terça-feira, 1 de setembro de 2009

SANGUE NOVO - VITOR NASCIMENTO SÁ



A POESIA COLOCA A VIDA EM DESORDEM – VITOR NASCIMENTO SÁ nasceu em 1982, no sudoeste da Bahia, em Maracás, também conhecida como Cidade das Flores, onde vive até hoje. Poeta e professor de literatura, formado em Letras na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) em Jequié, é co-diretor do Grupo Concriz – equipe de jovens recitadores e poetas que tem realizado diversos recitais no Estado, desde 2005. Vitor é um poeta cauteloso e fica um tanto arredio quando solicitado a mostrar seus versos. O clima frio de Maracás, que chega à temperatura de 10º entre maio e agosto, é propício para a maturação de sua poética e para que possa remoer o conflito que o perpassa: “Eu perco a paciência com a minha própria poesia e a deixo de lado na esperança de que eu seja de uma vez por todas livrado dessa praga. Em vão. Basta ler alguma coisa e novamente a poesia vem desfazer minha paz e colocar minha vida outra vez em desordem”.

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – O que o motiva a ser poeta? É tão importante assim?

VITOR NASCIMENTO SÁ – Eu não me sinto motivado a ser poeta. Eu sou poeta. Acredito que há algo em minha natureza que impõe isso independentemente do destino que eu mesmo procure dar à minha vida. Então, eu sou poeta. Se eu não tivesse contato com a literatura, talvez essa força tivesse se manifestado de uma outra forma, talvez em outra modalidade artística. Mas com certeza a atitude poética seria parte de minha essência de qualquer maneira. Essa força, ou natureza, é algo que até tento sufocar às vezes, porque tenho medo de me expor demais na escrita. É por essa razão que minha produção tem lacunas de meses. Eu perco a paciência com a minha própria poesia e a deixo de lado na esperança de que eu seja de uma vez por todas livrado dessa praga. Em vão. Basta ler alguma coisa e novamente a poesia vem desfazer minha paz e colocar minha vida outra vez em desordem. Por isso, repito, Inácio, sou poeta e ponto.
Na minha infância já me sentia atraído pela prática da escrita, mas a escrita de um modo geral. Por ser tímido e, às vezes, excessivamente introspectivo, sempre tive mais facilidade de comunicar meu pensamento por essa via. A fala sempre me foi um esforço para além de minha natureza e a busca pela possibilidade de recusá-la, de optar por algo que, pelo menos aparentemente, não me expusesse tão diretamente, me levou ainda na adolescência a arriscar os primeiros versos confessionais. Mas diria que de poético nesse caso só há a minha lembrança, que talvez não corresponda ao que de fato aconteceu, porque a memória do poeta está a todo instante sendo reescrita. O texto que eu produzia naturalmente não passava de um desabafo mal alinhavado. E não podia ser diferente: não se pode escrever poesia sem ler poesia. A arte poética propriamente dita foi algo a que tive um contato mais sólido somente no curso de Letras. Acho que há ainda uma deficiência na educação básica quando a missão é introduzir o estudante na literatura, em geral, e na poesia, em particular. E não posso dizer que tenha encontrado em minha família exemplos de bons leitores. Mas depois da faculdade o meu tardio contato com a poesia foi se intensificando. Acabou que aquela fascinação pueril pela escrita e o questionamento constante de minha própria existência me empurraram para esse abismo que é a poesia em minha vida de uma forma que ela passou a ser essencial. Não sei quantas vezes tentarei novamente sufocá-la, quantas vezes fugirei desse abismo. Mas sei que não posso viver negando a minha essência o tempo inteiro. Um dia terei que assumir esse compromisso de modo mais efetivo.

JIVM – O poeta desempenha algum papel na sociedade? O poeta tem alguma função? A poesia serve para que?

VNS – Função, talvez sim. Incomoda-me muito o fato de alguns acadêmicos desejarem dar ao poeta uma utilidade. Ele não precisa disso. A poesia, como qualquer outra forma de arte, é arte justamente por se contrapor ao que é utilitário. Não discutirei obviamente as relações que se podem fazer entre o artístico e o utilitário em outras manifestações, como a arquitetura ou a moda. Mas a idéia que a humanidade construiu de arte ao longo dos séculos a põe do lado oposto de qualquer coisa que sirva para algo. A poesia e a literatura como um todo não servem, nem podem servir, para nada. Até porque somos nós que nos colocamos a seu serviço, não o contrário.
O papel que o escritor de literatura desempenha na sociedade, portanto, é algo muito questionável. Em primeiro lugar, porque literato de verdade não escreve para uma sociedade, não escreve pensando no que será útil, agradável ou aceitável para o público. Para fazer esse tipo de coisa já temos a turma da auto-ajuda. Em segundo lugar, porque a sociedade muda e o texto escrito não. Um poeta que nos parece idiota hoje poderá ser o gênio injustiçado do próximo século. Então quem escreve hoje pode não desempenhar nenhum papel na sociedade de hoje, mas mudará as próximas gerações. O contrário também é verdade: quem se coloca na literatura pensando desempenhar um papel importante no cenário social de seu tempo poderá ser um grande esquecido talvez daqui a cinco anos.
A poesia renova a linguagem. Mas não sei se isso é a função da poesia. Parece-me que essa renovação é apenas uma conseqüência da poesia. Porque, afinal de contas, não é a intenção do poeta (pelo menos pelo que me parece) renovar a linguagem. A intenção do poeta é a própria poesia, é a arte e a palavra. O resto é periférico, é secundário.

JIVM – Fale sobre o que é, o que faz e o que pretende o Grupo Concriz. E fale também da participação do Concriz nos projetos de poesia da Bahia.

VNS – Em Maracás há uma turma envolvida com literatura que, liderada pelo poeta Edmar Vieira, desde o ano 2000, pelo menos, fazia recitais esporádicos, principalmente para lançamentos de livro de poesia e para eventos organizados pela secretaria de educação. Mas não era um grupo fixo. Era um monte de amigos que se renovava a cada oportunidade de apresentação. Também não eram apresentações regulares, eram pontuais. Tenho notícias de diversos recitais. O primeiro que participei foi em 2005. Dois anos depois, foi realizado o recital de lançamento de A Infância do Centauro em Maracás e Edmar Vieira me convidou para dirigir com ele. Depois disso, começaram a surgir outras oportunidades de modo mais regular, como o projeto Pétalas, lançamentos de livros em outras cidades e participações em fóruns e alguns eventos da educação. Por isso é que surgiu a idéia de fazer um grupo que se consolidasse. Depois escolhemos o nome. Concriz é um pássaro muito comum no sertão que tem um canto muito belo. É conhecido também como sofrê.
Em 2008, participamos do projeto Uma Prosa Sobre Versos em Maracás e fizemos sete recitais de poetas diferentes. No mesmo ano, fizemos dois recitais em Jequié, um em Lafaiete Coutinho, um em Iramaia e outro em Santa Inês. Todas essas cidades são próximas de Maracás. Em 2009, estamos realizando o segundo ano de Uma Prosa Sobre Versos e participamos também de um projeto bem parecido em Jequié, o Travessia das Palavras. Mas, sem sombra de dúvidas, a nossa melhor participação foi na Bienal do Livro de Salvador. Fizemos um recital no stand da Secretaria da Cultura e dois recitais na Praça de Cordel e Poesia.
O grupo se renova o tempo inteiro e praticamente não tem limite de idade: Edmar Vieira, o mais velho, já passa dos trinta; o componente mais novo tem seis anos. Desde que a criança saiba ler e goste de poesia, pode fazer parte do Concriz, respeitando-se obviamente um limite máximo de participantes, porque não podemos dirigir tanta gente ao mesmo tempo. Hoje a direção do grupo é dividida entre mim, Edmar Vieira e o também poeta Marcelo Nascimento, meu irmão. E todos nós temos também outros compromissos, porque nossa atividade no Concriz não é remunerada. Agora, o grupo tem vinte e cinco recitadores. Concordamos que não dá pra aceitar mais ninguém, por enquanto.
No futuro, pretendemos elaborar um recital de vários poetas baianos, possivelmente privilegiando algum tema, e produzir esse recital em nosso território, o Vale do Jiquiriçá. Incomoda-nos o fato de produzir um recital para ser apresentado apenas uma vez. Outra ambição do grupo, que talvez se concretize ainda esse ano, é gravar um CD de poesias, também de autores baianos. Há outros projetos em estudo, principalmente em lançamento de livros de poesia no Vale do Jiquiriçá.

JIVM – Quais foram as leituras que mais lhe marcaram? Quais os autores referenciais?

VNS – A que mais me marcou foi a obra completa de João Cabral de Melo Neto. Deu-me uma visão bem diferente, muito mais madura, da literatura e me fez afastar da idéia de poesia como pura confissão e emotividade. Com Cabral, consegui aproximar-me do conceito de poesia enquanto construção. Mas considero indispensáveis a leitura de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Ferreira Gullar. Acho que isso é o básico e é o que tenho em maior estima. Não posso esquecer de outros que leio esporadicamente como Cecília Meireles, Vinícius de Moraes e Fernando Pessoa. Hoje estou lendo Federico García Lorca, com o meu espanhol sofrível. Mas, em matéria de leitura, não tenho predileção por essa ou aquela poesia, por isso é que entrei em contato também com Leminski e, posteriormente, com os Campos e Pignatari, embora não me sinta muito atraído pelo Concretismo. Enfim, sou professor de literatura; preciso conhecer um pouco de cada coisa da tradição à renovação. Mas minhas referências são, além dos autores do modernismo que já citei, os poetas do meu tempo: Ruy Espinheira Filho, Florisvaldo Mattos, Kátia Borges, Carlos Barbosa e você, José Inácio Vieira de Melo. Acho importante para o poeta de hoje, ler os poetas de seu tempo. Não dá para ficar só na tradição. Afinal de contas, a poesia só existe porque se reinventa e todos nós precisamos acompanhar essa reinvenção.

JIVM – A sua poesia caminha em que direção? Há algum livro em andamento? E o que mais?

VNS – Não sei se minha poesia tem uma direção. Também não tenho projeto de um livro. Vou escrevendo poemas, só isso. Há semanas que produzo muito e, na semana seguinte, jogo tudo fora. Depois passo meses sem escrever. E é isso. Não tenho muita disciplina e também não tenho pressa de publicar. Vou escrevendo na esperança de que o momento certo chegue, o momento em que terei certeza de que posso publicar sem arrependimentos futuros.
No mais, Inácio, resta agradecer pelo espaço, pelos conselhos, pela amizade. A poesia baiana precisa de pessoas generosas como você, pessoas que se dedicam à causa da poesia e não medem esforços para guiar os mais novos nesse caminho. O seu blog é um lugar de reuniões. Todas as pessoas da literatura da Bahia passam por aqui para dar uma olhadinha, deixar um comentário e conhecer gente nova. Sua produção poética já é em si um legado. Mas você faz mais. Você faz a diferença. Obrigado.

11 comentários:

Georgio Rios disse...

Ao Inácio, parabéns pela escolha acertada.Ao Vitor, brindar o sabor das respostas sinceras. Os belos poemas e o mais importante a comunhão de amizade proposta pela poesia. Um abraço e agora é tocar em frente a boiada de versos!!!

Carlos Barbosa disse...

Vitor sabe o que diz, do que fala. Por isso meu contentamento em ser por ele citado. Sujeito tranquilo, conduz o Concriz, toca seus poemas, vai engordando a vida. Gente boa todo sempre. E Maracás também é fonte de muita saudade. Esperamos por seu livro, sujeito. Abraços em todo o pessoal do grupo, daí. Inté, meu irmão. (carlos)

Marcelo Nascimento disse...

Parabéns Inácio, por apresentar aos leitores de seu blog mais um promissor poeta, Parabéns Vitor por suas respostas adorei a entrevista.

Jeovah Ananias disse...

JIVM, parabéns por trazer aos leitores mais uma revelação. Esse Vitor é muito bom poeta. Seu poema Caronte é de uma fina ironia. Sem contar que se trata de um belo poeta! Obrigado aos dois.

Jeovah Ananias

CLEBERTON SANTOS disse...

um jovem e já forte poeta. declamador e diretor exemplar. comovente. grande articulador de ideias e opinioes. o poema "Caronte" é sem dúvida obra de poeta certeiro, firme,que manejar as cordas da lira contemporânea... parabéns... seja bem vindo... um abraço em todo o grupo e meus eternos aplausos ao Concriz.

PONTO DE CULTURA ASSOCIAÇÃO DO CULTO AFRO-ITABUNENSE disse...

Olá Inácio,

Eu sou o Lula, da cidade de Itabuna, Litoral Sul da Bahia. Sou coordenador de um Ponto de Cultura aqui na cidade e nessas andanças de cultura eu conheci esse rapaz que nos apresenta.
Franco, talentoso e um pouco desastrado, mas um exemplo de determinação, um potencial que desponta nas terras de Maracás.
Tenho muito orgulho de ser seu amigo.

Luiz Dantas
ACAI/Itabuna.

Alex Guimarães disse...

Tenho o orgulho de dizer que sou amigo do poeta Vitor Sá... embora não tenha conhecimento apurado sobre o poetar do artista, vejo-me inclinado a solapar, com sua devida permissão, as palavras que remetem ao poeta e sua função social... Edelvitor, o concriz é, e já nasceu, com a bela e memorável atuação social, fincando o despertar de uma tensão que envolve a arte e a sociedade... Acredito que o caminhar do grupo, tendo você e o admirável Edmar como coordenadores, desperta o estranhamento necessário ao comum mortal que se anestesia com a contemplação de um recital tão heterogêneo, mas que carrega em si uma enorme função pedagógica e social. Parabéns a vc e ao Concriz.

Ana Paula Ferraz disse...

Parabéns, Vítor, pelos lindos poemas. Tive a honra de conhecer esse poeta, se bem que por pouco tempo em um curso de pós-graduação na UESB. É uma grande figura, que sabe "poetizar". Com certeza, ele vai longe. Abraços.

Anônimo disse...

Vitor você demonstra ter noção e conhecimento profundo com sua poesia, continue assim grandes poetas o aguardam pois não existe sonho senão o homem.

Ivana Karoline disse...

Grandes respostas para sábias perguntas. Perfeita sincronia. Parabéns Inácio!
Abraços!

Unknown disse...

Vitor, seus poemas são maravilhosos. Você está de parábens. Um excelente poeta. Quando publicar seus poemas, informe-nos.

Abraço da colega Fran