JOKERMAN
Para Bob Dylan
O tempo está passando e
continua o mesmo,
as minhas dores é que são
cada vez mais reais.
O tempo está passando e eu
continuo a esmo.
Já estou cansado de olhar
para a mulher
que não me quer, já estou
ficando vesgo
de olhar para o firmamento e ver a linha
que nada indica – nem
início nem fim nem meio.
Já olhei bem no centro de
tudo que alcanço,
para os lados e para os
cantos e para os recantos,
já até me perdi dentro do
olhar buscando encontrar,
mas eu nunca vi o olho de
deus na palma da minha mão.
Os profetas estão roucos e
seus vaticínios caem dos céus.
Sinto uma saudade enorme
dos urubus, tão higiênicos,
tão sinceros, tão amigos
dos vaqueiros. Sim, o azul do céu
não existe nem faz
diferença para quem pensa no senado,
porque para quem pensa no
senado a gaita não toca,
e, se toca, o senador liga
suas células e as cédulas brilham
e a gaita deixa de
existir. Eu sou um índio perdido.
A velocidade embebedou meu
sonho de primaveras primevas.
Repare, se eu estiver
uivando, não repare,
mas é só o que posso fazer
diante do abandono.
Minhas asas de anjo pesam
mais do que as do albatroz,
e, no circo, o picadeiro
me assusta. Só me resta ser o palhaço
de um humor negro – tão
sem graça quanto a beleza
dos meus ganidos, dos meus
vagidos, da minha rouquidão
desesperada que prega as
verdades no deserto
das mentes mundanas,
humanas, sacanas, perversas.
Eu sou o símbolo de minhas
taras agonizantes.
Estou morrendo, mas o meu
chapéu de cowboy
está radiante. Pois para
um índio da Judeia
brincar de deus e rir da
sua própria desgraça
é o que há de mais sublime
e glorioso.
Ah a glória – o panteon da
fama, dos deuses transitórios.
Ah esse tempo que mostra
que o meu futuro é não ter futuro,
que a cinza é apenas cinza
e que a fênix não existe
nem na sombra do urubu.
Mas tudo continua azul
porque o azul é o nosso
teto, porque o azul não existe,
porque no azul a gente
pode mergulhar e esquecer o peso,
porque o azul é o azulão
que assobia a última canção,
o último gemido agônico
que vem na hora derradeira.
O gran finale dessa nossa saga atroz e bestial
há de sair do bico de um passarinho. Pelo
menos isso,
meu Deus! Não da boca
escancarada de um trombone
ou do bocal de palheta
de uma clarineta. Não, isso não!
JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO
14 comentários:
Que espetáculo, meu poeta! Você é um vate forte e plenamente atemporal, perene como a própria matéria da poesia!
Belíssimo trabalho, Zé. Destaco algumas imagens que me transportaram para o azul-azulão: eu sou um índio perdido, a fênix não existe nem na sombra do urubu, o gran finale dessa nossa saga atroz e bestial há de sair do bico de um passarinho...Baita braço.
Ficaria massa na voz do próprio besouro! The time is passsssssssssssssssssssssssss!
É um texto encantador! Obrigada por me dar a oportunidade de saboreá-lo, lendo e relendo!
O poeta na procura incessante do Belo! Belíssimo poema!
BOM DEMAIS, ALÉM DO AZUL!
Dylan é um dos meus.
Grande abraço.
Formidável! Um poema que dá a dimensão de Dylan e a dimensão do poeta que você é, JIVM. Parabéns!
Meu amigo poeta - artífice e cuidador de versos na paisagem do plasma e da celulose -, sua poesia, sim, é saída, emanada de boca de passarinho!... Desprende-nos seus cantos e cânticos em decíbeis fonético-expressivos que alcançam as ideias e os sentidos!... Sua poesia, José Inácio Vieira Melo, abarca os seres todos, as dores, os murmúrios, os palhaços e os cowboys, o azul e o azulão, as primaveras primevas e os verões da costa dos paraísos brasileiros!... Parabéns, poeta, sempre!!!
Uma simbiose perfeita!!!...É como a fusão de dois génios. Excelente José Inácio Vieira Melo! Adorei
Que poema mais intenso! Fluente como água de chuva descendo a ladeira, que sai banhando tudo. Este poema, Zé Inácio, lava a alma e expressa o sentimento de toda uma geração da qual faço parte. Parabéns e muito obrigada. Beijinhos, meu poeta querido!
Na década de 60 surgiu um movimento chamado Nueva Canción, na América Latina. Com melodias de origem folclóricas e letras de cunho social, o movimento tomou corpo no Chile, Argentina e Cuba. Mercede Sosa foi uma de suas representantes. No Brasil Milton Nascimento e Chico Buarque também fizeram coro com a Nueva Canción. Cio da Terra é uma música que mostra essa ligação. Ouvi em algum lugar um termo muito bonito para designar essas músicas: canções campesinas. Ocorre que essa alquimia de música folclórica com letras fortes e elaboradas eclodiu em todos os cantos do mundo. A música de Bob Dylan é uma dessas manifestações da música campesina. Daí vem a ligação entre o Poeta José Inácio Vieira de Melo e Bob Dylan: na essência são ambos sertanejos.
rsrs... quando se está sob a mira... bjuuu gostei desse lugar...
Sensacional, JIVM! Belíssimo texto! E bela homenagem, que extrapola a pessoa de Bob Dylan e faz pensar no ser humano no século XXI. parabéns!
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