sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

TROPIKAOS - O NOVO CANGAÇO CULT

José Inácio Vieira de Melo


Carlos Drummond de Andrade intitulou seu primeiro livro de Alguma Poesia. Júlio Lucas resolveu chamar seu poemário de Novamente Poesia, que é um título bastante curioso para um livro de estréia. Paradoxal, à primeira vista, traz nas entrelinhas um sentido de renovação, como se o poeta quisesse mostrar que a poesia se renova toda vez que um poeta publica um livro.
“Das canções de alma”, nomenclatura da primeira sessão, diz muito do universo poético de Júlio Lucas. Sua ligação com a cultura pop, sobretudo com a música popular brasileira, é uma marca que sobressai nas três partes em que está dividido o livro. As outras duas são “Das canções de vísceras” e “Novamente Poesia”.
As canções ouvidas pelo autor ao longo de sua existência ficaram de tal modo impregnadas no seu íntimo que condicionaram o ritmo de seus versos. Ao ler os poemas de Júlio Lucas, a impressão que fica é de que uma canção está sendo executada. Por vezes, a marcação é de uma balada suave a seduzir a sua amada; em outros momentos, os versos seguem o andamento de um blues – e tudo é dito de modo espontâneo, celebrando o cotidiano, com seus entraves e seus encantos.
No poema inicial, “Muito prazer”, Júlio se apresenta como “herói de faroeste caboclo” “do Novo Cangaço Cult”. E vai deixando pistas das suas referências poéticas, que passam pelo rock brasileiro – representado nos versos acima citados pela alusão à música “Faroeste caboclo” da banda Legião Urbana – e pelos poetas Waly Salomão e Ferreira Gullar, sobretudo o Waly escrachado e o Gullar da poesia social.
Júlio conclui sua apresentação, dizendo ser “todos estes faróis de banidos que vos falam”.  E fala do alto de sua patente de cangaceiro, quiçá um novo Virgulino Ferreira da Silva. E fala com a coragem de um guerrilheiro, quiçá um novo Ernesto Guevara.
O novo Cangaço Cult parece ser o cenário da sua estética, que se fundamenta nos anseios tropicalistas, expostos e explorados no poema “Tropikaos”, que desvenda, desafia, desfia, chuta, extrai, sorve e cospe “nos pretores culturais/ na coerência puritana/ na estética estática”.
E outras referências afloram no decorrer da leitura. Desde “os pincéis flutuantes de Pollok” até “a falsa modéstia de Tom Zé”. São tantas influências explícitas! É melhor deixar para que o leitor atento tenha o prazer de descobri-las. Mas uma se destaca com tanta intensidade, na sessão “Novamente Poesia”, que é preciso fazer menção, trata-se do poeta paranaense Paulo Leminski, o bandido que falava latim, com o qual Júlio dialoga na maioria dos poemas desse capítulo. E é aqui que Júlio Lucas se realiza melhor enquanto poeta, criando hai-kais que dão mostra do seu poder de síntese e de sua inclinação para a poesia minimalista. Um belíssimo exemplo é “Arte de menino”:

Menino lança a pedra
Quica salpica no espelho d’água
E a vidraça do céu estilhaça

Quem é capaz de fazer um poema com esse poder imagético, pode dizer que tem um caminho poético a seguir. E mais não precisa ser dito, os poemas falam por si.

Prefácio do livro de poemas Novamente Poesia (Ponto e Vírgula, 2011)

Um comentário:

Dimitri Ganzelevitch disse...

Como não tenho a menor ideia deste misterioso título, não vou concorrer ao sedutor desafio, mas lá vai meu abraço especial de ano novo.
Continuo invejando sua casinha "no meio do nada".