sexta-feira, 8 de junho de 2012

A LÍRICA ERÓTICA DE JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO


(Comunicação apresentada no I CONALI – Congresso Nacional de Literatura, UFPB, João Pessoa, 05/06/2012)
Ano do Centenário de publicação do livro EU de Augusto dos Anjos
Cleberton dos Santos (Professor do IFBA) 

José Inácio Vieira de Melo
Quem é o poeta?

Estou falando de um “poeta matuto sem eira nem beira, que vive labutando com palavras, vaquejando boiadas de signos por caatingas labirínticas numa peleja sem fim.” Estou falando de um poeta que “invoca o gado invisível numa toada aflita, e grafa com pena e tinta aquilo que a poesia marca, a ferro e fogo, em sua alma” de um verdadeiro “Cavaleiro de Fogo”.
Estou falando do poeta José Inácio Vieira de Melo, nascido em Olho d’Água do Pai Mané, povoado do município de Dois Riachos, Alagoas, em 16 de abril de 1968. Publicou os livros Códigos do silêncio (2000), Decifração de abismos (2002), Luzeiro (2003), A terceira romaria (2005), A infância do centauro (2007), Roseiral (2010), 50 poemas escolhidos pelo autor (2011) e tem no prelo para sair em 2012 o livro Pedra Só (Editora Escrituras). Atualmente vive na cidade de Jequié, Bahia, de onde emana toda sua atividade literária e cultural pelos quatro cantos do país.

Por que esse poeta?

Estou falando do poeta José Inácio Vieira de Melo, nascido em Olho d’Água do Pai Mané, povoado do município de Dois Riachos, Alagoas, em 16 de abril de 1968. Publicou os livros Códigos do silêncio (2000), Decifração de abismos (2002), Luzeiro (2003), A terceira romaria (2005), A infância do centauro (2007), Roseiral (2010), 50 poemas escolhidos pelo autor (2011) e tem no prelo para sair em 2012 o livro Pedra Só (Editora Escrituras). Atualmente vive na cidade de Jequié, Bahia, de onde emana toda sua atividade literária e cultural pelos quatro cantos do país.
Por isso, no universo infinito da literatura brasileira sempre encontrei novos ou velhos caminhos para percorrer. Nesta comunicação vou explorar justamente um dos temas mais ricos na história da literatura universal: o erotismo.
E o erotismo em JIVM é apontado por vários de seus leitores, como afirma na orelha do seu quinto livro Roseiral, a poeta carioca Astrid Cabral falando de um “erotismo caloroso”, enquanto a professora Eliana Mara Chiossi destaca que o poeta tem uma “língua de fogo”.
Entre as várias flores temáticas que florescem no vasto jardim da poesia de JIVM, fui seduzido pelos aromas que exalam da flor do erotismo.
Ler e ouvir a poesia de José Inácio Vieira de Melo é vivenciar o erotismo em suas múltiplas possibilidades. Nesta breve comunicação apresento um roteiro de leitura, aponto o início de uma romaria teórica que se inicia pelas estradas que perfazem a obra poética deste “Centauro Escarlate”. Pois como afirma o crítico carioca André Seffrin:

“Surpreendente a mobilidade desta poesia, acelerada e cantante como água de rio montanhoso. Evidente sua força telúrica, de observação e conversão da paisagem humana em lirismo amoroso ou erótico e por vezes em quadros rurais de calendário imemorial.” (In: Melo, 2011)

Ilustração: Daniel Biléu
Um poema: duas leituras

Mikel Dufrenne aconselha que “Ao examinar a linguagem poética, não podemos esquecer de que ela se destina à fala.” (1969, p. 12) Por isso, além dos aspectos poéticos da eroticidade inerente aos textos escritos, detenho minha reflexão também sobre a expressão corporal, a leitura expressiva, o momento do recital, da peformance declamativa feita pelo próprio autor ou das leituras de outras vozes que através de recursos que ultrapassam a imobilidade da letra impressa, também contribuem para uma valorização ou espetacularização do erotismo inaciano.
Apresento o poema “Harém”:

Vinde, minhas éguas, vosso faraó vos espera!
Puxem meu carro de fogo pelos céus dos êxtases,
harmonizem vossas forças e me conduzam,
em galope soberano, pelos reinos dos encantos.

Vinde, minhas éguas, luzindo na imensidão!
No ritmo de vossas ancas é que se inaugura
a saga do meu império e os nomes do meu nome:
Cavaleiro de Fogo, Centauro Escarlate.

(50 poemas escolhidos pelo autor, p. 35)

Em dicção vibrátil o eu lírico assume uma postura faraônica para inaugurar uma poética sensual e de forte caráter zoomórfico. A imagem “Minhas éguas” poderá significar minhas mulheres ou quem sabe minhas musas? Aqui aparecem duas possibilidades de leitura, duas largas estradas no caminho da interpretação.
Na primeira, vendo mulheres metaforizadas em éguas, imagem tão comum ao repertório sexual do universo masculino brasileiro, temos um canto de profunda sensualidade amorosa e de visível rendição do ser masculino aos seres femininos. Numa primeira e ligeiríssima leitura, alguns poderão ver uma submissão feminina já inscrita na tradição dos “poetas machos”. Aqui, porém, após algumas releituras, vejo uma inversão na ordem dos estabelecidos valores. É o ser masculino, macho, faraônico que está submisso à vontade e às ordens das éguas-mulheres. O eu lírico faraó, imperador por natureza divina e status social, encontra-se imóvel, a espera daquelas que o conduzirão “pelos reinos dos encantos”.  O desejo sexual do eu lírico masculino será regido pelo ritmo das ancas dessas éguas portentosas. Aqui, paradoxalmente, o faraó se faz escravo da volúpia, dos encantos e dos êxtases proporcionados por essas éguas-mulheres tão poderosas que conseguem luzir na imensidão.
Na segunda estrada interpretativa, vendo éguas como metáfora de musas, temos um canto metapoético de rara beleza. Numa espécie de erotismo criacional, o poeta fala sobre as forças criadoras do seu ser e do seu verso.  O poeta faraó necessita de inspiração, aquela inspiração mítica de que nos fala Mikel Dufrene em seu livro O poético (1969), e por isso clama para que suas éguas-musas puxem seu carro de fogo, sua poesia, pelos céus dos êxtases, território potencial da arte poética. “Galope soberano” e “ritmo de vossas ancas” são expressões clarividentes desta metapoesia que cristaliza o ser mítico do faraó que se faz Cavaleiro de Fogo pelas forças encantatórias de suas éguas-musas.

Ilustração: Daniel Biléu
Erotismo corporal

Quem já teve a oportunidade de ver, de presenciar o próprio poeta recitando seus versos, ou seja, o homem de carne e osso impostando sua voz para dizer, traduzir em tons, gestos faciais e expressões corporais suas palavras, seus códigos de silêncio, poderá projetar melhor o jogo do erótico que se estabelece em suas criações verbais. O poeta declamador também transpira esse erotismo escarlate que emana da imensidão de seus poemas. Quase como se existisse uma correspondência entre o eu lírico de seus poemas e sua voz humana, o poeta José Inacio Vieira de Melo encarna seus próprios eus poéticos, como uma espécie de ator de si mesmo não sendo ele próprio, o poeta erotiza sua aparição pública através de seus erotismos poéticos. Exemplo peculiar deste amálgama entre sua voz lírica e sua voz humana é vê-lo recitando os poemas “Epitáfio para Guinevere” e “Bodas de sangue”.

Vejamos o poema “Cântico dos Cânticos”:

Que as tuas nádegas aventureiras estejam abertas
Para o poema em linha reta que te ofereço,
Que a minha escrita torta e avessa
Chegue linheira na olaria de tua carne
E ardas e ardo neste morno forno
Das tuas nádegas tão abundantes.

Das tuas nádegas tão montanhosas
O horizonte é mais macio e a minha linguagem
Saboreia o mel do fel que trazes
E de teus olhos gemem os arco-íris
E teu corpo todo é um esplendor, uma assombração
E quanta delícia anunciam teus arrepios
E tuas nádegas aventureiras tão venturosas
São uma tempestade de emoções.

Que idioma mágico que tu inventas
Quando me aventuro por tuas nádegas
E me perco profundamente e profundamente
Me encontro na plenitude cega que tudo exerga
E profundamente me encanto cantando uníssono
Neste nosso idioma o novo cântico dos cânticos.

(50 poemas escolhidos pelo autor, p. 46)

Mais uma vez sensualidade amorosa, erotismo corporal e erotismo criacional se misturam nesta composição.
Várias são as formas de amar. O sexo cristão é transgredido nestes versos ousados e ao mesmo tempo contidos através de uma linguagem de grande exuberância metafórica. O sexo anal, ou a hipótese deste sexo, é explicitamente cantado com grande singeleza. A escolha lexical do poeta, sua operação linguística demonstra o zelo pelo corpo da amada, pois nádegas é menos vulgar e mais sugestivo do que seu sinônimo popular “bunda”. Mas todo poeta tem seus truques e sabe operar seus milagres verbais. E deste modo o poeta constrói a imagem “nádegas tão abundantes” que nos remete à palavra “bunda”, configurada dentro do corpo e da sonoridade do adjetivo empregado.
Sobre a relação entre erotismo e poesia, Octavio Paz afirma:

“A relação entre erotismo e poesia é tal que se poder dizer, sem afetação, que o primeiro é uma poética corporal e a segunda uma erótica verbal. Ambos são feitos de uma oposição complementar. A linguagem – som que emite sentido, traço material que denota ideias corpóreas – é capaz de dar nome ao mais fugaz e evanescente: a sensação; por sua vez, o erotismo não é mera sexualidade animal – é cerimônia, representação. O erotismo é sexualidade transfigurada: metáfora. A imaginação é o agente que move o ato erótico e o poético.” (Paz, p. 12)

Assim, podemos dizer que é a imaginação criadora que propicia a elaboração da erótica verbal do poeta JIVM, ao mesmo tempo em que é a força do próprio erotismo corporal que impulsiona a criação da linguagem poética como prática de ato erótico, pois para o poeta JIVM fazer poesia é

ir no cerne dos desejos
e perceber cada célula
como frenesi que sinto
na agulha do peitoral.

(A sagração do mito In: A infância do centauro, 2007)


Bibliografia:

CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. Trad. Ivo Barroso. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
DUFRENNE, Mikel. O poético. Trad. Luiz Arthur Nunes e Reasylvia Kroeff de Souza. Porto Alegre: Editora Globo, 1969.
MELO, José Inácio Vieira de. 50 poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2011.
MELO, José Inácio Vieira de. A infância do centauro. São Paulo: Escritura Editora, 2007.
MELO, José Inácio Vieira de. A terceira romaria. Salvador: Aboio Livre Edições, 2005.
MELO, José Inácio Vieira de. Decifração de abismos. Salvador: Aboio Livre Edições, 2002.
MELO, José Inácio Vieira de. Luzeiro. Salvador: Aboio Livre Edições, 2003.
MELO, José Inácio Vieira de. Roseiral. São Paulo: Escritura Editora, 2010.
PAZ, Octavio. A dupla chama: amor e erotismo. Trad. Wladyr Dupont. São Paulo: Siciliano, 1995.

2 comentários:

Andréa Mascarenhas disse...

Parabéns ao poeta José Inácio Vieira de Melo e ao crítico Cleberton Santos - belo texto.

Ana Maria Rosa disse...

É muito especial esssa fala do professor Cleberton Santos ao colocar a poética-mágica de JIVM transfigurada por sua interpretação de leitor-conhecedor da arte-literária. Ao reler "Cântico dos cãnticos", poema que adoro, deixe-me encantar pela harmanonia sonoras conseguida pela repetição das vogais nasais na última estrofe. A Poesia tem essa mágica: a cada vez que o leitor se defronta com o poema, é fisgado por ela de modo diferente. José Inácio fala em "frenesi na agulha do peitoral". É isso, sua poesia erótica dá agulhadas aqui e ali pelo corpo do leitor... É bom sentir frenesi...