segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

A ÍTACA DO SERTÃO E O DEMIURGO ENCOURADO

Por Vitor Nascimento Sá

            Foto: Ricardo Prado
Vitor Nascimento Sá
A poesia de José Inácio Vieira de Melo não se estabelece no convencimento racional nem nas prerrogativas de cunho moral, mas na percepção do maravilhoso que é produzido como êxtase e fulguração, descoberta e alumbramento. É bom que se diga, leitor: há de se deparar com uma poética que não se explica, é sentida; não se incomoda com a retórica engajada, com o politicamente correto ou, como diria Francisco Carvalho, “não se preocupa com tuas veleidades sociais”. É uma lírica voltada para si mesma, para o poeta e sua linguagem – “Homero tinha um cavalo/ (...) e escreveu com sangue e verbo/ os salmos da sua história/ cujos ritos e sacrifícios/ se repetem em mim, agora” –, para o poeta e sua reminiscência – “entre as águas da memória/ corredor por onde passam boiadas” – e, sobretudo, para o poeta e sua terra, “chã que se abre ao cavaleiro deslumbrado”, como uma mãe num parto inverso e cíclico reinserindo o filho em seu próprio útero. 
Num inequívoco diálogo com Gerardo Mello Mourão (Suíte do Couro), JIVM transmuta-se num centauro (ou, melhor dizendo, avigora essa conversão já presente nas obras anteriores), consolidando a união entre o vaqueiro e seu cavalo com a indumentária comum do couro, a vestimenta – “chapéu de couro, perneira e gibão” – que mescla a natureza dos dois seres num semideus, num re-criador de seu próprio universo. Mas, diferentemente do deus cristão, esse ser mitológico não molda o mundo com água, terra, barro. Constrói-o com o coice primordial com a “energia dos vastos verdes/ para os cascos velozes do centauro”, com sua “chibata de vergalhão de touro”; com as pedras e suas artes de ser “o silêncio que cresce (...) a fortaleza que derruba o gigante (...) o trono do rei e o pódio da cabra”; com as brasas da fogueira sempre em frente à casa da roça, “clareando/ a passagem dos vultos dos vaqueiros/ amontados nos ventos e aboiando”; e, principalmente, com o próprio couro que o compõe: “nas peles dos bois e dos carneiros/ os cantos do cego que inaugurou/ os sertões ocidentais”. 
Paradoxalmente apolíneo (“Versos Carmesins”) e dionisíaco (“Templo”), o poeta das algarobeiras e do Roseiral, o cavalo-homem, partindo agora do couro, matéria de que forjou a si mesmo, recria o espírito, a memória, a língua, a casa, o país, a Terra, a pele morena do adolescente que foi e seu reino particular, seu paraíso, sua Troia e Ítaca: a Fazenda Pedra Só.


Vitor Nascimento Sá é poeta, gestor escolar, revisor e professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. É diretor e cofundador da Associação Grupo Concriz: Poetas, Recitadores e Afins. Participa da antologia Sangue Novo: 21 poetas baianos do século XXI (2011). Escapulário, seu livro de estreia, encontra-se no prelo.

Um comentário:

Ivana Karoline disse...

Parabéns pelo livro, Inácio. É mais um trabalho seu que me encanto!

Abraços!