quinta-feira, 24 de maio de 2012

JIVM - JOKERMAN




JOKERMAN
Para Bob Dylan


O tempo está passando e continua o mesmo,
as minhas dores é que são cada vez mais reais.
O tempo está passando e eu continuo a esmo.
Já estou cansado de olhar para a mulher
que não me quer, já estou ficando vesgo
de olhar para o firmamento  e ver a linha
que nada indica – nem início nem fim nem meio.
Já olhei bem no centro de tudo que alcanço,
para os lados e para os cantos e para os recantos,
já até me perdi dentro do olhar buscando encontrar,
mas eu nunca vi o olho de deus na palma da minha mão.

Os profetas estão roucos e seus vaticínios caem dos céus.
Sinto uma saudade enorme dos urubus, tão higiênicos,
tão sinceros, tão amigos dos vaqueiros. Sim, o azul do céu
não existe nem faz diferença para quem pensa no senado,
porque para quem pensa no senado a gaita não toca,
e, se toca, o senador liga suas células e as cédulas brilham
e a gaita deixa de existir. Eu sou um índio perdido.
A velocidade embebedou meu sonho de primaveras primevas.
Repare, se eu estiver uivando, não repare,
mas é só o que posso fazer diante do abandono.

Minhas asas de anjo pesam mais do que as do albatroz,
e, no circo, o picadeiro me assusta. Só me resta ser o palhaço
de um humor negro – tão sem graça quanto a beleza
dos meus ganidos, dos meus vagidos, da minha rouquidão
desesperada que prega as verdades no deserto
das mentes mundanas, humanas, sacanas, perversas.
Eu sou o símbolo de minhas taras agonizantes.
Estou morrendo, mas o meu chapéu de cowboy
está radiante. Pois para um índio da Judeia
brincar de deus e rir da sua própria desgraça
é o que há de mais sublime e glorioso.

Ah a glória – o panteon da fama, dos deuses transitórios.
Ah esse tempo que mostra que o meu futuro é não ter futuro,
que a cinza é apenas cinza e que a fênix não existe
nem na sombra do urubu. Mas tudo continua azul
porque o azul é o nosso teto, porque o azul não existe,
porque no azul a gente pode mergulhar e esquecer o peso,
porque o azul é o azulão que assobia a última canção,
o último gemido agônico que vem na hora derradeira.
O gran finale dessa nossa saga atroz e bestial
 há de sair do bico de um passarinho. Pelo menos isso,
meu Deus! Não da boca escancarada de um trombone 
ou do bocal de palheta de uma clarineta. Não, isso não!


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

14 comentários:

Sayonara Salvioli disse...

Que espetáculo, meu poeta! Você é um vate forte e plenamente atemporal, perene como a própria matéria da poesia!

Rubens Jardim disse...

Belíssimo trabalho, Zé. Destaco algumas imagens que me transportaram para o azul-azulão: eu sou um índio perdido, a fênix não existe nem na sombra do urubu, o gran finale dessa nossa saga atroz e bestial há de sair do bico de um passarinho...Baita braço.

Almir Zarfeg disse...

Ficaria massa na voz do próprio besouro! The time is passsssssssssssssssssssssssss!

Ananda Sanches disse...

É um texto encantador! Obrigada por me dar a oportunidade de saboreá-lo, lendo e relendo!

Ana Da Costa Jorge disse...

O poeta na procura incessante do Belo! Belíssimo poema!

Carlos Emílio C. Lima disse...

BOM DEMAIS, ALÉM DO AZUL!

anjobaldio disse...

Dylan é um dos meus.
Grande abraço.

Martha Gonzaga Cohen disse...

Formidável! Um poema que dá a dimensão de Dylan e a dimensão do poeta que você é, JIVM. Parabéns!

Sayonara Salvioli disse...

Meu amigo poeta - artífice e cuidador de versos na paisagem do plasma e da celulose -, sua poesia, sim, é saída, emanada de boca de passarinho!... Desprende-nos seus cantos e cânticos em decíbeis fonético-expressivos que alcançam as ideias e os sentidos!... Sua poesia, José Inácio Vieira Melo, abarca os seres todos, as dores, os murmúrios, os palhaços e os cowboys, o azul e o azulão, as primaveras primevas e os verões da costa dos paraísos brasileiros!... Parabéns, poeta, sempre!!!

Alcídia Piteira disse...

Uma simbiose perfeita!!!...É como a fusão de dois génios. Excelente José Inácio Vieira Melo! Adorei

Mazé Anunciação disse...

Que poema mais intenso! Fluente como água de chuva descendo a ladeira, que sai banhando tudo. Este poema, Zé Inácio, lava a alma e expressa o sentimento de toda uma geração da qual faço parte. Parabéns e muito obrigada. Beijinhos, meu poeta querido!

Marcelo José Santos disse...

Na década de 60 surgiu um movimento chamado Nueva Canción, na América Latina. Com melodias de origem folclóricas e letras de cunho social, o movimento tomou corpo no Chile, Argentina e Cuba. Mercede Sosa foi uma de suas representantes. No Brasil Milton Nascimento e Chico Buarque também fizeram coro com a Nueva Canción. Cio da Terra é uma música que mostra essa ligação. Ouvi em algum lugar um termo muito bonito para designar essas músicas: canções campesinas. Ocorre que essa alquimia de música folclórica com letras fortes e elaboradas eclodiu em todos os cantos do mundo. A música de Bob Dylan é uma dessas manifestações da música campesina. Daí vem a ligação entre o Poeta José Inácio Vieira de Melo e Bob Dylan: na essência são ambos sertanejos.

LunasCafePoetico disse...

rsrs... quando se está sob a mira... bjuuu gostei desse lugar...

Eduardo Rennó disse...

Sensacional, JIVM! Belíssimo texto! E bela homenagem, que extrapola a pessoa de Bob Dylan e faz pensar no ser humano no século XXI. parabéns!