Antonio Miranda
Poeta e performer, José Inácio Vieira
de Melo nasceu em Alagoas, mas habita o sertão da Bahia, ecossistema que o
mobiliza como produtor rural e como poeta lírico e telúrico. Natural e
sofisticado. Como os poetas cultistas e conceptistas do século XVII, em versão
atualizada, ele transforma e responde o/ao meio-ambiente, de forma anímica e
criativa. Como ressaltou Hernâni Cidade: “Já se deixa ver que, segundo o
temperamento do poeta ou conforme a tendência da escola literária, e às vezes do momento social, assim varia a proporção
entre o interesse do que se comunica
e o interesse do modo de comunicação
(entre o Was e o Wie, como dizem os Alemães). E também se compreende que
frequentemente, com o mais baixo ou o mais alto daquela atenção à substância, o
mais alto ou o mais baixo esmero neste tratamento da forma” (CIDADE, p. VI). Ou seja, entre o ideal e o lúdico, o físico e
o mental, inteligência e sensibilidade.
“Minhas mãos unem contrastes”,
confessa o poeta, “parindo sonatas na respiração da Terra”, “martelando éguas e
águas, vibrando léguas de sons.” Ritmo,
emoção, construção verbal lírica e confessional, “parindo harmonia no coração
da Terra”, com maiúscula e “sonha sete bondades habitando verdes monumentais”.
Pagão e religioso, extremado cultista
da libido e conceptualista de valores excelsos... Confessa, onírico com os pés
na terra: “Os toques do cajado acendem o espírito.” Entre devoto e hedonista.
E o Senhor deu-me a sétima partitura
para um rebanho de pianos ajuntar.
E foram sete vezes sete os reinos que visitei
até encontrar no soturno mundo velho
uma lua cheia que crescia sem parar
e a solidão do pianista dentro de um Noturno.
Sete mil vezes. Um poeta
de carne e espírito em flagrante descompasso, compasso de piano, planando em
seu refúgio de asceta e profeta da sensualidade entre visceral e metafísica. “Terceiro
filho de Adão”, gênese do mundo, quando a Criação beirava a divindade e a
promiscuidade.
Desde as origens,
Encobertos por todos os desejos,
os homens destilam apelos.
Comunicam-se pelos gemidos,
clamam pelas moradas do amor.
JIVM vive seu tempo em diversas
dimensões e direções, dos contrastes e disfarces da condição humana, que ele
vivencia e (di)versifica, denuncia e usufrui como “pastor das pérolas
orvalhadas”, piano exultante, de “marfim” e de “ébano”.
Na multiplicidade do regaço dos acordes,
chamas e sombras refletidas
transbordam nas órbitas dos dedos.
Como ressalta Hernâni
Cidade, o poeta “sobrepõe ao plano da
realidade o plano do ideal,
constituído com o que naquele haja de mais formoso e puro, fulgurante e nobre,
e para ele perpetuamente provoca a evasão da sensibilidade, da imaginação e da
inteligência.”
Soltos
no silêncio, meus pianos pelejam
e o sangue dança nas artérias da Terra,
lá onde os gritos ficam à espreita.
Vale
dizer: como Brecht, ele oscila entre comprometer-se e imiscuir-se no real e seu
oposto, ou seja, contemplar e vivenciar o distanciamento crítico. Concluindo,
enquanto convidamos a lerem os demais poemas de Sete para aprofundar-se
em sua lírica, José Inácio Vieira de Melo, na poesia e na vida, institui o jogo que, no dizer de Hernâni Cidade, é
“um jogo, que tem no puro gozo estético toda a sua finalidade.”
CIDADE, Hernâni. A poesia lírica cultista e conceptista. 4ª
ed. Lisboa: Seara Nova, 1968.
Texto publicado originalmente na revista mallarmargens, em 12 de setembro de 2015 (http://www.mallarmargens.com/2015/09/lendo-um-poema-do-livro-sete-de-jose.html?view=snapshot)
Antonio Miranda é professor emérito da
Universidade de Brasília, poeta e atual diretor da Biblioteca Nacional de
Brasília. Autor de mais de 50 livros de e sobre poesia, romance, crônica e
conto, além de obras científicas na área de Comunicação e Ciência da
Informação. Mantém na internet desde 2003 o repositório de poesia brasileira
(em diversas línguas) e ibero-americana, além da africana de língua portuguesa:
www.antoniomiranda.com.br
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