Hoje, o cantor e compositor cearense Raimundo Fagner completa 60 anos. O Fagner trouxe a poesia para a minha vida. Isso já faz tempo, em 1980, quando eu tinha apenas 12 anos. Estava acampando em um lugar chamado Serra das Mãos, em Alagoas. Era um mês de dezembro, eu tomava chá a beira de uma fogueira com mais uns quatro amigos. De repente, o mais velho do grupo, que devia ter uns 18 anos, ligou um radinho, sintonizou-o na rádio Novo Nordeste, de Arapiraca, e a voz argêntea do Fagner bailou nos ares agrestes, entoando um poema do Patativa do Assaré, depois cantou uma canção de John Lennon, depois uma do Zé Ramalho. Fui envolvido de tal maneira, que um novo mundo se descortinava para mim. O canto do Raimundo despertava em mim o sentido da poesia. Melhor dizendo, despertava todos os meus sentidos para a poesia.
Agradeço-lhe, profundamente, por tudo isso. Por sua música ter marcado minha adolescência e por se fazer presente até os dias de hoje, cantando versos de Cecília Meireles, Patativa do Assaré, Ferreira Gullar, Florbela Espanca, Federico Garcia Lorca, Rafael Alberti, Antonio Brandão, Mário de Andrade, Francisco Carvalho e tantos outros.
Presto minha homenagem com um poema de meu segundo livro, Decifração de abismos (2002), que é dedicado ao Fagner. O poema chama-se Saudação e foi escolhido por Marco Lucchesi para a antologia Roteiro da Poesia Brasileira – Anos 2000, recém-lançada pela editora Global. Para o Fagner, os meus parabéns!
JIVM
SAUDAÇÃO
Para Raimundo Fagner
Cândido, o tempo não alisa,
os sulcos são deixados por seu arado.
No meu solo já senti o sabor da lavoura,
sabor que, por vezes, é dissabor.
Uma coisa é certa, Cândido, a poesia é salvação.
Tu foste o pastor do cântico do despertar,
foste o muezim que, do alto da mesquita,
anunciou a graça maior da poesia.
Imagine, Cândido, este poeta dos Sertões
só percebeu o escancarar da boca da estrada,
nos caminhos, da Estrada de Santana,
escancarados de tua boca.
Cândido, tange a tua voz,
sem delírio, viver não vale a pena.
Ah Cândido, pássaro extravagante,
berra o epigrama da minha adolescência:
“O vento voa,
a noite toda se atordoa,
a folha cai.”
JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO
8 comentários:
Toda vez que ouço (leio) essa sua história, viajo nesse tempo que se repete na tua memória toda vez que tu escreves. Eu sempre gostei de Fagner (também desde a minha adolescência) e também muito devo a ele. Que bom que ele viveu até aqui. Bom será se ele completar 70, 80, 90, 100...
BElo poema e Fagner isnpira. Sua música fende a cortina e deixa escapar a criatividade.Boa Inácio!!!
Amigo Inácio,
Acho que eu era um desses quatro amigos.
Grande lembrança,
Saudade
Que beleza de poema. Me matou de inveja, xará.
Zé Nêumanne
Poxa Zé, vc. foi o Fagner e eu fui o Chico ( Carolina ).
Belo poema !, o primeiro verso é
extrordinário.
Grato, muito grato por aquele domingo,
Abraços em todos
Damário Dacruz
Oh Zé, que belissima saudação para Fagner. Gosto em especial de escutá-lo cantando Deslizes, o sentimento que ele coloca toca profundamente minha sensibilidade, me comove a mil. Parabéns, querido amigo. Beijo. Gláucia.
Poeta do fogo!
Esta homenagem é balaaaaaaaaaaaaaaa! Lindo poema.
saudades
bjs
LITA PASSOS
Vitor, Eu estou sempre a falar do Fagner, Porque, realmente ele foi fundamental para a descoberta do poeta que sou. Inclusive, meu novo livro, Roseiral, é dedicado a ele.
Também acho, Georgio, o Fagner, com sua força, é inspirador.
Portinho, você, meu querido amigo, era um dos quatro amigos, lá na Serra das Mãos, em 1980. Saudades!
Zé Nêumanne, grande poeta, obrigado por ter ligado para o Fagner falando do poema. Eu também conversei com ele no dia 13.
Damário, vc viajava com a Carolina do Chico, eu ia embora com a Madalena do Fagner e do Dylan. Aquele domingo foi memorável. Teremos outros.
Gláucia, também sou tocado profundamente pelo sentimento que perpassa nas interpretações do Raimundo.
Lita, grato por sua presença morena.
A todos, o meu carinho.
JIVM
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