quarta-feira, 5 de setembro de 2012

SOLO FIRME E IMAGINAÇÃO

Por Gonçalo M. Tavares

Fotógrafo: Ricardo Prado


Eis o evidente: da queda olha-se para cima, e da montanha olha-se para baixo. E a poesia é um assunto de olhar para as palavras de um outro monte e depois de uma outra forma de cair. Há, em particular na poesia de José Inácio Vieira de Melo, esta obrigação do movimento do pescoço, que ora olha para o chão, ora olha para o céu.
No poema “Vozes secas” – e é só um exemplo – a linguagem olha para cima, para o céu, para as nuvens: “A seca bebeu todas as águas, a sede é grande./ A seca tomou conta de tudo.// O pão da minha terra está nas nuvens./ E eu tenho medo – o meu boi morreu.”
A solução para a seca vem de cima, tal como a solução para certos poemas.  “Seguraste o Sol nas costas” escreve JIVM num outro poema. Não há melhor forma de não deixar cair o sol no chão.
Porém, outras vezes é o chão e a forma como este suporta quem está a crescer que acode aos versos. Como no poema “Os meninos”: “Ainda bem que têm esses meninos sorrindo, / andando de bicicleta e reinventando a mitologia”.
E aqui temos a forte síntese: andar de bicicleta reinventando mitologias – eis o solo firme e a imaginação – uma das características essenciais desta Pedra Só de José Inácio Vieira de Melo.

Gonçalo M. Tavares é um escritor português nascido em Luanda, 1970. Considerado um dos mais importantes da sua geração. Autor do romance Jerusalém (2004) e da epopeia Uma viagem à Índia (2010), dentre vários outros.

5 comentários:

Martha disse...

Lindo poeta lindo! Privilégio grande poder sentir o solo firme de teus versos, tão plenos de imaginação. Parabéns!

Maria Vilani Madeiro disse...

Mitologia do humano e seu labirinto, em busca de rotas de saídas pela poesia.Viva a poesia, e o poeta José Inácio Vieira de Melo!

Maria Teresa Mota disse...

Saliento a opinião de Gonçalo M. Tavares: a sua poesia tem em conta o solo firme e a imaginação.

Marília Lopes disse...

Um pé na terra, outro no céu!

José Vitor Lemes disse...

Muito legal! Dá para imaginar as cenas teatrais de olhar para cima, olhar para o solo. Quase que expressa tudo, como pedidos de soluções; um ofertar de oração, uma indignação; de mesmo intento é pedir clemência para si próprio, é um rogo ao deus sol, é tornar-se cabisbaixo, tentar interpretar o chão, dizer a ele: não rache, não gretes buracos que me venha buscar.