Foto: Ricardo Prado
"Uma poesia de forte teor telúrico onde os elementos do sertão são montados e decantados numa dimensão universal e muitas vezes épica" |
José Inácio Vieira de Melo é um dos
principais nomes da poesia brasileira contemporânea. Alagoano, mas radicado na
Bahia, sua lírica vem encantando e conquistando cada vez mais o destaque
merecido no cenário nacional. Uma poesia de forte teor telúrico onde os
elementos do sertão são montados e decantados numa dimensão universal e muitas
vezes épica.
Pedra
Só (Escrituras Editora, 2012) é o exemplo
claro desta concepção estilística. José Inácio Vieira de Melo constrói
“pedra por pedra a sua solidão”, num silêncio acompanhado por referências
estéticas e dialógicas que vão desde Gerardo Mello Mourão, passando por
Herberto Helder e Cecília Meireles, chegando aos cantadores e vaqueiros do
sertão nordestino, numa toada densa produzida a partir de uma maquinaria
refinada e sonora: “Minhas mãos
trabalham na imensidão./ Longa batalha em busca da beleza”, diz o poeta no
poema “Aurora”.
O livro começa com um poema longo, que dá
nome a obra: “Pedra Só. Depois sua lírica vai se mostrando em
outras sessões intituladas “Aboio
Livre”, “Toada do Tempo”, “Partituras”, “Parábolas”, o que dão o calibre
musical de um alento cavalgado no ritmo dos sertões. Não é toa que a Fazenda
Pedra Só é o fio condutor,
matéria e a espinha dorsal de toda a obra. O nome poético da fazenda, da pedra
solitária, onde dia a dia o seu ofício é refinado, amolado, curtido, implodido,
em toda uma cartografia lírica.
Neste eixo poético elementos da atmosfera
sertaneja (como cavalos, algarobas, poeira, éguas, entre outros) ganham uma
dimensão antológica e universal. Amparado em figuras da antiguidade clássica,
ou do mundo bíblico, José Inácio Vieira de Melo recria um sertão mítico de
palavras e sons, que possui o seu próprio evangelho, numa lira onde a infância,
a memória, a sexualidade se unem na tessitura de “um cavaleiro onde o fogo
ganha dezenas de significados”:
Eu regresso e lembro que fui, que sou e serei
Um cavaleiro cozido nas brasas do Sertão,
Dentro dos couros, com o sol no espinhaço,
No meio do tempo, no meio dos tempos.
Nesta missão, no meio do tempo e da
memória, personagens bíblicos e mitológicos dialogam, numa poesia liricamente
demarcada pelo “épico da terra”, mas com garras firmes na universalidade
ocidental, onde Teseu, Ulisses, Narciso, Davi e Homero se fazem presentes como
personagens, assim como seus vaqueiros e animais, de ontem e de hoje, de sua
lembrança e afetividade. Há espaços ainda para belas homenagens em sua Pedra
Só, como a Leonardo da Vinci, a cidade de Ouro Preto, a poeta Mariana
Ianelli e aos seus filhos Carlos Moisés e Gabriel Inácio.
Na poesia de José Inácio Vieira de Melo o
domínio da linguagem é uma das principais marcas. Seu simbolismo reescreve a si
mesmo no “útero da casa”, no chão de todas as coisas, onde as algarobas passeiam
pela infância e a memória dança numa epifania do corpo e da declamação. Pedra
Só, assim se apresenta como abrigo e santuário, como rubrica e
transgressão, numa poesia marcante e nobre.
Bruno Gaudêncio é escritor, jornalista e
historiador. Nasceu em Campina Grande, Paraíba, em 1985. Publicou os
livros O ofício de engordar as
sombras (poesia, 2009), Cântico
voraz do precipício (conto, 2011) e Acaso
caos (poesia, 2013). Edita a revista eletrônica de literatura Blecaute (http://revistablecaute.blogspot.com/)
2 comentários:
Maravilhoso texto Ä Arte da Pedra é Ser o Silencio que Cresce" Lindo! Marcante! Parabéns pela verberaçao oral!
Que bacana, José Inácio! Fico feliz com os voos de tua poesia pelos brasis a fora...
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