Ilustração: Felipe Stefani
Entre a estrada e a estrela é o discurso lírico-filosófico sobre os
espelhamentos, os paralelismos entre a Terra e o Céu, entre o telúrico e o
cósmico. A figura que mais cabe neste ser-poeta José Inácio Vieira de Melo é o
centauro. Metade cavalo, metade homem, esta figura faz a ponte entre os reinos
de cima e embaixo, do macro ao microcósmico. O ser humano caminha pela estrada,
percebendo a beleza do caminhar e não o ponto final da chegada, pois não há
fim, neste movimento incessante do mundo. O livro, dividido em duas partes “O
mundo foi feito pra gente andar” e “Na esteira do infinito”, faz do movimento
pendular do caminhar um acesso ao aberto, àquilo que se caracteriza pelo seu
abismo interminável. É interessante observar neste belo livro de poesia uma
indagação sobre o silêncio, o murmúrio de uma linguagem que desconhecemos.
José Inácio vivencia e
problematiza. Se num dos heterônimos de Fernando Pessoa, o mestre Alberto
Caieiro, dizia que “pensar é estar doente dos olhos”, o poder analítico na
poesia deste alagoano radicado na Bahia, se conjuga com a dor de descobrir o
mundo, descortinar o véu do real para que a pele dos sentidos se esclareça na
fusão entre o signo e a coisa. Os complexos pensares se fundam no poder de
visão, já que a riqueza imagética de seus versos nos leva à plenitude do real
em toda a sua carnadura. José Inácio problematiza o real pela força metafórica
de seus versos, cobrindo o que está fora dele com um tecido interior de seu
saber mais profundo.
Este ser que problematiza não
pode ter uma essência, visto que é múltiplo em seus jogos de aparência.
Múltiplos como os sentidos do mundo são seus eus que se multiplicam e se
fragmentam no cosmos infinito que se estende do corpo do ser ao corpo do mundo,
como numa comunhão cósmica entre a hóstia dos segredos e a boca do universo.
Vejamos seus versos: “É nos caminhos que os passos inventam/ que novas formas
hei de incorporar,/ assim, cada vez mais, me multiplicando.” Numa incorporação
entre o eu e o que o circunda, o poeta busca transcender as dicotomias e
limites interpostos pela metafísica ocidental que divide a alma e o corpo. É
possível se falar de uma corporeidade do cosmos que adentra a tessitura fina de
um ser, como José Inácio. Um ser que esconde um universo dentro de si.
Portanto, temos em José Inácio
Vieira de Melo, um grito que perdura pelo exterior dos signos, a sua forma externa
se densifica na matéria. Alma e corpo se fundem na substância agregadora do mundo.
O poeta por ora aqui apresentado não se limita à linguagem, ultrapassando-a com
a sua entrega ao universo que o circunda. Unindo o mítico ao real, sua poesia
afugenta os esqueletos da morte e se expande num sopro de vida que se quer
eterna enquanto dure. Um livro excepcional que reúne os princípios da origem -
não em seu apelo de morte e fim - mas de novos recomeços e origens que se abrem
à urdidura dos versos a abarcar todo o cosmos dilacerante.
Alexandra Vieira de Almeida É poeta, contista, cronista, ensaísta e
resenhista. Tem doutorado em Literatura Comparada (UERJ). Publicou quatro
livros de poemas: 40
poemas, Painel (2011), Oferta (2014),
Dormindo no verbo (2016) e A serenidade do zero (2017). Tem poemas
traduzidos para o espanhol, inglês, holandês e chinês. Vive no Rio de Janeiro
(RJ).
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