sábado, 22 de março de 2014

O MARCO DA TERRA: PEDRA SÓ

Por Luciano Maia


O nome do poeta José Inácio Vieira de Melo e seus versos haviam chegado aos meus ouvidos pelo prestigioso testemunho de Francisco Carvalho, sem causar, àquele então (eram os anos 2000), o impacto que me causa agora a leitura do seu livro Pedra Só (São Paulo: Escrituras, 2012). Percorrendo os versos desse livro, que se reparte em vários segmentos (Pedra Só, Aboio Livre, Toada do Tempo, Partituras e Parábolas), tem-se logo a certeza de estarmos diante de um poeta totalmente desvinculado de qualquer modismo. Os seus versos se constroem a partir de uma consciência de pertinência: a de ser de sua terra, nutrindo o ideal de cantá-la, sem as pretensões neuróticas de supor que o universal tem obrigatoriamente que ser urbano! Essa tendência, que alcançou o seu paroxismo com a enxurrada do verso livre (de quê?), terminou por expulsar (ou espantar) os leitores de poesia. Hoje, esses poetas pseudo-contemporâneos e pseudo-modernos escrevem para eles mesmos. Não têm leitores.

Voltando a José Inácio: “Canto de peito ao vento, / um boi de campina anda comigo”. Estes versos não resumem, evidentemente, a vasta apreensão que ele tem do mundo, aliás, realmente muito larga, mas nos indica, já na abertura do seu livro Pedra Só, ser ele, como já foi mencionado, um testemunho de sua terra e, por extensão, do seu tempo. A sua escritura flui como um regato sobre os seixos na quadra invernosa do sertão nordestino.

A rima não é constante em José Inácio, mas em alguns poemas pode-se garimpá-la, como em “Noite Sertaneja”: “Em frente à minha casa sempre tem / uma fogueira acesa, clareando / a passagem dos vultos dos vaqueiros / amontados nos ventos e aboiando”. Há, creio que de forma indisfarçada, uma nítida influência (mais temática do que de estilo) de Gerardo Mello Mourão nos poemas deste livro. A poesia desse poeta alagoano, que vive em Jequié (BA), é vazada de metáforas sonoras e vibrantes, como em Gerardo. Veja-se no poema XXIV:  “As algarobeiras contam histórias / do silêncio nos ombros da noite. / A lua é uma formosura de égua baia”. Ou em “Aboio Livre”: “Meu avô, zelai por mim, / que sempre persegui desertos, / tangendo louvores ao Sertão”.

Mas, advirta-se: assim como em Gerardo, que canta a sua aldeia de forma universal (Lev Tolstoi), José Inácio convoca os testemunhos poéticos de distantes geografias e paisagens musicais, como no poema “Beethoven”: “Depois, abre a porta dos sonhos / e toca a Nona Sinfonia”. Ou em “Cantiga para Leonardo”, onde invoca nomes ancestrais do universo lendário, artístico e literário: Rômulo e Remo, Michelangelo e até Cecília Meireles. Não falta em Pedra Só, um poema para Bob Dylan: “Jokerman”, um poema patético, em que o poeta expressa a dor do mundo, o abandono em que se perdem os idealistas ou os visionários.

Tudo isso, repita-se: abrindo uma picada rumo ao épico-lírico, como nos ensinou Gerardo Mello Mourão. Com os olhos nas distantes constelações e os pés no marco da terra. 


Luciano Maia é poeta, tradutor e professor. Membro da Academia Cearense de Letras. Autor de Jaguaribe - memória das águas (1982), Praia formosa (1992), Vitral com Pássaros (2002), As cidades míticas (2013), dentre outros.

Artigo publicado no jornal Diário do Nordeste, em Fortaleza, em 16 de fevereiro de 2014.

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