Por Antonio Nahud Júnior
JIVM: "Não faço poesia quando quero, a Poesia é que determina o momento da sua gênese. Sou um servo da Poesia". |
"O delírio sou eu que sinto"
Poeta alagoano lança versos autobiográficos
A
Escrituras Editora, de São Paulo, publicou, recentemente, Pedra Só, o novo
livro do poeta alagoano da Bahia José Inácio Vieira de Melo, que foi lançado em 1º de julho em Natal, capital potiguar, em noite concorrida na Academia Norte-rio-grandense
de Letras (ANL), junto ao Livro das Revelações – Matizes do Afeto – O
Pensamento Vivo de Escritores, trabalho coordenado pelo escritor Diogenes da
Cunha Lima.
Sexto
livro do poeta, o seu trabalho mais autobiográfico, tem um primoroso
projeto gráfico e conta com imagens do fotógrafo mineiro Ricardo Prado e texto
das orelhas do poeta Vitor Nascimento Sá, no qual alerta o leitor: “A poesia de
José Inácio Vieira de Melo não se estabelece no convencimento racional nem nas
prerrogativas de cunho moral, mas na percepção do maravilhoso que é produzido
como êxtase e fulguração, descoberta e alumbramento”.
Confira
a entrevista!
ANTONIO NAHUD JUNIOR –
Quanto de sua poética se baseia na sua experiência pessoal?
JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE
MELO – Toda a minha poética se baseia na minha experiência pessoal. O delírio
sou eu que sinto. Passar cinco anos contemplando uma xilogravura de Abraão
Batista para fazer um poema, fez daquele quadro, em que figuravam dois galos de
briga, um labirinto onde todas as batalhas inimagináveis foram travadas – e
ainda assim eles teceram muitas das minhas manhãs.
ANJ – Como começou a
escrever?
JIVM – Escrevi meus
primeiros versos aos 12 anos. Muito inspirado nos poemas de Castro Alves, nos folhetos
de cordel e nas músicas dos compositores nordestinos que surgiram na década de
1970, como o Zé Ramalho, o Alceu Valença e o Raimundo Fagner.
ANJ – Os poetas de
hoje parecem preferir o verso livre. Acha que isso é sinal de aversão à
disciplina?
JIVM – Há um descaso
enorme por parte dos poetas mais jovens em relação ao conhecimento da poesia e
das técnicas da arte poética. Muitos dos versejadores que aí estão não leem
poesia e não estão interessados nem um pouco em ter uma base para construir uma
obra. Escrevem linhas irregulares e acreditam que estão praticando o verso
livre... Mera ilusão! O verso livre é o que requer mais apuração na sua
tessitura para conseguir manter o ritmo – o traço espontâneo expressando
imagens e sentidos dentro de uma tensão que pode se desdobrar em outros
andamentos ou que pode estabelecer uma constância sonora ou ainda um pulsar de
ondas.
ANJ – Poderia falar um
pouco sobre a gênese de um poema? O que vem primeiro?
JIVM – O poema não
escolhe hora nem um jeito certo para nascer. Quando menos se espera, vem aquela
ideia borbulhando no pensamento, aquela imagem formigando na alma, e aí é pegar
ou largar! A poesia é exigente. Não faço poesia quando quero, a Poesia é que
determina o momento da sua gênese. Sou um servo da Poesia.
ANJ – Começa seus
poemas pelo começo?
JIVM – Nem sempre.
Foto: Ricardo Prado
ANJ – O que é mais
importante para um poeta: a experiência, a observação, a imaginação ou a
inspiração, caso acredite nela?
JIVM – Tudo é
importante para um poeta. Principalmente as coisas sem importância, como diria
o poeta Manoel de Barros. E eu acredito na inspiração da mesma maneira que
acredito na lapidação e na depilação.
ANJ – Muitos poetas
costumam trabalhar de madrugada, têm manias e são indisciplinados. É o seu
caso?
JIVM – Sim, é o meu
caso. A madrugada, senhora do silêncio, é o meu templo e o meu laboratório. Sinto-me
indisciplinado porque faço muitas coisas ao mesmo tempo. Por conta disso, há
momentos em que tudo vira uma enorme bagunça. Como já disse, o poema aparece
quando bem quer. Então, já tive que gravar versos enquanto dirigia, já perdi
conta de gado, quando estava em mais de 350 reses, porque um deus desocupado soprou
um verso em meu ouvido, ao meio dia em ponto, com o sol a pino, dentro de um
curral da Pedra Só. Apesar da imprevisibilidade da Poesia, tenho a mania de
escrever meus poemas em agendas, com caneta de tinta preta, deitado numa rede.
Mas só consigo ter uma primeira impressão do poema como um todo, depois que o passo
para o computador e imprimo uma cópia. O que não quer dizer que esteja
realizado. Há poemas que levam meses e/ou até mesmo anos para ficarem prontos.
ANJ – A técnica é
fundamental? Que técnica utiliza para alcançar seu padrão poético?
JIVM – É fundamental
conhecer a técnica ao ponto de usá-la sem nem perceber que o está fazendo, da
mesma maneira como usamos as letras para escrever as palavras sem pensarmos em
letras formando palavras. Quando faço meus poemas não me preocupo com técnicas,
embora estude muito e ainda continue buscando conhecer, cada vez mais, o aparato
teórico da arte poética.
ANJ – Existe algum
poeta que tenha lido e nele reconheceu um parentesco de espírito?
JIVM – São vários. De
imediato, vem-me ao sentindo Jorge de Lima, Gerardo Mello Mourão, Cecília
Meireles, Francisco Carvalho, João Cabral de Melo Neto, Lêdo Ivo, João
Guimarães Rosa. Sinto que sou da mesma família poética desses mestres
encantados.
ANJ – Tem em mente
algum público em especial quando escreve certos poemas?
JIVM – Não. Faço meus
poemas por pura necessidade. É algo imperativo.
ANJ – Qual dos seus
livros tem mais orgulho?
JIVM – Não diria
orgulho, mas o livro que sempre desperta um xodó maior é o mais recente, o que
foi publicado por último. Neste momento é o Pedra Só.
ANJ – Existem
diferenças essenciais entre a poesia escrita por nordestinos e aquela escrita
pelos poetas de outras regiões do Brasil?
JIVM – Gosto bem mais
da poesia feita no Nordeste. A diferença essencial é a qualidade.
ANJ – A poesia contém
música?
JIVM – A poesia é a
música das palavras.
ANJ – Poderia fazer
algum comentário sobre o futuro da poesia?
JIVM – Enquanto houver
sentimento haverá Poesia.
Foto: Ricardo Prado
ANJ – Quais foram as
origens de Pedra Só?
JIVM – Poemas esparsos
guardados em um arquivo. Até aparecer o poema “Pedra Só” e definir o rumo do
livro, tornando-se seu núcleo.
ANJ – Que emoção este
seu mais recente livro desperta em você?
JIVM – A emoção que um
pai tem ao olhar para seu filho amado.
ANJ – As duas palavras
relacionadas no título foram reunidas com algum propósito simbólico? Seria um
tipo de contraponto estético, ou é mero acaso?
JIVM – “Pedra Só” é o
nome da minha roça – uma fazenda que fica no sudoeste da Bahia, no fim da
caatinga e no início da Chapada Diamantina. Um lugar árido que representa todos
os sertões por onde vivi e que é, ao mesmo tempo, um entrelugar que inventei,
para onde posso ir e me visitar, no tempo e pelos tempos.
ANJ – Há quanto vive
na Bahia e o que ela representa para a sua literatura?
JIVM – Moro na Bahia
há 25 anos. “A Bahia já me deu régua e compasso”.
ANJ – Que tipo de
trabalho faz para ganhar “algum dinheiro”?
JIVM – Sou pastor de
nuvens e de vacas. Trocando em miúdos: sou promotor cultural (coordeno eventos
literários, faço oficinas, palestras e performances) e crio gado.
ANJ – Você lê os seus
contemporâneos? Quais deles recomendaria?
JIVM – Poesia
contemporânea é o que mais leio. Roberval Pereyr, Mariana Ianelli, Salgado
Maranhão, Sidney Wanderley e Iacyr Anderson Freitas são alguns dos poetas que
recomendo. Na prosa, vai a indicação do Ronaldo Correia de Brito, Carlos
Herculano Lopes, Tércia Montenegro, Lima Trindade e Dênisson Padilha Filho.
ANJ – A atual
deterioração da língua, essa imprecisão de pensamento e assim por diante, o
assusta – ou apenas vivemos uma fase de decadência?
JIVM – Tudo me assusta
muito. E ainda mais esse Nada em que estamos a nos afogar. Desejo mesmo que
seja apenas uma fase, mas paira uma sensação de que as coisas só vão piorar: o
instinto cada vez mais prevalece sobre o pensamento.
ANJ – Se importaria em
comentar algo sobre O Livro das Revelações?
JIVM – Além de
agradecer pelo convite para fazer parte deste relevante trabalho do escritor
Diogenes da Cunha Lima, quero dizer que estou com muita vontade de ler o livro
e conhecer as peculiaridades de cada um dos artistas da palavra que integram O
Livro das Revelações.
ANJ – Será sua
primeira visita ao Rio Grande do Norte. Tem alguma expectativa? Conhece algum
poeta dessas bandas?
JIVM – Na verdade, é
segunda vez que irei a Natal. Estive, em 2005, a convite de Carlos Newton
Júnior, numa passagem bem rápida. Não gosto de criar expectativas, mas sinto
que vivenciarei bons momentos e que conhecerei pessoas valorosas, como a minha
amiga virtual Angela Felipe, talentosa artista plástica potiguar. Sim, conheço
bons poetas da cidade de Natal: Marize Castro, Carlos Gurgel, Iracema Macedo e Antonio
Nahud Júnior, baiano do Rio Grande do Norte.
Antonio Nahud Júnior é
escritor e jornalista, autor de ArtePalavra – Conversas no velho mundo (entrevistas, 2002), Se um
viajante na Espanha de Lorca (crônicas, 2005), Livro de imagens (poesias,
2008), Pequenas Histórias do delírio peculiar humano (contos, 2012), entre
outros.
Entrevista publicada
no Jornal de Hoje, en Natal-RN, em 2 de julho de 2013, e no blog Cinzas e Diamantes (http://cinzasdiamantes.blogspot.com.br/)
2 comentários:
Parabéns, José Inácio! Que o espinho do Mandacarú dê a volta ao mundo, rs.! Abraço
Reconhecimento muito merecido.
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