eu sinto a poesia como uma fratura exposta. É quando a pele rompe, o osso brota e o sangue jorra que enxergamos, de fato, o que há dentro de nós. É uma forma de autoconhecimento bastante impiedosa, apesar de eu não acreditar que a dor seja necessariamente a única fonte de inspiração de um poeta. É uma experiência sublime, bastante íntima, e, ao mesmo tempo, comum a todos – seja como criador, seja como leitor. No entanto, também acredito que a poesia possa ser o momento anterior a essa fratura, quando ainda não sabemos o que se esconde sob a pele e ficamos a imaginar.
Sobre ser poeta, acho que foi um caminho natural. Simplesmente, segui o fluxo e desemboquei nisso. Não consigo me enxergar apartado da poesia. Ser poeta muitas vezes incorre em baixas no campo de batalha da vida, mas isso não me intimida. Ao contrário, traz mais lenha à fogueira.
JIVM – Como a poesia chegou na sua vida? Lembra do primeiro livro de poesia que leu? E agora, qual livro está lendo? E quais são seus autores referenciais?
BA – Acredito que o meu primeiro contato com os versos aconteceu quando estava aprendendo a escrever o meu nome completo. Eu insistia em escrevê-lo versificado. Agora, livro de poesia, lembro-me de um, quando morava em Recife ainda na década de 1980, que trazia poesias de Manuel Bandeira, Drummond e Cecília Meireles. Mas, não recordo o título da obra.
No momento, estou lendo Poemas e Ensaios, de Edgard Allan Poe, Outono Transfigurado, de Georg Trakl, Ode ao Vento Oeste e Outros Poemas, de P. B. Shelley, além de alguns poemas de Nietzsche, em A Gaia Ciência. Estou terminando também a leitura de um livro do Marquês de Sade chamado “Escritos filosóficos e políticos” no qual achei uma poesia bastante interessante dele. Fora esses que citei, sempre mantenho no meu criado-mudo alguns autores, que são como companheiros de bar. No entanto, ficam ao lado da cama em forma de livro, e o máximo que chegam perto do álcool é através dos respingos da minha saliva ao ler em voz alta seus textos. São eles: Baudelaire, Bukowski, Pablo Neruda, Allen Ginsberg, Lawrence Ferlinghetti, Augusto dos Anjos, Genaro de Vasconcelos, Castro Alves, Antero de Quental... Ficam divididos em duas pilhas ao lado da cama junto com outros títulos em prosa. Tenho mania de ler vários livros ao mesmo tempo... Meus autores preferidos, para não cometer injustiças, são aqueles cujas obras ainda estão na minha biblioteca – seja física ou virtual (Rimbaud, Dylan Thomas, Maiakóvski, Leminski, Vinícius de Moraes, Walt Whitman, Fernando Pessoa, Sylvia Plath, Ediane do Monte, Leonard Cohen, Elizeu Moreira Paranaguá e mais uma galera).
JIVM – Como você analisa o cenário literário da Bahia? Principalmente de Salvador, que é a cidade em que você vive? E a população de Salvador tem conhecimento dos seus autores contemporâneos? Em caso negativo, o que poderia ser feito para que os poetas, e os escritores em geral, fossem mais lidos e, consequentemente, mais conhecidos e seus livros vendessem mais?
BA – Na Bahia, o cenário literário é bastante plural. Percebo que há muita gente escrevendo, mas não há estrutura editorial aqui. Então, boa parte do que se publica tem interferência do Estado, através dos editais. Acho importante a existência desse tipo de auxílio, mas o artista perde muito com essa vinculação, que representa um modelo bastante ultrapassado. A arte, para mim, teve um papel libertador. De acordo com esse ponto-de-vista, não compreendo como a associação de um escritor e sua obra com as estruturas governamentais de poder de uma sociedade possam contribuir para a manutenção desse caráter intrínseco à arte. Os artistas sempre estiveram do outro lado quando governos de direita e esquerda tentaram oprimir e desrespeitar ainda mais os direitos humanos.
A população de Salvador conhece pouco sobre quem são seus autores contemporâneos. De uma forma geral, para um número significativo de pessoas, tivemos apenas Castro Alves, Gregório de Matos, Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro. Talvez eu esteja exagerando. No entanto, isso não reflete o grau de interesse das pessoas daqui pela literatura, que é razoável para um País como o nosso - repleto de analfabetos.
Acredito que se os educadores tivessem mais interesse pela literatura, sobretudo pela poesia, teríamos um número maior de apreciadores. Acho também que o formato dos eventos literários precisa mudar. Infelizmente, tudo o que não tem cara de shopping center, tudo o que não envolve espetacularização, atrai menos público nos dias atuais. No final de dezembro, fui a um evento de literatura no Teatro Castro Alves que fazia dó. A platéia era composta basicamente pelos expositores.
JIVM – Qual a contribuição que as novas tecnologias trouxeram para literatura? E o livro, está com seus dias contados? Um novo suporte mais prático poderá aumentar o número de leitores?
BA – As novas tecnologias facilitaram a disseminação de obras e autores de uma maneira fantástica. É um canal de comunicação poderoso, sobretudo para escritores independentes. Quando liberei gratuitamente no meu site (www.bernardoalmeida.jor.br) dois arquivos de poesia, Achados e Perdidos e Crimes Noturnos, não imaginava que chegaria em 2010 com mais de 20 mil downloads. A internet nos tornou menos reféns de editoras. Penso que os leitores de e-books têm tudo para se popularizarem no Brasil, e isso vai espelhar o interesse dessa nova geração pela leitura. No entanto, não acredito que o livro esteja com os dias contados. Talvez, o formato livro, em alguns casos, sim. Vejo muitas pessoas baixando e-books, gratuitos ou pagos, e imprimindo eles depois. Por outro lado, eu mesmo tenho muitos e-books no computador os quais comprei, posteriormente, uma cópia em papel. Dá para conviver sem que o autor sofra com isso. Na verdade, ele só tem a ganhar porque cada formato está ligado a um tipo de público. Então, o que acontece é uma adequação para que mais pessoas possam ter acesso a obras literárias.
JIVM – E o que mais? Quais projetos? Já pensa em publicar o primeiro livro?
BA – Na verdade, eu já publiquei um primeiro livro, mas foi de maneira independente. Depois, quando vendi os exemplares em papel, distribui os arquivos gratuitamente na web. Penso em publicar outro livro em papel, sim. Ainda em 2011. O que não falta é poesia, mas vida de sagitariano não é muito ordenada – são as paixões, antes dos planos, que nos guiam.
JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Para o poeta Schiller “a poesia é uma força divina e misteriosa, que age de maneira incompreendida”. E para você, o que é a poesia? E por que ser poeta? É algo imprescindível em sua vida?
BERNARDO ALMEIDA – Eu sinto a poesia como uma fratura exposta. É quando a pele rompe, o osso brota e o sangue jorra que enxergamos, de fato, o que há dentro de nós. É uma forma de autoconhecimento bastante impiedosa, apesar de eu não acreditar que a dor seja necessariamente a única fonte de inspiração de um poeta. É uma experiência sublime, bastante íntima, e, ao mesmo tempo, comum a todos – seja como criador, seja como leitor. No entanto, também acredito que a poesia possa ser o momento anterior a essa fratura, quando ainda não sabemos o que se esconde sob a pele e ficamos a imaginar.
Sobre ser poeta, acho que foi um caminho natural. Simplesmente, segui o fluxo e desemboquei nisso. Não consigo me enxergar apartado da poesia. Ser poeta muitas vezes incorre em baixas no campo de batalha da vida, mas isso não me intimida. Ao contrário, traz mais lenha à fogueira.
JIVM – Como a poesia chegou na sua vida? Lembra do primeiro livro de poesia que leu? E agora, qual livro está lendo? E quais são seus autores referenciais?
BA – Acredito que o meu primeiro contato com os versos aconteceu quando estava aprendendo a escrever o meu nome completo. Eu insistia em escrevê-lo versificado. Agora, livro de poesia, lembro-me de um, quando morava em Recife ainda na década de 1980, que trazia poesias de Manuel Bandeira, Drummond e Cecília Meireles. Mas, não recordo o título da obra.
No momento, estou lendo Poemas e Ensaios, de Edgard Allan Poe, Outono Transfigurado, de Georg Trakl, Ode ao Vento Oeste e Outros Poemas, de P. B. Shelley, além de alguns poemas de Nietzsche, em A Gaia Ciência. Estou terminando também a leitura de um livro do Marquês de Sade chamado “Escritos filosóficos e políticos” no qual achei uma poesia bastante interessante dele. Fora esses que citei, sempre mantenho no meu criado-mudo alguns autores, que são como companheiros de bar. No entanto, ficam ao lado da cama em forma de livro, e o máximo que chegam perto do álcool é através dos respingos da minha saliva ao ler em voz alta seus textos. São eles: Baudelaire, Bukowski, Pablo Neruda, Allen Ginsberg, Lawrence Ferlinghetti, Augusto dos Anjos, Genaro de Vasconcelos, Castro Alves, Antero de Quental... Ficam divididos em duas pilhas ao lado da cama junto com outros títulos em prosa. Tenho mania de ler vários livros ao mesmo tempo... Meus autores preferidos, para não cometer injustiças, são aqueles cujas obras ainda estão na minha biblioteca – seja física ou virtual (Rimbaud, Dylan Thomas, Maiakóvski, Leminski, Vinícius de Moraes, Walt Whitman, Fernando Pessoa, Sylvia Plath, Ediane do Monte, Leonard Cohen, Elizeu Moreira Paranaguá e mais uma galera).
JIVM – Como você analisa o cenário literário da Bahia? Principalmente de Salvador, que é a cidade em que você vive? E a população de Salvador tem conhecimento dos seus autores contemporâneos? Em caso negativo, o que poderia ser feito para que os poetas, e os escritores em geral, fossem mais lidos e, consequentemente, mais conhecidos e seus livros vendessem mais?
BA – Na Bahia, o cenário literário é bastante plural. Percebo que há muita gente escrevendo, mas não há estrutura editorial aqui. Então, boa parte do que se publica tem interferência do Estado, através dos editais. Acho importante a existência desse tipo de auxílio, mas o artista perde muito com essa vinculação, que representa um modelo bastante ultrapassado. A arte, para mim, teve um papel libertador. De acordo com esse ponto-de-vista, não compreendo como a associação de um escritor e sua obra com as estruturas governamentais de poder de uma sociedade possam contribuir para a manutenção desse caráter intrínseco à arte. Os artistas sempre estiveram do outro lado quando governos de direita e esquerda tentaram oprimir e desrespeitar ainda mais os direitos humanos.
A população de Salvador conhece pouco sobre quem são seus autores contemporâneos. De uma forma geral, para um número significativo de pessoas, tivemos apenas Castro Alves, Gregório de Matos, Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro. Talvez eu esteja exagerando. No entanto, isso não reflete o grau de interesse das pessoas daqui pela literatura, que é razoável para um País como o nosso - repleto de analfabetos.
Acredito que se os educadores tivessem mais interesse pela literatura, sobretudo pela poesia, teríamos um número maior de apreciadores. Acho também que o formato dos eventos literários precisa mudar. Infelizmente, tudo o que não tem cara de shopping center, tudo o que não envolve espetacularização, atrai menos público nos dias atuais. No final de dezembro, fui a um evento de literatura no Teatro Castro Alves que fazia dó. A platéia era composta basicamente pelos expositores.
JIVM – Qual a contribuição que as novas tecnologias trouxeram para literatura? E o livro, está com seus dias contados? Um novo suporte mais prático poderá aumentar o número de leitores?
BA – As novas tecnologias facilitaram a disseminação de obras e autores de uma maneira fantástica. É um canal de comunicação poderoso, sobretudo para escritores independentes. Quando liberei gratuitamente no meu site (www.bernardoalmeida.jor.br) dois arquivos de poesia, Achados e Perdidos e Crimes Noturnos, não imaginava que chegaria em 2010 com mais de 20 mil downloads. A internet nos tornou menos reféns de editoras. Penso que os leitores de e-books têm tudo para se popularizarem no Brasil, e isso vai espelhar o interesse dessa nova geração pela leitura. No entanto, não acredito que o livro esteja com os dias contados. Talvez, o formato livro, em alguns casos, sim. Vejo muitas pessoas baixando e-books, gratuitos ou pagos, e imprimindo eles depois. Por outro lado, eu mesmo tenho muitos e-books no computador os quais comprei, posteriormente, uma cópia em papel. Dá para conviver sem que o autor sofra com isso. Na verdade, ele só tem a ganhar porque cada formato está ligado a um tipo de público. Então, o que acontece é uma adequação para que mais pessoas possam ter acesso a obras literárias.
JIVM – E o que mais? Quais projetos? Já pensa em publicar o primeiro livro?
BA – Na verdade, eu já publiquei um primeiro livro, mas foi de maneira independente. Depois, quando vendi os exemplares em papel, distribui os arquivos gratuitamente na web. Penso em publicar outro livro em papel, sim. Ainda em 2011. O que não falta é poesia, mas vida de sagitariano não é muito ordenada – são as paixões, antes dos planos, que nos guiam.
9 comentários:
Bernardo, penso parecido com você quando diz “quando a pele rompe, o osso brota e o sangue jorra que enxergamos, de fato, o que há dentro de nós”. Acho que a poesia é algo bem por aí, como uma psicorragia, ou algo parecido. Aliás, o teu poema DE TODOS OS DECANOS INSANOS E PROFANOS se parece muito com o que chamo de psicorragia, que será título de um poema meu. Bem vindo ao grupo.
Visitei o site. Confesso que em alguns casos daria outros títulos às imagens. Mas quase todas elas me impressionaram muito. Ótimo trabalho essa sua Hibridez Digital. Parabéns.
Bernardo, bem-vindo ao Sangue Novo. Gostei muito da tua entrevista e da imagem da poesia como uma fratura exposta. Fiz uma visita ao teu site e gostei muito também. Um abraço.
seja bem vindo bernardo! acabo de te enviar um e-mail também sobre o blog. abraço!
Olá Bernardo, bem-vindo ao Sangue.
Boa entrevista, bela poesia!
Parabéns também pelo site, muito legal.
Abraço.
Nos conhecemos na Praça do Cordel e da Poesia, bom poeta.
Boa análise sobre os editais na Bahia, não havia pensado por esse lado ainda: não temos, um governo neutro.
Vem vindo ao SN.
Abraço
bem bacana o blog. parabéns
Eu lembro de tu, em Pernambuco... teu amigo do Marista que me mandou o link... pô... "Ciranda de Maluco, aqui em Pernambuco é bom demais. A gente aperta, acende, acocha a nega a noite inteira" (Otto). A cena de literatura e rock por aqui está interessante. Apareça que serás bem-vindo!
Oi Bernardo!
Um velho amigo tentando te contactar. Muito bacana os seus poemas.
Ricardo
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