terça-feira, 12 de outubro de 2010

TRÊS POEMAS DE FABRÍCIO DE QUEIROZ VENÂNCIO


















PAREDES


"O que são as lembranças senão o idioma dos sentimentos?"
Júlio Cortázar


Pia no canto do quarto um rádio empoeirado,
a maresia, convidada pela janela aberta,
passeia livre pelos objetos usados.

A parede, sebosa e caduca, não se recorda do branco;
o brilho faz parte da memória da madeira
e a cadeira já não serve para sentar.

Um último pio do vento e pronto, arma-se a lembrança:
risos de criança que giram num carrossel envelhecido,
ciranda de velhos que rezam em redor do epitáfio.



IDADES


O silêncio está enferrujado na dobradiça.
Atrás da porta repousa o tempo,
na cabeceira está o pó e no pó
repousam minhas peças velhas.

O terço foi atacado pelas feras,
a cruz tem a ferrugem da descrença;
a santa imagem repousa só
e seus pés estão descalços.

No chão o retrato das minhas eras,
o cabresto que me atém ao luar.
Junto à janela a marca do suor,
a lembrança do eco de passos no vitral.

As traças me fazem lembrar a vida,
os ratos me causam o comichão.
Eu, não sou mais que uma saudade
carregada por um vento já cansado;

um vento farto de mim.



FORMIGAS NO TETO


Faz pouco sentido enquanto espero
a música ainda toca triste, baixo
os amigos estão na sala, sorrindo
estamos indo em silêncio
e nosso choro não pode ser escutado.

Enlouquecemos mas somos ignorantes,
no nosso jogo só existem dois.
No formigueiro brincamos de ciranda,
chamamos de belo o perigoso
de desejo o que é costume.

Pensamos e sorrimos ao mundo,
Somos sebosos e é suja nossa fé,
nosso respiro é gorduroso:
só no cochilo há o alívio,
só na parede a distração.

Não somos mais que este quarto,
Este odor de cigarro abafado,
esta porta de ferro fechada:
Sua ferrugem é o nosso carisma
e nossa canção está no teto.

As formigas caminham,
concentram a nossa atenção.
A tela se apaga pelo desuso,
o banho quente cessa.
E o silêncio, lentamente, nos sufoca.

Um comentário:

Marcelo Nascimento disse...

Parabéns Fabrício, muito bons seus poemas, cheio de imagens, gostei em especial do poema Idades os versos;

O terço foi atacado pelas feras,
a cruz tem a ferrugem da descrença;

são magníficos.
Parabéns Inácio por mais um Sangue Novo.