quinta-feira, 6 de novembro de 2008

RONALDO CORREIA DE BRITO LANÇA ROMANCE "GALILÉIA"

Alfaguara apresenta o primeiro romance do renomado contista, dramaturgo e roteirista de cinema
Ronaldo Correia de Brito, uma das vozes mais originais da literatura brasileira atual

“Seu modo de construção é cinematográfico. Econômico, conciso, cortante, ele reúne os fragmentos da tradição oral e ergue uma catedral literária com os cacos da ruína sertaneja e da tragédia clássica.” — O Estado de S.Paulo


Três primos atravessam o sertão cearense para visitar o avô Raimundo Caetano, patriarca de uma família numerosa e decadente que definha na sede da fazenda Galiléia. Ismael, Davi e Adonias passaram parte da infância ali, mas fizeram o possível para cortar seus laços com a terra de origem. Fazem parte de uma geração que largou o campo para nunca mais voltar. Foram viver no exterior, procuraram reconstruir a vida em Recife, em São Paulo, na Noruega.
O que espera os três primos ao final da viagem é uma volta radical a esta origem, a esta fazenda que um dia foi próspera, que oculta segredos e traições e “onde as pessoas se movem como nas tragédias”. Por mais que os protagonistas tenham se distanciado da violência que ronda a família, voltarão a senti-la de perto, descobrindo que nunca escaparam — ou escaparão — ao destino que os cerca. Terão de se reencontrar com a família e seus fantasmas, e reviver histórias de adultério, vingança e morte.
Nascido no mesmo sertão do Ceará onde está fincada a fazenda Galiléia, o contista, dramaturgo e roteirista Ronaldo Correia de Brito conhece profundamente o cenário escolhido para ambientar seu primeiro romance. “Tivemos um ciclo épico e de tragédias nesse vasto sertão cearense. Nada disso foi representado até o esgotamento, como o ciclo do faroeste americano, a conquista do Oeste. Cadê os nossos John Huston, John Ford, Roberto Leone? Glauber e os diretores do ciclo do cangaço fizeram uma leitura sobretudo do social. Os acontecimentos foram bem mais transcendentes. A nova geração de escritores prefere escrever sobre os dramas urbanos”, observa o autor em entrevista sobre sua obra.
Ronaldo Correia de Brito não teme o rótulo de regionalista e se adianta às críticas: “O meu sertão é a paisagem através da qual eu interpreto o mundo, o de hoje, o globalizado, o que rompeu com as tradições. Interessa-me a decadência, a dissolução. Meus personagens migram, sofrem o embate com as outras culturas. Sei que tenho sido vítima de preconceitos pela escolha dessa paisagem”, diz o escritor.
Para sua Galiléia, observa Ronaldo, convergem pessoas de todo o mundo. “Trato das questões do nosso tempo, os conflitos de cultura, as migrações, a dissolução da família tradicional. Jogo na mesa os conflitos insolúveis entre cidade e campo”, explica ele. “Se você elabora uma personagem complexamente neurótica, feminista, com todos os anseios urbanos, e se você senta esta mulher numa cadeira de couro, olhando uma paisagem desolada do sertão, há quem enxergue apenas o cenário e três ou quatro substantivos locais. Embora essa mulher fale da mesma dor e da mesma solidão de uma negra americana do Harlem”, compara o autor, herdeiro orgulhoso da tradição oral de sua terra.
“Acredito na supremacia da narrativa. As narrativas só perderão a função quando os homens perderem a fala, a audição e o dom de mentir. Costumo lembrar o quanto eram importantes os velhos narradores que tinham por única função na vida andar pelas casas interioranas, repassando conhecimentos que eles adquiriram e guardaram na memória. Acho que nenhum deles se perguntou algum dia sobre o valor do seu trabalho. Como também acredito que os aedos (artistas gregos que cantavam as epopéias) não se fizeram esta pergunta, enquanto fixavam o idioma, a mitologia e a épica grega”, lembra Ronaldo, que explica também sua recorrente inspiração em passagens e personagens bíblicos: “Aprendi a ler numa História Sagrada, que é uma seleta da Bíblia. Quando tinha sete anos, meu pai pediu que lesse em voz alta, para toda a família, um trecho da história de José do Egito. Foi a minha diplomação”, conta ele, “Eu sou um cara religioso, embora não freqüente nenhuma igreja. Costumo rezar, como os antigos hebreus, como Jó, aos impropérios, brigando com Deus. O mundo sertanejo lembra o da Bíblia, sendo que Deus foi desterrado dele.”

SOBRE O AUTOR: Ronaldo Correia de Brito nasceu no Ceará e mora em Recife. É médico formado pela Universidade Federal de Pernambuco. Desenvolveu pesquisas e escreveu diversos textos sobre literatura oral e brinquedos de tradição popular, além de ter sido escritor residente da Universidade da Califórnia, em Berkeley, no ano de 2007.
Escreveu os livros de contos As Noites e os Dias (1997), editado pela Bagaço, Faca (2003), Livro dos Homens (2005), e a novela infanto-juvenil O Pavão Misterioso (2004), todos publicados pela Cosac Naify.
Dramaturgo, é autor das peças Baile do Menino Deus, Bandeira de São João e Arlequim. Escreveu durante sete anos para a coluna Entremez, da revista Continente Multicultural, e atualmente assina uma coluna semanal na revista Terra Magazine, do Portal Terra.

Fotógrafo: Hans von Manteuffel
DEPOIMENTO: Ronaldo Correia de Brito fala sobre escrita, memória, psicanálise e as paisagens onde suas histórias se ambientam:

Quando lancei As noites e os dias, em 1997, pela editora Bagaço, o poeta Alberto Cunha Melo escreveu que meus personagens são complexamente urbanos e habitam um sertão sem endereço certo, que pode estar em qualquer latitude. Em Galiléia, os primos Davi, Ismael e Adonias procuram reconstruir suas vidas na Noruega, no Recife e em São Paulo, longe do sertão em que nasceram. Por mais que eles tenham se distanciado da violência que ronda a família, voltarão a senti-la de perto, descobrindo que nunca escaparam ao destino que os cerca.

UMA RELEITURA DO SERTÃO – O sertão tanto pode significar um espaço mítico como um acidente geográfico. Santo Agostinho perguntava sobre o tempo: o que é o tempo? Se não me perguntam eu sei, se me perguntam, desconheço. O que é o sertão? Se não me perguntam eu sei, se me perguntam desconheço. O sertão é abstrato ou real como o tempo. E continuará sendo tema para a literatura. O sertão é um espaço de memória confundido com o urbano. É o melhor lugar do mundo para acessar a Internet, porque as Lan House cobram apenas cinqüenta centavos por hora. Galiléia trata dessas idas e vindas, mergulhos e retornos nesse mundo suburbano chamado sertão.
Sou inteiramente aberto às influências. Não estou nem aí para qualquer tipo de fidelidade. Sou marcado pela escrita de Rulfo, Borges e de vários escritores russos. O livro que marcou mais profundamente minha escrita foi a História Sagrada, que sempre li como um compêndio de narrativas e nunca como um escrito religioso. Concordo com o ponto de vista de Robert Alter de que a Bíblia é prosa de ficção.
Eu precisava escrever um romance para ter mais espaço para discussões que não cabem no conto. Mas, sou um romancista conciso. Nunca conseguiria escrever centenas de páginas como os russos e os escritores de língua inglesa. Levei a mesma tensão dos meus contos para o romance. E isso se alcança em poucas páginas.
Trabalho duas propostas de Ítalo Calvino na minha literatura: a exatidão e a rapidez. Sou obsessivo em tentar dizer o essencial com poucas palavras. A cada dia me preocupo menos com o efeito das frases. Já não tento alcançar a beleza; prefiro alcançar a verdade. Quase não crio metáforas e censuro os adjetivos. Acho que sou esquemático, o que não deixa de ser um perigo para a literatura. Mas não suporto gorduras, sempre busco chegar ao osso.
Sou um escritor psicanalisado e minha escrita reflete isso. Nunca quis exercer o papel de psicanalista, embora tenha feito formação. Não conheço boa literatura escrita por psicanalistas. O hábito profissional da escuta e da escrita psicanalítica contamina a criação literária e o resultado é sempre ruim. Freud escreveu boa literatura. Não digo o mesmo de Jacques Lacan.
Quando terminei de escrever Galiléia, tive a impressão de que havia escrito o roteiro de um filme. Escrevo sempre a partir de impressões visuais, arranjos de cena. Nunca escrevi por sugestão deste ou daquele texto literário. As imagens do cinema me sugerem muito mais profundamente do que um conto ou novela. Escrevo teatro com facilidade. Sou um homem de teatro, conheço a carpintaria teatral. Escrever para cinema e teatro é bom porque podemos acompanhar a encenação ou a filmagem, vemos a transformação do texto numa outra linguagem.
Escrever é um ofício custoso. É necessário ler muito, agüentar o tranco da solidão, ser capaz de uma viagem interior e estar sempre aberto às novas experiências da escrita. É um ofício amargo, duro, uma verdadeira ascese. Não vejo nenhum glamour em ser escritor. Só reconheço nessa profissão muito trabalho, uma busca permanente da literatura e horas contínuas de estudo.
Continuo trabalhando como médico e não pretendo me afastar da medicina, nunca. Escrever e atuar como médico são atividades sem conflito. Acho que não seria escritor sem o longo e exaustivo exercício da medicina. Todos os dias eu convivo com o sofrimento, com a doença, com a morte e a alegria da cura. Ouço histórias que anoto e que podem aparecer em algum conto ou novela. Em Livro dos Homens existem dois contos desenvolvidos a partir de minha vivência no hospital.
Só consigo viver fazendo muitas coisas. Todas elas estão harmonizadas e é como se eu me movimentasse dentro de um mesmo universo. Gostaria de escrever um livro que me deixasse satisfeito. Isso nunca acontecerá. Estou sempre esperando por esse livro. Ah, se fosse Galiléia! Mas tenho consciência da minha permanente insatisfação e já estou trabalhando em novos livros. Queria viver mais serenamente, sem a angústia da espera. Não desejar e não esperar. Isso é quase a santidade.

6 comentários:

Anônimo disse...

Zé Inácio, vou comprar meu exemplar tão logo chegue à LDM. O Brito merece publicar bem seus textos. É grande prosador, dos bons, dos que apreceio. Pois bem, lendo o romance destacarei um trecho no meu blogue. Abr. (carlos)

Janaina Amado disse...

Vim lá do notasdeleitura, e qual não foi a minha surpresa quando encontro aqui um poeta baiano ligado a Cruz das Almas e à minha amiga Lita Passos! Gostei do seu blog, das sugestões pouco conhecidas que você dá sobre livros e autores. Vou voltar. Ah, e vou também comprar o livro do Ronaldo Correia de Brito, que há tempos quero ler, e agora ficou irresistível! Abraços.

adelice souza disse...

Zé Inácio
Parabéns pelo blog e pelas belas andanças na tua carreira.
Tenho me envolvido muito com a estética e o pensamento do sertão e concordo com tudo que disse aqui o maravilhoso Ronaldo Correia de Brito.
Vida comprida ao cavaleiro!

Anônimo disse...

Quem bom ver a foto de Ronaldo Correia de Brito.
Sou diretor de teatro e no ano passado (2007) montamos o espetáculo ARLEQUIM DE CARNAVAL. Um sucesso!! Uma peça que participou do FESTUER
Meu contato é tiaomaia@macaunet.com.br.
Gostaria que o poeta entrasse em contato comigo.
Vlw

Luiza Martins Neiva disse...

Ze Inacio, so macaca de auditorio do Ronaldo desde que li a Faca, gostaria de ser cineasta, cada conto daria um belo filme ou curta quem sabe?
Galileia, me deixou bem "tritura".

E outra bela surpresa tambem veio do nordeste Nosso Grao Mais Fino de Jose Luiz dos Passos, voce ja leu?

Luiza Martins Neiva disse...

Ze Inacio, so macaca de auditorio do Ronaldo desde que li a Faca, gostaria de ser cineasta, cada conto daria um belo filme ou curta quem sabe?
Galileia, me deixou bem "tritura".

E outra bela surpresa tambem veio do nordeste Nosso Grao Mais Fino de Jose Luiz dos Passos, voce ja leu?