quinta-feira, 18 de julho de 2013

A ARTE DA PEDRA É SER O SILÊNCIO QUE CRESCE

Por Bruno Gaudêncio

Foto: Ricardo Prado
"Uma poesia de forte teor telúrico onde os elementos do sertão são
montados e decantados numa dimensão universal e muitas vezes épica"

José Inácio Vieira de Melo é um dos principais nomes da poesia brasileira contemporânea. Alagoano, mas radicado na Bahia, sua lírica vem encantando e conquistando cada vez mais o destaque merecido no cenário nacional. Uma poesia de forte teor telúrico onde os elementos do sertão são montados e decantados numa dimensão universal e muitas vezes épica.

Pedra Só (Escrituras Editora, 2012) é o exemplo claro desta concepção estilística.  José Inácio Vieira de Melo constrói “pedra por pedra a sua solidão”, num silêncio acompanhado por referências estéticas e dialógicas que vão desde Gerardo Mello Mourão, passando por Herberto Helder e Cecília Meireles, chegando aos cantadores e vaqueiros do sertão nordestino, numa toada densa produzida a partir de uma maquinaria refinada e sonora: “Minhas mãos trabalham na imensidão./ Longa batalha em busca da beleza”, diz o poeta no poema “Aurora”.

O livro começa com um poema longo, que dá nome a obra: “Pedra Só. Depois sua lírica vai se mostrando em outras sessões intituladas “Aboio Livre”, “Toada do Tempo”, “Partituras”, “Parábolas”, o que dão o calibre musical de um alento cavalgado no ritmo dos sertões. Não é toa que a Fazenda Pedra Só é o fio condutor, matéria e a espinha dorsal de toda a obra. O nome poético da fazenda, da pedra solitária, onde dia a dia o seu ofício é refinado, amolado, curtido, implodido, em toda uma cartografia lírica.

Neste eixo poético elementos da atmosfera sertaneja (como cavalos, algarobas, poeira, éguas, entre outros) ganham uma dimensão antológica e universal. Amparado em figuras da antiguidade clássica, ou do mundo bíblico, José Inácio Vieira de Melo recria um sertão mítico de palavras e sons, que possui o seu próprio evangelho, numa lira onde a infância, a memória, a sexualidade se unem na tessitura de “um cavaleiro onde o fogo ganha dezenas de significados”:

          Eu regresso e lembro que fui, que sou e serei
          Um cavaleiro cozido nas brasas do Sertão,
          Dentro dos couros, com o sol no espinhaço,
          No meio do tempo, no meio dos tempos.

Nesta missão, no meio do tempo e da memória, personagens bíblicos e mitológicos dialogam, numa poesia liricamente demarcada pelo “épico da terra”, mas com garras firmes na universalidade ocidental, onde Teseu, Ulisses, Narciso, Davi e Homero se fazem presentes como personagens, assim como seus vaqueiros e animais, de ontem e de hoje, de sua lembrança e afetividade. Há espaços ainda para belas homenagens em sua Pedra Só, como a Leonardo da Vinci, a cidade de Ouro Preto, a poeta Mariana Ianelli e aos seus filhos Carlos Moisés e Gabriel Inácio.

Na poesia de José Inácio Vieira de Melo o domínio da linguagem é uma das principais marcas. Seu simbolismo reescreve a si mesmo no “útero da casa”, no chão de todas as coisas, onde as algarobas passeiam pela infância e a memória dança numa epifania do corpo e da declamação. Pedra Só, assim se apresenta como abrigo e santuário, como rubrica e transgressão, numa poesia marcante e nobre.


Bruno Gaudêncio é escritor, jornalista e historiador. Nasceu em Campina Grande, Paraíba, em 1985. Publicou os livros O ofício de engordar as sombras (poesia, 2009), Cântico voraz do precipício (conto, 2011) e Acaso caos (poesia, 2013). Edita a revista eletrônica de literatura Blecaute (http://revistablecaute.blogspot.com/)


Texto publicado no blog Zona da Palavra (www.zonadapalavra.wordpress.com) em 7 de julho de 2013

2 comentários:

www.alzirataquetti@blogspot.com.br disse...

Maravilhoso texto Ä Arte da Pedra é Ser o Silencio que Cresce" Lindo! Marcante! Parabéns pela verberaçao oral!

Ana Maria Rosa disse...

Que bacana, José Inácio! Fico feliz com os voos de tua poesia pelos brasis a fora...