José Inácio Vieira de Melo
Aparentemente marcada por um discurso filosófico disparatado, a poesia de Elizeu Moreira Paranaguá é uma das mais peculiares do cenário poético contemporâneo da Bahia.
A impressão que se instaura ao começar a leitura de O Fogo do Invisível (Salvador: Selo Letras da Bahia, 2006) é de desordenamento. Isso se dá, talvez, por conta do uso incessante de anáfora, figura de linguagem da repetição, no percurso de todo o livro, a exemplo do poema de abertura “A forma da unidade”: "Somos nós a sombra/ da Unidade para a Unidade/ de todas as coisas/ e de todos os sentidos/ como todas as coisas/ e todos os sentidos/ não têm forma nem peso,/ como todas as coisas/ e todos os sentidos/ têm algo que se dá nome,/ como todas as coisas/ têm princípio e fim (...)".
Em um poema que afirma que "todas as coisas/ e todos os sentidos/ não têm forma nem peso", o desenvolvimento não poderia ser de outra maneira, se não um jogo que provocasse uma desconexão. Assim, a aparente desordem já começa a se justificar, e é essa desordem que confere uma aura à poética de Paranaguá, pois, na verdade, é regida por uma ordem tão fora do eixo do ordinário que conduz o leitor para uma esfera de estranhamento, criando um clima de descoberta, uma vez que pisando em sendas desconhecidas: "Eu sempre fico/ nu para Deus,/ mas ele nunca/ ficou nu para/ o sentido terrível/ do meu ser".
O poder imagético sugerido por seus versos faz com que o leitor esqueça as repetições, que logo são transmudadas em ritmo e conferem andamento às partituras líricas do bardo de Curralinho, plagas onde nasceu também Castro Alves, o poeta da liberdade. O Fogo do Invisível nasce da energia das pedras. Paranaguá, tal qual um deus, bate as pedras do caos e acende as faíscas do fogo do invisível e convida o leitor a fazer parte da fogueira dos tempos. Mas, para isso, é preciso desarmar-se dos conceitos e preconceitos para arder na linguagem pura que Paranaguá oferece: "Chegar à luz/ cega de Deus".
Como bem observa Foed Castro Chamma, poeta paranaense de Pedra da transmutação, Elizeu Moreira Paranaguá é o Ladrão do Fogo. Ele extrai o fogo das pedras – gado que cria em seu lajedo poético – e, à maneira de Prometeu, compartilha as chamas da criação com seus semelhantes.
Em Os passos em volta, livro de prosa do poeta português Herberto Helder, está presente a seguinte afirmação: "O amor e o desespero e a desordem – isso é a nossa parte do jogo". Essa assertiva define bem o processo de criação de Elizeu, porque o que fica na superfície da sua proposta estética é uma enorme força intuitiva a expressar o desespero: "Desejo violento/ vontade sangrenta/ de abraçar/ e colorir/ as asas/ da borboleta".
Ao aproximar-se do final do livro, o sentimento inicial de estranheza diante da desordenação ainda se faz presente. E é esse porte esquisito que dá consistência à linguagem de Paranaguá, pois é a ‘desordem’ que nos arrebata e nos conduz para algo extra-ordinário, para algo que está para além da ordem do dia.
Agora, ao fim desse concerto de experimentações vivenciadas pelo poeta, as impressões não perdem o tom, mas adquirem outros coloridos, e a sensação é de estar-se a freqüentar um novo sentimento que transcende a razão e que, por isso, não há como explicá-lo, nem mesmo através da metafísica, pois "Não há metafísica/ para quem guarda pedras/ a espantar o mundo". O curioso é que Elizeu Moreira Paranaguá busca os fundamentos para a sua poética na razão, no discurso filosófico, seara que tenta entender tudo e tudo explicar.
Mas o que acontece, efetivamente, em sua poesia, é um mergulho nos abismos do delírio. Paranaguá é, sem sombra de dúvidas, o Quixote baiano: o Conde dos Lajedos, que vive a bater pedra contra pedra, a extrair o fogo sagrado da poesia.
Resenha sobre o livro O Fogo do Invisível, publicada no site Cronopios em 9 de dezembro de 2008
Aparentemente marcada por um discurso filosófico disparatado, a poesia de Elizeu Moreira Paranaguá é uma das mais peculiares do cenário poético contemporâneo da Bahia.
A impressão que se instaura ao começar a leitura de O Fogo do Invisível (Salvador: Selo Letras da Bahia, 2006) é de desordenamento. Isso se dá, talvez, por conta do uso incessante de anáfora, figura de linguagem da repetição, no percurso de todo o livro, a exemplo do poema de abertura “A forma da unidade”: "Somos nós a sombra/ da Unidade para a Unidade/ de todas as coisas/ e de todos os sentidos/ como todas as coisas/ e todos os sentidos/ não têm forma nem peso,/ como todas as coisas/ e todos os sentidos/ têm algo que se dá nome,/ como todas as coisas/ têm princípio e fim (...)".
Em um poema que afirma que "todas as coisas/ e todos os sentidos/ não têm forma nem peso", o desenvolvimento não poderia ser de outra maneira, se não um jogo que provocasse uma desconexão. Assim, a aparente desordem já começa a se justificar, e é essa desordem que confere uma aura à poética de Paranaguá, pois, na verdade, é regida por uma ordem tão fora do eixo do ordinário que conduz o leitor para uma esfera de estranhamento, criando um clima de descoberta, uma vez que pisando em sendas desconhecidas: "Eu sempre fico/ nu para Deus,/ mas ele nunca/ ficou nu para/ o sentido terrível/ do meu ser".
O poder imagético sugerido por seus versos faz com que o leitor esqueça as repetições, que logo são transmudadas em ritmo e conferem andamento às partituras líricas do bardo de Curralinho, plagas onde nasceu também Castro Alves, o poeta da liberdade. O Fogo do Invisível nasce da energia das pedras. Paranaguá, tal qual um deus, bate as pedras do caos e acende as faíscas do fogo do invisível e convida o leitor a fazer parte da fogueira dos tempos. Mas, para isso, é preciso desarmar-se dos conceitos e preconceitos para arder na linguagem pura que Paranaguá oferece: "Chegar à luz/ cega de Deus".
Como bem observa Foed Castro Chamma, poeta paranaense de Pedra da transmutação, Elizeu Moreira Paranaguá é o Ladrão do Fogo. Ele extrai o fogo das pedras – gado que cria em seu lajedo poético – e, à maneira de Prometeu, compartilha as chamas da criação com seus semelhantes.
Em Os passos em volta, livro de prosa do poeta português Herberto Helder, está presente a seguinte afirmação: "O amor e o desespero e a desordem – isso é a nossa parte do jogo". Essa assertiva define bem o processo de criação de Elizeu, porque o que fica na superfície da sua proposta estética é uma enorme força intuitiva a expressar o desespero: "Desejo violento/ vontade sangrenta/ de abraçar/ e colorir/ as asas/ da borboleta".
Ao aproximar-se do final do livro, o sentimento inicial de estranheza diante da desordenação ainda se faz presente. E é esse porte esquisito que dá consistência à linguagem de Paranaguá, pois é a ‘desordem’ que nos arrebata e nos conduz para algo extra-ordinário, para algo que está para além da ordem do dia.
Agora, ao fim desse concerto de experimentações vivenciadas pelo poeta, as impressões não perdem o tom, mas adquirem outros coloridos, e a sensação é de estar-se a freqüentar um novo sentimento que transcende a razão e que, por isso, não há como explicá-lo, nem mesmo através da metafísica, pois "Não há metafísica/ para quem guarda pedras/ a espantar o mundo". O curioso é que Elizeu Moreira Paranaguá busca os fundamentos para a sua poética na razão, no discurso filosófico, seara que tenta entender tudo e tudo explicar.
Mas o que acontece, efetivamente, em sua poesia, é um mergulho nos abismos do delírio. Paranaguá é, sem sombra de dúvidas, o Quixote baiano: o Conde dos Lajedos, que vive a bater pedra contra pedra, a extrair o fogo sagrado da poesia.
Resenha sobre o livro O Fogo do Invisível, publicada no site Cronopios em 9 de dezembro de 2008
Um comentário:
O seu poema "Eu queria ser Elizeu Moreira Paranaguá" e este "Fogo sagrado da poesia" deixaram-me com muita vontade de conhecer "O Fogo do Invísel".
Postar um comentário