Foto: Ricardo Prado
CONCERTO PARA CAVALOS
I
Esses cavalos
de vento,
gigantes de
patas mágicas,
cobrem os
desvãos dos signos
com o seu
resfolegar.
Lambem as
vulvas das loucas,
com sua aguda
linguagem,
inaugurando
evangelhos
de mansas e
novas águas.
O galope dos
cavalos
açoita sonhos
no rei.
À luz
subsistem lembranças
de um tempo
livre, sem leis.
Rincha o
vento da lembrança.
(Sopranos: era uma vez...).
II
Depois soprou
a vastidão
trazendo o
Quixote insano.
Seu galope de
delírios
deu à Europa
novos planos.
Jamais a um
cavalo coube
transformar a
tradição
com o açoite
do relâmpago,
luz que
ofusca a escuridão.
Páginas
coloquiais
de um xadrez
ultrapassado
a povoar o
futuro
dos brasões
assinalados.
Rincha o
vento do futuro.
(Barítonos: o passado...).
III
Medulas
modulam musas.
Na mesma
mesa, Medusa.
Magras,
mórbidas Medeias,
éguas
escassas, ruças.
Exército de
cavalos
russos,
velozes e rubros.
Ribombar do
Apocalipse,
aurora de
rosas turvas.
Destronar e
transformar:
Meu cavalo por um reino!,
assim falou
Myriam Fraga,
que ora tem
cavalo e reino.
E relincha o
vento em fragas.
(Tenores: tudo está feito!).
IV
Sobre
esbraseados muros,
nas tardes de
Samarcanda,
o rei trota
seu ginete,
Sherazade
inventa tramas.
Antes que se
alastre o nunca,
vil
Nabucodonosor,
Sherazade
cria mirantes
contando
histórias de amor.
Sobre
ensombreadas torres,
nas manhãs de
Aldebarã,
um rei trota
cem corcéis.
No rio, coaxa
a rã.
Rincham
ventos menestréis.
(Coro
uníssono: manhã!).
V
Fareja o
livro da morte
e desperta
tuas brasas.
Atiça fogo
nas torres,
dobra os
sinos, abre as asas.
O vento
escoiceia a tarde.
Desesperada
salsugem
alimenta a
longa página,
livro da vaca
que muge.
De espinhos,
nos espelhos,
a sombra se
embelezava,
transformando
a morte em cena
de um teatro
de fantasmas.
Zé Ramalho
ergue uma prece.
(Relincham
todas as almas).
VI
Era um cavalo
de luas,
corcel de
pelos de livro.
De fogo, a
sua memória.
Seu peito, de
versos livres.
Nutria-se do
que lia.
Quanto mais
lia, sentia
eriçar pelos
e crinas
como quem ama
Maria.
Seu coração
disparava
trespassado
de euforia.
Era um deus
que galopava
e o Universo sorria.
(Relincham
todos cavalos:
uma Ode à Alegria).
VII
Depois, a
loucura, em lavas,
lambia os
musgos das asas,
limpava bem
suas patas,
reluzentes
sobre as vagas.
Cavalos
soltos e afoitos.
Açoites
dentro da noite
sobre
telhados atônitos,
sobre gemidos
e coitos.
Bem dentro da
escuridão,
uma luz, um
livro ardia.
Nas lonjuras
do Sertão,
um jovem
poeta lia.
(Estrelas,
constelações,
relinchando fantasias).
JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO
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