terça-feira, 10 de julho de 2018

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO, ENTRE A ESTRADA E A ESTRELA

Por Márcio Catunda

Herdeiro da arte dos cultores da palavra, José Inácio bebe na fonte de Homero,
de Castro Alves, de Augusto dos Anjos, de Walt Whitman e de Jorge de Lima,
para difundir os seus hinos de mistérios elucidados pela claridade espiritual.

José Inácio Vieira de Melo publicou, recentemente, um livro extraordinário, intitulado Entre a estrada e a estrela, no qual o poeta, em dois longos poemas, explicita uma teogonia e uma cosmogênese pessoais, proeza a que poucos bardos se capacitam. Em “O mundo foi feito pra gente andar”, primeiro poema dessa obra singular, José Inácio trilha o itinerário dos que sentem a beleza de cada momento. Dialoga com o vento e ilumina a mente com a lâmpada da Via Láctea. Conhece que a vida é ritmo e viaja na trajetória que vai do horizonte ao firmamento, para afirmar, com a nota autêntica dos bardos inexpugnáveis: 

                        “Sou dono de céus imprevistos que embalam paixões e delícias”

Ato seguido, não hesita em declarar, com voz de oráculo: 

                        “Sou o sangue da terra”

Céu e terra conjugados na mente que imerge na expansão do pensamento e do sentimento, emerge, andarilho e menestrel, na estrada que conduz às estrelas.
Com a verve espontânea dos cantores da essência, sublima o susto que a vida impõe aos que se lançam na sua travessia: 

                        “Posso atribuir sentido ao meu sonhar” 

Ora, atribuir sentido ao sonhar é, nada menos, que chegar à plenitude visionária, em que o artista se devota, religiosamente, a seu ofício encantado. Ele sabe que é preciso “abrir as janelas do sentimento para ver uma nova flor no horizonte”. E assume, desse modo, a digna missão de sacerdote animista e panteísta, conectando-se aos domínios da espiritualidade, em comunhão com a sublimidade da natureza. Herdeiro da arte dos cultores magnânimos da palavra, José Inácio bebe na fonte de Homero, de Castro Alves, de Augusto dos Anjos, de Walt Whitman e de Jorge de Lima, para difundir os seus hinos de mistérios elucidados pela claridade espiritual.

Em Entre a estrada e a estrela, José Inácio Vieira de Melo eleva-se à voz do oráculo,
que prediz as altas coisas do pensamento humano, integra-se aos elementos
universais e se harmoniza com os três reinos.

Em louvor à intensidade do estro de José Inácio, de denso conteúdo semântico, dá testemunho Carlos Emílio Corrêa Lima, destacando a presença de “música tonal” nos versos do aedo que, com o caduceu de Hermes, espalha chamas vermelhas que se difundem no espaço. Eis a constatação mais sensível de que o autor de Entre a estrada e a estrela perfaz a sublimação do sentimento, com a suave tonalidade de um erotismo afetuoso e generoso, de que só os grandes poetas sabem inebriar-se. Elevando-se à voz do oráculo, que prediz as altas coisas do pensamento humano, José Inácio se integra aos elementos universais e se harmoniza com os três reinos. E vivencia aquela ascese em que a alma, fragmento planetário, se identifica com a totalidade cósmica:

                        “Sou um pedaço de terra que vaga no Universo” 

Tudo se plenifica e se unifica neste funil de imagens, em que o mais espesso torna-se o mais fino. Eis que o poeta viaja na densa solidão meditativa, no carro intergaláctico da liberdade espiritual, celebrando, “no portal os sonhos”, a consciência que se afina com o teclado espectral do tempo: 

                        “No filme da noite
                        encontrei o hoje dos meus dias” 

Na segunda parte do livro, que se constitui do poema “Na esteira do Infinito”, José Inácio define, com maior nitidez, o “brilho” que surgiu da primeva noite, “desencadeando estrelas e desdobrando vidas nas coisas mínimas”. Com esse canto de altos voos, o rapsodo dá um salto quântico na escala mágica da arte poética, e nos revela uma lírica iniciática, esotérica, que vem da tradição imemorial dos poetas místicos, e se renova no ritmo espontâneo, que flui de suas concepções sacramentais. 

Em imagens exuberantes, o poeta nos fala do vazio em que tudo é atração e conexão. A estrada que conduz às estrelas é o itinerário do homem consciente, que conhece o seu vínculo com o Sol. Em sua profecia astro-teosófica, o Universo disperso se unificará: Andromeda e a Via Láctea se encontrarão para celebrar núpcias espaciais na esteira rutilante em que nós, também, seres constituídos do pó das galáxias, nos fundiremos e nos eterizaremos nos giros da expansão infinita. A vida é, portanto, em suas estrofes, uma viagem pelas trevas à luz, do desconhecido até a imersão no fogo absoluto das constelações. 

JIVM: "Sou um milagre e meu núcleo é um santuário"

A esteira do infinito é a ressonância que os astros deixam na retina da nossa essência. É a consciência de que o mar de prata das estrelas brilhará em nós, quando nos misturarmos à explosão das ondas siderais. 

                        “Somos uma multidão que se agita
                        dentro de uma forma.
                        No núcleo das minhas células,
                        no núcleo dos meus átomos,
                        a vertigem, o oásis”

Nesses insights de consciência cósmica, o poeta se revela iluminado, pleno do samadhi e do satori, conhecedor da ciência da espiritualidade:

                        “Meu estado físico concentra energia de todas as eras. 
                        Venho de um passeio de bilhões de anos.
                        Sou um milagre e meu núcleo é um santuário”

Eis aqui estas orações de júbilo que o poeta entoa, glorificando o homem, partícula do infinito eterno:

                        “Vento na estrada, estrela no tempo”

Ele vê os dois lados da realidade, além do visível, o invisível que oculta e desvela no seu sonho lúcido e beatífico:

                        “Mergulhar no mar, no ar, no corpo, na noite,
                        tudo são formas de se banhar nas misteriosas águas da vida”

Quem tem sensibilidade para pulsar com os dínamos da poesia merece ler esses cantos de um poeta que sabe fluir nas ondas gráficas e sonoras que nos conduzirão, no grande destino, aos píncaros eternos, onde as palavras ficam gravadas no mural do Universo.


 
Márcio Catunda nasceu em Fortaleza, em 1957. É poeta, ensaísta, contista e romancista. Autor de vasta obra literária, inclusive discos de poesia musicada, seus textos refletem as experiências por ele vividas ao longo dos 24 anos em que viveu fora do Brasil, em oito países, como funcionário do Itamaraty. Seus livros de poemas Escombros e Reconstruções e Viagens Introspectivas receberam prêmios literários da Academia Carioca de Letras e da União Brasileira de Escritores, respectivamente.




Fotos: Ricardo Prado
Capa: Felipe Stefani

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