
O DIVERSITAL DE GIBRAN SOUSA – Para GIBRAN SOUSA, o concretismo foi a maior invenção brasileira do século XX. E é com entusiasmo que ele fala dos seus expoentes e da influência que exercem em sua produção. Gibran, intitula-se um artista vário, apesar de ser conhecido como poeta. Gibran é firme em seus propósitos e criou uma maneira de fazer recitais que ele chama de Diversital, que consiste em performances poéticas nas quais ele aparece acompanhado de outros artistas das mais diversas linguagens. Gibran Sousa Evangelista é baiano, nascido em 1983. Formou-se em Farmácia pela UFBA, estuda Letras na UNEB, e abandonou Direito na UniJorge. Vamos conhecer um pouco desse jovem poeta que “Prefere o palco ao eterno, assim como o instante à estante”.
JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Como descobriu a poesia? E por que ser poeta?
GIBRAN SOUSA – Escrevo por que as mulheres existem. Todo o resto é somente uma resultante dessa existência, uma digressão anunciada. Através delas eu descobri a poesia me descobrindo. Pois enquanto sempre – e desde ainda – eu li compulsivamente. De modo a passar intermináveis períodos em bibliotecas e outros locais disseminantes de doenças respiratórias. Onde invariavelmente, pelo meu interesse na palavra, eu mirava as pernas - fingindo as páginas - nos rodapés da minha retina, retinta.
Naquela altura, numa dessas milhares-mulheres-páginas, li: Ezra Pound. E toda a poesia que eu supunha então existir: desistiu; deusistiu. Fiquei preocupadamente impressionado com aquilo, naquele. Pound niilizou todo o meu entendimento de poesia. Seu Vorticismo me apontou para Hulme, Yeats, e, sobretudo Joyce. Ele tornou-se - contraditoriamente - meu herói e minha heroína; meu porto seguro e meu portu-guês. Seus Cantos já preconizavam profeticamente os nossos Campos. E assim – depois dele: depois de tanto tudo: mudo - só me cabia acender a TV, vestir um par de chuteiras, ou mesmo fazer coisas sem nenhuma importância, como viver.
JIVM – você dialoga com a poesia visual? Artistas como Arnaldo Antunes parecem exercer uma forte influência em sua criação? Se eu estiver certo, fale como se deu essa aproximação e o que o fascina nessa maneira de se conceber a poesia?
GS – A meu ver toda poesia é visual, pois toda e qualquer e cada poesia é composta por signos, ideogramas, caracteres, loci-rupestres, imagens-origens, e (/ou) outros. Ou seja, representações multimídias e transmídias de foco-visagem.
Eu dialogo mnemônica e afetivamente com a poesia sonora, apesar de discordar criteriosamente dessa nomenclatura depreciativa. No entanto, utilizo sobremaneira elementos da poesia concreta, assim como da poesia impressionista e imagista.
O Arnaldo exerce pouca influência em minha criação. E isso não é bom, muito menos o contrário, nem chega a ser ruim. Quis sua influência, mas ela não me kiss. Desde então percebo em sua poesia um viés pelo qual a minha também pretende se lançar, porém, por v(e)ias dissonantes. Deixa eu me fazer entender: O concretismo concebe a estrutura-partícula-célula-poema mais comunicável da palavra. Pela síntese, lógica e caráter holístico proporcionado (desculpem-me os poetas tradicionais, subjetivos e cristãos). Entretanto, essa mesma poesia que veio se construindo da década de cinquenta pra já, é extremamente segmentária, ensimesmada e cabotina, apesar de imensamente midiática. Tanto que existem – inclusive - poetas se esforçando para entendê-la, sem, no entanto atingir o famigerado nirvana concreto. Basta assistir a um recital do Augusto de Campos, por exemplo - um dos poetas a quem mais admiro – e pode-se perceber que muitíssimos por cento do público compreendeu pouquíssimo da apresentação. E isso é fato (desculpem-me os poetas concretos, objetivos e pagãos). No entanto, aqueles que compreendem o seu rizoma-trânsito-mórfico ficam num alumbramento inefável. E onde eu caibo nisso? Na comunicabilidade. That is the answer. O Arnaldo faz – e eu também (suponho) - com que a estética da poesia mais comunicável do mundo, seja realmente, comunicável. Tornando a poesia concreta + AXÉssível.
JIVM – O que representa a poesia concreta par você? E a poesia contemporânea da Bahia, desperta a sua atenção? Autores como Florisvaldo Mattos, Myriam Fraga, Ruy Espinheira Filho e Luís Antonio Cajazeira Ramos lhe causam interesse?
GS – A poesia concreta - junto com a velha bossa nova - foi a maior invenção brasileira do século vinte. Ela está em toda a cultura de propaganda desse nosso planeta-vício, desde o craque até o crack. Suas ferramentas, inferências e aplicações recodificaram todo o universo midiático: TV, rádio, internet, fanzine, bula, bunda, HQ, batina, tatuagem etc. Porém, apenas a imensa minoria das pessoas entende de fato essa poesia e suas implicações, embora cientes (creio) dos seus artifícios utilizados no marketing, cinema, artes plásticas, mal como na música. Mas o que a pequena maioria não sabe, é que essa poesia – ainda tão jovem e fotogênica - tem parentes senis, em preto e branco, como o E. E. Cummings e o Mallarmé.
Existem alguns poetas fazendo coisas interessantes na Bahia, são pouquíssimos, mas existem. Principalmente no que tange à poesia performática e à poesia dramática. Existem também bons escritores, e eu acompanho seus poemas com curiosidade e atenção, nas bocas, books e blogs. No entanto, num corte quantitativo, grande parte dos nossos poetas somente alimenta o tempo.
Eu conheço as obras dos autores Florisvaldo Mattos, Myriam Fraga, Luís Antonio Cajazeira Ramos, e principalmente do Ruy Espinheira Filho, pois assim como você eu também não acredito em poeta que não lê poesia, sobretudo poesia contemporânea. Mas o interesse que tenho por eles está na mesma medida do interesse que eles têm por mim.
JIVM – Quais os livros de poesia que mais lhe fascinaram e quais seus poetas preferidos? E por quê?
GS – Os livros de poesia que + me fascinaram (e também me “faxinaram”) foram: Alcools – Apollinaire, The house of fame – Geoffrey Chaucer, Poemóbiles - Augusto de Campos, Algaravias - Waly Salomão, Cantos - Ezra Pound, Memórias Inventadas – Barros, Pedra do Sono – João Cabral, Òboe sommerso – Salvatore Quasimodo, entre outros.
Meus poetas preferidos são John Donne, Amy Lowell, Paul Valéry, Cummings, Mautner, F. S. Flint, Percy Shelley e Keats. Todos eles tiveram, têm e terão em mim uma coisa delicadamente comum: o interesse pelo novo. O não deixar se convencer pelas estruturas. Pois sou eutanasiamente atraído pelo risco estético. E é justamente isso que procuro a cada poema. Corromper silêncios, pausas, sons, sotaques, dicções, concatenações, perspectivas, imagens, timbres, intenções, sugestões, expressões, incorrespondências, texturas, delays, medos, verdades e demônios.
Não sou, entretanto, um tolo defensor de vanguardas ou hermetismos separatistas, pois sei desde Patativa e Schiller que essa compreensão de esquinas é necessária para a construção do novo de novo, pela tradição vigente. Até por que a tradição é isso: tudo aquilo o que nos espera; A invenção; É o “de onde vimos” e o “para onde vamos”. E toda a vanguarda é apenas o trans, a transa, o trânsito...
JIVM – Você tem um grupo que se apresenta fazendo performance poética, fale como é a sua movimentação e de seu grupo. E mais, algum livro para publicar? Algum projeto em via de realização? E o que mais?
GS – Criei um conceito estético chamado Diversital, que também é o nome do recital e do grupo. Mas não é um grupo, especificamente. Pois esse recital tende a acontecer com pessoas diferentes, exceto por mim. Explico: não existem componentes fixos. De modo que posso trabalhar com quem tenho vontade, sem obrigações. E através desse esteio ou suporte (sem suporte) pude trabalhar a palavra com inúmeras representações, tais como: teatro, cinema, fotografia e dança. Dessa forma realizei recitais com o músico Barná Cardoso, com a artista plástica Leilane Cedraz, com o cantor e escritor Jorge Mautner, com o grupo de teatro a Trupe dos Trupícios, com o sapateador Wilson Tavares, com a museóloga Mona Ribeiro, com o diretor Railson Oliveira, com o baixista Clécio Terêncio entre outros.
Tenho cinco livros escritos, nenhum publicado. Na verdade eu nunca fiz um esforço para que isso acontecesse, já houve até tentativa de acordo, ou lançamento em cooperativa, ou ainda uma proposta de uma pequena editora local, mas nunca me interessei suficientemente. Porém, pretendo e vou publicá-los Acredito que um verso meu resume bem a questão: “Prefiro o palco ao eterno, assim como instante à estante”. Mas sempre gostei mesmo foi de luz, de gente, de microfone. Gostei tanto que ainda gosto. E gosto de gostar. Gosto da vaia, do salto, e também gosto do chão. Gosto de você que me lê agora. Mas gosto mesmo é do não!