(Comunicação apresentada no I CONALI – Congresso Nacional de Literatura,
UFPB, João Pessoa, 05/06/2012)
Ano do Centenário de publicação do livro EU de Augusto dos Anjos
Cleberton dos Santos (Professor do IFBA)
José Inácio Vieira de Melo |
Quem é o poeta?
Estou
falando de um “poeta matuto sem eira nem beira, que vive labutando com
palavras, vaquejando boiadas de signos por caatingas labirínticas numa peleja
sem fim.” Estou falando de um poeta que “invoca o gado invisível numa toada
aflita, e grafa com pena e tinta aquilo que a poesia marca, a ferro e fogo, em
sua alma” de um verdadeiro “Cavaleiro de Fogo”.
Estou
falando do poeta José Inácio Vieira de Melo, nascido em Olho d’Água do Pai
Mané, povoado do município de Dois Riachos, Alagoas, em 16 de abril de 1968.
Publicou os livros Códigos do silêncio (2000), Decifração de abismos
(2002), Luzeiro (2003), A terceira romaria (2005), A infância
do centauro (2007), Roseiral (2010), 50 poemas escolhidos pelo
autor (2011) e tem no prelo para sair em 2012 o livro Pedra Só
(Editora Escrituras). Atualmente vive na cidade de Jequié, Bahia, de onde emana
toda sua atividade literária e cultural pelos quatro cantos do país.
Por que esse poeta?
Estou
falando do poeta José Inácio Vieira de Melo, nascido em Olho d’Água do Pai
Mané, povoado do município de Dois Riachos, Alagoas, em 16 de abril de 1968.
Publicou os livros Códigos do silêncio (2000), Decifração de abismos
(2002), Luzeiro (2003), A terceira romaria (2005), A infância
do centauro (2007), Roseiral (2010), 50 poemas escolhidos pelo
autor (2011) e tem no prelo para sair em 2012 o livro Pedra Só
(Editora Escrituras). Atualmente vive na cidade de Jequié, Bahia, de onde emana
toda sua atividade literária e cultural pelos quatro cantos do país.
Por isso,
no universo infinito da literatura brasileira sempre encontrei novos ou velhos
caminhos para percorrer. Nesta comunicação vou explorar justamente um dos temas
mais ricos na história da literatura universal: o erotismo.
E o
erotismo em JIVM é apontado por vários de seus leitores, como afirma na orelha
do seu quinto livro Roseiral, a poeta carioca Astrid Cabral falando de
um “erotismo caloroso”, enquanto a professora Eliana Mara Chiossi destaca que o
poeta tem uma “língua de fogo”.
Entre as
várias flores temáticas que florescem no vasto jardim da poesia de JIVM, fui
seduzido pelos aromas que exalam da flor do erotismo.
Ler e ouvir
a poesia de José Inácio Vieira de Melo é vivenciar o erotismo em suas múltiplas
possibilidades. Nesta breve comunicação apresento um roteiro de leitura, aponto
o início de uma romaria teórica que se inicia pelas estradas que perfazem a
obra poética deste “Centauro Escarlate”. Pois como afirma o crítico carioca
André Seffrin:
“Surpreendente
a mobilidade desta poesia, acelerada e cantante como água de rio montanhoso.
Evidente sua força telúrica, de observação e conversão da paisagem humana em
lirismo amoroso ou erótico e por vezes em quadros rurais de calendário
imemorial.” (In: Melo, 2011)
Ilustração: Daniel Biléu |
Um poema: duas
leituras
Mikel
Dufrenne aconselha que “Ao examinar a linguagem poética, não podemos
esquecer de que ela se destina à fala.” (1969, p. 12) Por isso, além dos
aspectos poéticos da eroticidade inerente aos textos escritos, detenho minha
reflexão também sobre a expressão corporal, a leitura expressiva, o momento do
recital, da peformance declamativa feita pelo próprio autor ou das leituras de
outras vozes que através de recursos que ultrapassam a imobilidade da letra
impressa, também contribuem para uma valorização ou espetacularização do
erotismo inaciano.
Apresento o poema “Harém”:
Vinde, minhas éguas, vosso faraó vos espera!
Puxem meu carro de fogo pelos céus dos
êxtases,
harmonizem vossas forças e me conduzam,
em galope soberano, pelos reinos dos
encantos.
Vinde, minhas éguas, luzindo na imensidão!
No ritmo de vossas ancas é que se inaugura
a saga do meu império e os nomes do meu
nome:
Cavaleiro de Fogo, Centauro Escarlate.
(50 poemas
escolhidos pelo autor, p. 35)
Em dicção
vibrátil o eu lírico assume uma postura faraônica para inaugurar uma poética
sensual e de forte caráter zoomórfico. A imagem “Minhas éguas” poderá
significar minhas mulheres ou quem sabe minhas musas? Aqui aparecem duas
possibilidades de leitura, duas largas estradas no caminho da interpretação.
Na
primeira, vendo mulheres metaforizadas em éguas, imagem tão comum ao repertório
sexual do universo masculino brasileiro, temos um canto de profunda
sensualidade amorosa e de visível rendição do ser masculino aos seres
femininos. Numa primeira e ligeiríssima leitura, alguns poderão ver uma
submissão feminina já inscrita na tradição dos “poetas machos”. Aqui, porém,
após algumas releituras, vejo uma inversão na ordem dos estabelecidos valores.
É o ser masculino, macho, faraônico que está submisso à vontade e às ordens das
éguas-mulheres. O eu lírico faraó, imperador por natureza divina e status
social, encontra-se imóvel, a espera daquelas que o conduzirão “pelos reinos
dos encantos”. O desejo sexual do eu
lírico masculino será regido pelo ritmo das ancas dessas éguas portentosas.
Aqui, paradoxalmente, o faraó se faz escravo da volúpia, dos encantos e dos
êxtases proporcionados por essas éguas-mulheres tão poderosas que conseguem
luzir na imensidão.
Na segunda
estrada interpretativa, vendo éguas como metáfora de musas, temos um canto
metapoético de rara beleza. Numa espécie de erotismo criacional, o poeta fala
sobre as forças criadoras do seu ser e do seu verso. O poeta faraó necessita de inspiração, aquela
inspiração mítica de que nos fala Mikel Dufrene em seu livro O poético
(1969), e por isso clama para que suas éguas-musas puxem seu carro de fogo, sua
poesia, pelos céus dos êxtases, território potencial da arte poética. “Galope
soberano” e “ritmo de vossas ancas” são expressões clarividentes desta
metapoesia que cristaliza o ser mítico do faraó que se faz Cavaleiro de Fogo
pelas forças encantatórias de suas éguas-musas.
Ilustração: Daniel Biléu |
Erotismo corporal
Quem já
teve a oportunidade de ver, de presenciar o próprio poeta recitando seus
versos, ou seja, o homem de carne e osso impostando sua voz para dizer,
traduzir em tons, gestos faciais e expressões corporais suas palavras, seus
códigos de silêncio, poderá projetar melhor o jogo do erótico que se estabelece
em suas criações verbais. O poeta declamador também transpira esse erotismo
escarlate que emana da imensidão de seus poemas. Quase como se existisse uma
correspondência entre o eu lírico de seus poemas e sua voz humana, o poeta José
Inacio Vieira de Melo encarna seus próprios eus poéticos, como uma
espécie de ator de si mesmo não sendo ele próprio, o poeta erotiza sua aparição
pública através de seus erotismos poéticos. Exemplo peculiar deste amálgama
entre sua voz lírica e sua voz humana é vê-lo recitando os poemas “Epitáfio
para Guinevere” e “Bodas de sangue”.
Vejamos o poema “Cântico dos Cânticos”:
Que as tuas nádegas aventureiras estejam
abertas
Para o poema em linha reta que te ofereço,
Que a minha escrita torta e avessa
Chegue linheira na olaria de tua carne
E ardas e ardo neste morno forno
Das tuas nádegas tão abundantes.
Das tuas nádegas tão montanhosas
O horizonte é mais macio e a minha linguagem
Saboreia o mel do fel que trazes
E de teus olhos gemem os arco-íris
E teu corpo todo é um esplendor, uma
assombração
E quanta delícia anunciam teus arrepios
E tuas nádegas aventureiras tão venturosas
São uma tempestade de emoções.
Que idioma mágico que tu inventas
Quando me aventuro por tuas nádegas
E me perco profundamente e profundamente
Me encontro na plenitude cega que tudo
exerga
E profundamente me encanto cantando uníssono
Neste nosso idioma o novo cântico dos cânticos.
(50 poemas
escolhidos pelo autor, p. 46)
Mais uma
vez sensualidade amorosa, erotismo corporal e erotismo criacional se misturam
nesta composição.
Várias são
as formas de amar. O sexo cristão é transgredido nestes versos ousados e ao
mesmo tempo contidos através de uma linguagem de grande exuberância metafórica.
O sexo anal, ou a hipótese deste sexo, é explicitamente cantado com grande
singeleza. A escolha lexical do poeta, sua operação linguística demonstra o
zelo pelo corpo da amada, pois nádegas é menos vulgar e mais sugestivo do que
seu sinônimo popular “bunda”. Mas todo poeta tem seus truques e sabe operar
seus milagres verbais. E deste modo o poeta constrói a imagem “nádegas tão
abundantes” que nos remete à palavra “bunda”, configurada dentro do corpo e da
sonoridade do adjetivo empregado.
Sobre a
relação entre erotismo e poesia, Octavio Paz afirma:
“A relação
entre erotismo e poesia é tal que se poder dizer, sem afetação, que o primeiro
é uma poética corporal e a segunda uma erótica verbal. Ambos são feitos de uma
oposição complementar. A linguagem – som que emite sentido, traço material que
denota ideias corpóreas – é capaz de dar nome ao mais fugaz e evanescente: a
sensação; por sua vez, o erotismo não é mera sexualidade animal – é cerimônia,
representação. O erotismo é sexualidade transfigurada: metáfora. A imaginação é
o agente que move o ato erótico e o poético.” (Paz, p. 12)
Assim,
podemos dizer que é a imaginação criadora que propicia a elaboração da erótica
verbal do poeta JIVM, ao mesmo tempo em que é a força do próprio erotismo
corporal que impulsiona a criação da linguagem poética como prática de ato
erótico, pois para o poeta JIVM fazer poesia é
ir no
cerne dos desejos
e
perceber cada célula
como
frenesi que sinto
na
agulha do peitoral.
(A sagração
do mito In: A infância do centauro, 2007)
Bibliografia:
CALVINO, Italo. Seis
propostas para o próximo milênio: lições americanas. Trad. Ivo Barroso. 2
ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
DUFRENNE, Mikel. O poético.
Trad. Luiz Arthur Nunes e Reasylvia Kroeff de Souza. Porto Alegre: Editora
Globo, 1969.
MELO, José Inácio Vieira de. 50
poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2011.
MELO, José Inácio Vieira de. A
infância do centauro. São Paulo: Escritura Editora, 2007.
MELO, José Inácio Vieira de. A
terceira romaria. Salvador: Aboio Livre Edições, 2005.
MELO, José Inácio Vieira de. Decifração
de abismos. Salvador: Aboio Livre Edições, 2002.
MELO, José Inácio Vieira de. Luzeiro.
Salvador: Aboio Livre Edições, 2003.
MELO, José Inácio Vieira de. Roseiral.
São Paulo: Escritura Editora, 2010.
PAZ, Octavio. A dupla
chama: amor e erotismo. Trad. Wladyr Dupont. São Paulo: Siciliano,
1995.
2 comentários:
Parabéns ao poeta José Inácio Vieira de Melo e ao crítico Cleberton Santos - belo texto.
É muito especial esssa fala do professor Cleberton Santos ao colocar a poética-mágica de JIVM transfigurada por sua interpretação de leitor-conhecedor da arte-literária. Ao reler "Cântico dos cãnticos", poema que adoro, deixe-me encantar pela harmanonia sonoras conseguida pela repetição das vogais nasais na última estrofe. A Poesia tem essa mágica: a cada vez que o leitor se defronta com o poema, é fisgado por ela de modo diferente. José Inácio fala em "frenesi na agulha do peitoral". É isso, sua poesia erótica dá agulhadas aqui e ali pelo corpo do leitor... É bom sentir frenesi...
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