sexta-feira, 2 de agosto de 2013

POETA ALAGOANO LANÇA VERSOS AUTOBIOGRÁFICOS

Por Antonio Nahud Júnior

 Foto: Ricardo Prado
JIVM: "Não faço poesia quando quero, a Poesia é que determina o momento da sua gênese. Sou um servo da Poesia".

"O delírio sou eu que sinto"
Poeta alagoano lança versos autobiográficos

A Escrituras Editora, de São Paulo, publicou, recentemente, Pedra Só, o novo livro do poeta alagoano da Bahia José Inácio Vieira de Melo, que foi lançado em 1º de julho em Natal, capital potiguar, em noite concorrida na Academia Norte-rio-grandense de Letras (ANL), junto ao Livro das Revelações – Matizes do Afeto – O Pensamento Vivo de Escritores, trabalho coordenado pelo escritor Diogenes da Cunha Lima.
Sexto livro do poeta, o seu trabalho mais autobiográfico, tem um primoroso projeto gráfico e conta com imagens do fotógrafo mineiro Ricardo Prado e texto das orelhas do poeta Vitor Nascimento Sá, no qual alerta o leitor: “A poesia de José Inácio Vieira de Melo não se estabelece no convencimento racional nem nas prerrogativas de cunho moral, mas na percepção do maravilhoso que é produzido como êxtase e fulguração, descoberta e alumbramento”.
Confira  a entrevista!

ANTONIO NAHUD JUNIOR – Quanto de sua poética se baseia na sua experiência pessoal?

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Toda a minha poética se baseia na minha experiência pessoal. O delírio sou eu que sinto. Passar cinco anos contemplando uma xilogravura de Abraão Batista para fazer um poema, fez daquele quadro, em que figuravam dois galos de briga, um labirinto onde todas as batalhas inimagináveis foram travadas – e ainda assim eles teceram muitas das minhas manhãs.

ANJ – Como começou a escrever?

JIVM – Escrevi meus primeiros versos aos 12 anos. Muito inspirado nos poemas de Castro Alves, nos folhetos de cordel e nas músicas dos compositores nordestinos que surgiram na década de 1970, como o Zé Ramalho, o Alceu Valença e o Raimundo Fagner.

ANJ – Os poetas de hoje parecem preferir o verso livre. Acha que isso é sinal de aversão à disciplina?

JIVM – Há um descaso enorme por parte dos poetas mais jovens em relação ao conhecimento da poesia e das técnicas da arte poética. Muitos dos versejadores que aí estão não leem poesia e não estão interessados nem um pouco em ter uma base para construir uma obra. Escrevem linhas irregulares e acreditam que estão praticando o verso livre... Mera ilusão! O verso livre é o que requer mais apuração na sua tessitura para conseguir manter o ritmo – o traço espontâneo expressando imagens e sentidos dentro de uma tensão que pode se desdobrar em outros andamentos ou que pode estabelecer uma constância sonora ou ainda um pulsar de ondas.

ANJ – Poderia falar um pouco sobre a gênese de um poema? O que vem primeiro?

JIVM – O poema não escolhe hora nem um jeito certo para nascer. Quando menos se espera, vem aquela ideia borbulhando no pensamento, aquela imagem formigando na alma, e aí é pegar ou largar! A poesia é exigente. Não faço poesia quando quero, a Poesia é que determina o momento da sua gênese. Sou um servo da Poesia.

ANJ – Começa seus poemas pelo começo?

JIVM – Nem sempre.

 Foto: Ricardo Prado
JIVM: "É fundamental conhecer a técnica ao ponto de usá-la sem nem perceber que o está fazendo, da mesma maneira como usamos as letras para escrever as palavras sem pensarmos em letras formando palavras".

ANJ – O que é mais importante para um poeta: a experiência, a observação, a imaginação ou a inspiração, caso acredite nela?

JIVM – Tudo é importante para um poeta. Principalmente as coisas sem importância, como diria o poeta Manoel de Barros. E eu acredito na inspiração da mesma maneira que acredito na lapidação e na depilação.

ANJ – Muitos poetas costumam trabalhar de madrugada, têm manias e são indisciplinados. É o seu caso?

JIVM – Sim, é o meu caso. A madrugada, senhora do silêncio, é o meu templo e o meu laboratório. Sinto-me indisciplinado porque faço muitas coisas ao mesmo tempo. Por conta disso, há momentos em que tudo vira uma enorme bagunça. Como já disse, o poema aparece quando bem quer. Então, já tive que gravar versos enquanto dirigia, já perdi conta de gado, quando estava em mais de 350 reses, porque um deus desocupado soprou um verso em meu ouvido, ao meio dia em ponto, com o sol a pino, dentro de um curral da Pedra Só. Apesar da imprevisibilidade da Poesia, tenho a mania de escrever meus poemas em agendas, com caneta de tinta preta, deitado numa rede. Mas só consigo ter uma primeira impressão do poema como um todo, depois que o passo para o computador e imprimo uma cópia. O que não quer dizer que esteja realizado. Há poemas que levam meses e/ou até mesmo anos para ficarem prontos.

ANJ – A técnica é fundamental? Que técnica utiliza para alcançar seu padrão poético?

JIVM – É fundamental conhecer a técnica ao ponto de usá-la sem nem perceber que o está fazendo, da mesma maneira como usamos as letras para escrever as palavras sem pensarmos em letras formando palavras. Quando faço meus poemas não me preocupo com técnicas, embora estude muito e ainda continue buscando conhecer, cada vez mais, o aparato teórico da arte poética.

ANJ – Existe algum poeta que tenha lido e nele reconheceu um parentesco de espírito?

JIVM – São vários. De imediato, vem-me ao sentindo Jorge de Lima, Gerardo Mello Mourão, Cecília Meireles, Francisco Carvalho, João Cabral de Melo Neto, Lêdo Ivo, João Guimarães Rosa. Sinto que sou da mesma família poética desses mestres encantados.

ANJ – Tem em mente algum público em especial quando escreve certos poemas?

JIVM – Não. Faço meus poemas por pura necessidade. É algo imperativo.

ANJ – Qual dos seus livros tem mais orgulho?

JIVM – Não diria orgulho, mas o livro que sempre desperta um xodó maior é o mais recente, o que foi publicado por último. Neste momento é o Pedra Só.

ANJ – Existem diferenças essenciais entre a poesia escrita por nordestinos e aquela escrita pelos poetas de outras regiões do Brasil?

JIVM – Gosto bem mais da poesia feita no Nordeste. A diferença essencial é a qualidade.

ANJ – A poesia contém música?

JIVM – A poesia é a música das palavras.

ANJ – Poderia fazer algum comentário sobre o futuro da poesia?

JIVM – Enquanto houver sentimento haverá Poesia.

Foto: Ricardo Prado

ANJ – Quais foram as origens de Pedra Só?

JIVM – Poemas esparsos guardados em um arquivo. Até aparecer o poema “Pedra Só” e definir o rumo do livro, tornando-se seu núcleo.

ANJ – Que emoção este seu mais recente livro desperta em você?

JIVM – A emoção que um pai tem ao olhar para seu filho amado.

ANJ – As duas palavras relacionadas no título foram reunidas com algum propósito simbólico? Seria um tipo de contraponto estético, ou é mero acaso?

JIVM – “Pedra Só” é o nome da minha roça – uma fazenda que fica no sudoeste da Bahia, no fim da caatinga e no início da Chapada Diamantina. Um lugar árido que representa todos os sertões por onde vivi e que é, ao mesmo tempo, um entrelugar que inventei, para onde posso ir e me visitar, no tempo e pelos tempos.

ANJ – Há quanto vive na Bahia e o que ela representa para a sua literatura?

JIVM – Moro na Bahia há 25 anos. “A Bahia já me deu régua e compasso”.

ANJ – Que tipo de trabalho faz para ganhar “algum dinheiro”?

JIVM – Sou pastor de nuvens e de vacas. Trocando em miúdos: sou promotor cultural (coordeno eventos literários, faço oficinas, palestras e performances) e crio gado.

ANJ – Você lê os seus contemporâneos? Quais deles recomendaria?

JIVM – Poesia contemporânea é o que mais leio. Roberval Pereyr, Mariana Ianelli, Salgado Maranhão, Sidney Wanderley e Iacyr Anderson Freitas são alguns dos poetas que recomendo. Na prosa, vai a indicação do Ronaldo Correia de Brito, Carlos Herculano Lopes, Tércia Montenegro, Lima Trindade e Dênisson Padilha Filho.

ANJ – A atual deterioração da língua, essa imprecisão de pensamento e assim por diante, o assusta – ou apenas vivemos uma fase de decadência?

JIVM – Tudo me assusta muito. E ainda mais esse Nada em que estamos a nos afogar. Desejo mesmo que seja apenas uma fase, mas paira uma sensação de que as coisas só vão piorar: o instinto cada vez mais prevalece sobre o pensamento.


ANJ – Se importaria em comentar algo sobre O Livro das Revelações?

JIVM – Além de agradecer pelo convite para fazer parte deste relevante trabalho do escritor Diogenes da Cunha Lima, quero dizer que estou com muita vontade de ler o livro e conhecer as peculiaridades de cada um dos artistas da palavra que integram O Livro das Revelações.

ANJ – Será sua primeira visita ao Rio Grande do Norte. Tem alguma expectativa? Conhece algum poeta dessas bandas?

JIVM – Na verdade, é segunda vez que irei a Natal. Estive, em 2005, a convite de Carlos Newton Júnior, numa passagem bem rápida. Não gosto de criar expectativas, mas sinto que vivenciarei bons momentos e que conhecerei pessoas valorosas, como a minha amiga virtual Angela Felipe, talentosa artista plástica potiguar. Sim, conheço bons poetas da cidade de Natal: Marize Castro, Carlos Gurgel, Iracema Macedo e Antonio Nahud Júnior, baiano do Rio Grande do Norte.

Antonio Nahud Júnior é escritor e jornalista, autor de ArtePalavra – Conversas  no velho mundo (entrevistas, 2002), Se um viajante na Espanha de Lorca (crônicas, 2005), Livro de imagens (poesias, 2008), Pequenas Histórias do delírio peculiar humano (contos, 2012), entre outros.

Entrevista publicada no Jornal de Hoje, en Natal-RN, em 2 de julho de 2013, e no blog Cinzas e Diamantes (http://cinzasdiamantes.blogspot.com.br/)

2 comentários:

Sonia Ortega disse...

Parabéns, José Inácio! Que o espinho do Mandacarú dê a volta ao mundo, rs.! Abraço

Rosângela Melo disse...

Reconhecimento muito merecido.