Carlos Drummond de Andrade intitulou seu primeiro livro de Alguma Poesia. Júlio Lucas resolveu chamar seu poemário de Novamente Poesia, que é um título bastante curioso para um livro de estréia. Paradoxal, à primeira vista, traz nas entrelinhas um sentido de renovação, como se o poeta quisesse mostrar que a poesia se renova toda vez que um poeta publica um livro.
“Das canções de alma”, nomenclatura da primeira sessão, diz muito do universo poético de Júlio Lucas. Sua ligação com a cultura pop, sobretudo com a música popular brasileira, é uma marca que sobressai nas três partes em que está dividido o livro. As outras duas são “Das canções de vísceras” e “Novamente Poesia”.
As canções ouvidas pelo autor ao longo de sua existência ficaram de tal modo impregnadas no seu íntimo que condicionaram o ritmo de seus versos. Ao ler os poemas de Júlio Lucas, a impressão que fica é de que uma canção está sendo executada. Por vezes, a marcação é de uma balada suave a seduzir a sua amada; em outros momentos, os versos seguem o andamento de um blues – e tudo é dito de modo espontâneo, celebrando o cotidiano, com seus entraves e seus encantos.
No poema inicial, “Muito prazer”, Júlio se apresenta como “herói de faroeste caboclo” “do Novo Cangaço Cult”. E vai deixando pistas das suas referências poéticas, que passam pelo rock brasileiro – representado nos versos acima citados pela alusão à música “Faroeste caboclo” da banda Legião Urbana – e pelos poetas Waly Salomão e Ferreira Gullar, sobretudo o Waly escrachado e o Gullar da poesia social.
Júlio conclui sua apresentação, dizendo ser “todos estes faróis de banidos que vos falam”. E fala do alto de sua patente de cangaceiro, quiçá um novo Virgulino Ferreira da Silva. E fala com a coragem de um guerrilheiro, quiçá um novo Ernesto Guevara.
O novo Cangaço Cult parece ser o cenário da sua estética, que se fundamenta nos anseios tropicalistas, expostos e explorados no poema “Tropikaos”, que desvenda, desafia, desfia, chuta, extrai, sorve e cospe “nos pretores culturais/ na coerência puritana/ na estética estática”.
E outras referências afloram no decorrer da leitura. Desde “os pincéis flutuantes de Pollok” até “a falsa modéstia de Tom Zé”. São tantas influências explícitas! É melhor deixar para que o leitor atento tenha o prazer de descobri-las. Mas uma se destaca com tanta intensidade, na sessão “Novamente Poesia”, que é preciso fazer menção, trata-se do poeta paranaense Paulo Leminski, o bandido que falava latim, com o qual Júlio dialoga na maioria dos poemas desse capítulo. E é aqui que Júlio Lucas se realiza melhor enquanto poeta, criando hai-kais que dão mostra do seu poder de síntese e de sua inclinação para a poesia minimalista. Um belíssimo exemplo é “Arte de menino”:
Menino lança a pedra
Quica salpica no espelho d’água
E a vidraça do céu estilhaça
Quem é capaz de fazer um poema com esse poder imagético, pode dizer que tem um caminho poético a seguir. E mais não precisa ser dito, os poemas falam por si.
Prefácio do livro de poemas Novamente Poesia (Ponto e Vírgula, 2011)
Um comentário:
Como não tenho a menor ideia deste misterioso título, não vou concorrer ao sedutor desafio, mas lá vai meu abraço especial de ano novo.
Continuo invejando sua casinha "no meio do nada".
Postar um comentário