Fotógrafo: Ricardo Prado
Eis o evidente: da queda
olha-se para cima, e da montanha olha-se para baixo. E a poesia é um assunto de
olhar para as palavras de um outro monte e depois de uma outra forma de cair.
Há, em particular na poesia de José Inácio Vieira de Melo, esta obrigação do
movimento do pescoço, que ora olha para o chão, ora olha para o céu.
No poema “Vozes secas” –
e é só um exemplo – a linguagem olha para cima, para o céu, para as nuvens: “A seca bebeu todas as águas, a sede é
grande./ A seca tomou conta de tudo.// O pão da minha terra está nas nuvens./ E
eu tenho medo – o meu boi morreu.”
A solução para a seca
vem de cima, tal como a solução para certos poemas. “Seguraste
o Sol nas costas” escreve JIVM num outro poema. Não há melhor forma de não
deixar cair o sol no chão.
Porém, outras vezes é o
chão e a forma como este suporta quem está a crescer que acode aos versos. Como
no poema “Os meninos”: “Ainda bem que têm
esses meninos sorrindo, / andando de bicicleta e reinventando a mitologia”.
E aqui temos a forte
síntese: andar de bicicleta reinventando
mitologias – eis o solo firme e a imaginação – uma das características
essenciais desta Pedra Só de José Inácio Vieira de Melo.
Gonçalo
M. Tavares é um escritor português nascido em Luanda, 1970. Considerado um dos
mais importantes da sua geração. Autor do romance Jerusalém (2004) e da epopeia
Uma viagem à Índia (2010), dentre vários outros.
5 comentários:
Lindo poeta lindo! Privilégio grande poder sentir o solo firme de teus versos, tão plenos de imaginação. Parabéns!
Mitologia do humano e seu labirinto, em busca de rotas de saídas pela poesia.Viva a poesia, e o poeta José Inácio Vieira de Melo!
Saliento a opinião de Gonçalo M. Tavares: a sua poesia tem em conta o solo firme e a imaginação.
Um pé na terra, outro no céu!
Muito legal! Dá para imaginar as cenas teatrais de olhar para cima, olhar para o solo. Quase que expressa tudo, como pedidos de soluções; um ofertar de oração, uma indignação; de mesmo intento é pedir clemência para si próprio, é um rogo ao deus sol, é tornar-se cabisbaixo, tentar interpretar o chão, dizer a ele: não rache, não gretes buracos que me venha buscar.
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