terça-feira, 21 de setembro de 2010

POESIA SEM “MÁSCARA DE FERRO”

Por Francisco Carvalho


Depois de ler o admirável posfácio de Eliana Mara Chiossi, não sei o que mais poderia dizer a respeito do livro de poemas de José Inácio Vieira de Melo: Roseiral de palavras que nos transmitem os conteúdos da modernidade literária do tempo presente. O poeta rebelde à linguagem transcendente dos versejadores que celebram o mundo, como se fosse uma casa de portas e janelas abertas para os líricos de meia tigela. Eliana Chiossi mergulha nos labirintos de sua dicção poética para decifrar os enigmas de sua personalidade literária. Ela nos fala, com extraordinária densidade crítica, do “abalo mais visível do seu universo interior, presente nas combinações semânticas” que conferem “a seus versos uma tonalidade rubra, passional e incendiária”, num processo de associações que incendeiam as ideias, à maneira de coivaras que ardem nas fazendas sertanejas para a plantação das primeiras chuvas.
Destaca a composição dos sonetos brancos, impressos na segunda parte do livro. Afirma que o poeta tem profunda admiração “pelos poemas de forma fixa. Estudioso assíduo da metrificação, escolhe os versos decassílabos” para exprimir sensações e desenvolver temas sobre acontecimentos telúricos que homenageiam o “feminino”. O poeta exibe comportamento viril na sua poesia, e o faz de maneira explícita, com palavras e ideias precisas.
Os sonetos brancos me parecem ótimos, além de serem uma forma de sair da “máscara de ferro” do velho soneto petrarquiano, tão vilipendiado pelas gerações modernas. Os sonetos brancos me agradam pela flexibilidade formal, principalmente os rimados sem o rigor dos sonetistas à moda antiga. Acredito que a boa poesia pode estar presente nos versos rimados e metrificados. Inúmeros poetas poderiam servir de exemplo a essa afirmação, desde que não se leve demasiado a sério o vício de rimar dos parnasianos.
JIVM é um poeta admirado pelos amantes da poesia, medida ou sem medida. Não se apresenta como poeta radical. Pelo contrário, é bastante flexível para compreender que os tempos mudaram, e que os poetas têm de estar atentos para o rumo da onda. Na página 75, ele confessa abertamente: “Em seus largos cômodos,/ habitam uma enorme solidão/ e muitas vontades de vida.” na página 70 ele nos diz que sua “noite é imensa dentro da sua largura/ e de um canto a outro é cheia de grilos”... Na página 69, faz o elogio das nádegas femininas, sem levar em conta o falso moralismo dos que tentam esconder os privilégios da sexualidade.
Lendo JIVM, ficou-me a impressão de que ele tem grande afinidade com a obra poética de Gregório de Matos, conhecido pela alcunha de O Boca do Inferno. Segundo Augusto de Campos, “Gregório de Matos continua a esperar que as gerações mais novas arranquem a “máscara de ferro” dos sonetos de piedade e arrependimento que, em nome do ‘humano’ e do decoro, lhe afivelam à genial boca do inferno”.
Estou convencido de que JIVM é um poeta de expressão nacional, na medida em que usa a linguagem do povo na realização de seus poemas. Ele recorre à sensibilidade dos humildes para exprimir os sonhos de cada um de nós.


Francisco Carvalho é poeta e ensaísta. Publicou, entre outros, Quadrante Solar (1982) – Prêmio Nestlé de Literatura, Girassóis de Barro (1997) – Prêmio Fundação Biblioteca Nacional, Memórias do Espantalho (2005) e O Sonho é Nossa Chama (2010).

Resenha publicada na revista virtual Verbo21 número 133, agosto 2010 (http://www.verbo21.com.br/v3/)

Um comentário:

Francisco Munduruca disse...

Pois é, quantos poetas poetas vivem por aí carregando suas máscaras de ferro?
JIVM mostra-se por inteiro. É um poetão.
Parabéns ao xará pela bela resenha.

Chico Munduruca